29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Como conter devastação dos biomas brasileiros

Publicado em 29/08/2019 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O Brasil perdeu 71 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos 30 anos – área maior que a ocupada pela Amazônia – em decorrência de desmatamento e queimadas, entre outros fatores, apontam dados do MapBiomas. Como esse desmatamento ocorreu sem planejamento ambiental e agrícola, boa parte dessas áreas tornaram-se abandonadas, mal utilizadas ou entraram em processo de erosão, ficando impróprias para produção de alimentos ou qualquer outra atividade econômica.

A restauração florestal pode diminuir parte desse prejuízo ao possibilitar a recuperação estratégica de 12 milhões de hectares de vegetação nativa em todo o país até 2030, conforme estabelecido no Plano Nacional de Restauração Ecológica. Dessa forma, seria possível sequestrar 1,39 megatonelada (Mt) de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, interligar fragmentos naturais na paisagem e ainda aumentar em 200% a conservação da biodiversidade.

As estimativas constam no sumário para tomadores de decisão do relatório temático “Restauração de Paisagens e Ecossistemas”, lançado na sexta-feira (23/08), no Museu do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

O documento é resultado de uma parceria entre a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês), apoiada pelo programa BIOTA-FAPESP, e o Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS), e foi elaborado por um grupo de 45 pesquisadores, de 25 instituições do país.

“O sumário mostra que as questões ambientais [conservação e restauração ecológica] e a produção agrícola são interdependentes e podem caminhar juntas, sem prejuízo para nenhum dos lados. Pelo contrário, ela só traz benefícios diretos, como a diponibilização de polinizadores para as culturas agrícolas, a conservação da água e do solo e, principalmente, a possibilidade de certificação ambiental da produção, permitindo agregar valor”, disse à Agência FAPESP Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e um dos autores do documento.

O sumário destaca que o Brasil tem grandes oportunidades para impulsionar a restauração e a recuperação da vegetação e, com isso, aumentar a geração de benefícios socioeconômicos e ambientais, minimizar a competição de florestas com áreas agrícolas e contribuir para combater as mudanças climáticas.

No entanto, para que as oportuni¬dades se tornem realidade, o país não pode retroceder em suas políticas ambientais de redução do desmatamento, conservação da biodiversidade e impulsionamento da recuperação e da restauração da vegetação nativa em larga escala, ponderam os autores.

O fim da obrigatoriedade da Reserva Legal, as reduções das alternativas de conversão de multas e a extinção dos fóruns de colaboração e coordenação entre atores governamentais e da sociedade seriam perdas irreparáveis para uma política de adequação ambiental, afirmam.

Os autores também ponderam que Brasil tem assumido o papel de líder em negociações ambientais internacionais e qualquer ruptura desse caminho, além de afastar oportunidades, vai afugentar mercados internacionais consumidores de produtos agrícolas. Isso porque, cada vez mais, esses agentes se pautam pela produção e pelo consumo sustentáveis, incluindo políticas de não consumo de produtos provenientes de áreas desmatadas.

“O Brasil não deveria ter nenhuma dificuldade de colocar seus produtos agrícolas no mercado internacional, pois o diferencial poderia ser uma agricultura sustentável praticada em ambientes de elevada diversidade natural. Isso é um ativo que nenhum outro país tem”, avaliou Rodrigues.

Aumento de produtividade

De acordo com o documento, a intensificação sustentável da pecuária brasileira é um processo-chave para aumentar a produtividade do setor e liberar as áreas agrícolas de menor produtividade para o cumprimento de leis e metas ambientais.

O aumento da produtividade média da pecuária brasileira de 4,4 para 9 arrobas por hectare por ano permitiria não só a atingir a meta brasileira de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, como também zerar o desmatamento ilegal e liberar 30 milhões de hectares para a agricultura.

“Três quartos da área agrícola brasileira são ocupados hoje pela pecuária, com baixíssima produtividade média. Se tivéssemos uma boa política agrícola, voltada à tecnificação da pecuária, seria possível aumentar a produtividade da atividade e, assim, liberar pelo menos 32 milhões de hectares de pastagem para outras culturas, mantendo a mesma quantidade de cabeças de gado atual”, disse Rodrigues.

O aumento da produtividade das pastagens nos próximos 30 anos seria suficiente, considerando o Brasil como um todo, para garantir o cumprimento de leis e metas ambientais, como pode ser confirmado nos resultados regionais, afirmam os pesquisadores.

Na Amazônia, por exemplo, para atender a todas as metas de produção agrícola e florestal, de desmatamento ilegal zero e de recuperação da vegetação nativa – visando legalizar ambientalmente as propriedades rurais e ainda potencializar os serviços ecossistêmicos –, seria preciso ampliar a produtividade das pastagens do nível atual de 46% para 63-75% do seu potencial sustentável, em 15 anos.

Na Mata Atlântica, esse mesmo processo necessita de um aumento dos atuais 24% para 30-34% do seu potencial, sendo que tal incremento é possível apenas aplicando o conhecimento básico de manejo de pastagens. No Cerrado, bastaria sair dos 35% vigentes para 65% do seu potencial sustentável até 2050 para harmonizar expansão agrícola sustentável, restauração em áreas prioritárias e desmatamento ilegal zero

“Não há nenhuma justificativa para o desmatamento que está acontecendo na Amazônia e no Cerrado agora, porque estamos gerando ainda mais pecuária de baixa produtividade”, afirmou Rodrigues.

Segundo o documento, o aumento da produtividade nas áreas já agrícolas e a adoção de modelos econômicos alternativos nas áreas com menor potencial agrícola – como aquelas com restrições à produção mecanizada, as ocupadas por vegetação nativa, florestas nativas com aproveitamento econômico sustentável e sistemas agroflorestais biodiversos – também são essenciais para alavancar os benefícios financeiros diretos e indiretos em curto prazo.

Somando a exploração econômica das áreas marginais restauradas com fins comerciais, como sistemas agroflorestais biodiversos, e o ganho proporcionado pelo uso destas áreas para compensação de Reserva Legal de propriedades rurais com débito ambiental, torna-se financeiramente viável a reconversão de áreas agrícolas marginais para vegetação nativa.

Em Paragominas, no Pará, em apenas quatro anos, propriedades de pecuária irregulares ambientalmente e de baixa produtividade regularizaram suas exigências ambientais legais e aumentaram a produtividade da agropecuária em quatro vezes e ainda passaram a explorar a Reserva Legal de forma sustentável, plantando madeira e frutíferas nativas, diversificando a produção, exemplifica o sumário.

“Há vários outros exemplos de projetos de pecuária sustentável no país, em que são tecnificadas as melhores áreas para a pastagem e as áreas marginais, que são as Áreas de Preservação Permanente [APPs] para proteção da água, do solo e da biodiversidade.  As áreas agrícolas de menor aptidão agrícola, que cabem no conceito de reserva legal, são ocupadas com florestas econômicas biodiversas, para a recuperação ambiental e produtiva da propriedade”, disse Rodrigues.

Restauração planejada

De acordo com Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da coordenação da BPBES e do BIOTA-FAPESP, o Brasil tem a oportunidade de desenvolver um programa de recuperação da vegetação nativa ímpar no mundo para áreas florestadas da Mata Atlântica e Amazônia. Isso porque o país pode contar com uma grande diversidade de espécies em projetos de restauração.

“Há projetos grandes e bem-sucedidos de restauração em andamento em países como a China, mas a diversidade de espécies usadas é baixa, pois a variedade que possuem é muito menor do que a encontrada na Mata Atlântica e na Amazônia, por exemplo”, comparou.

A alta diversidade de espécies encontrada nesses biomas brasileiros permite que a restauração seja muito mais funcional, explicou Joly. “Além das vantagens comuns, como a melhoria da estabilidade do solo e o aumento na retenção de água – e, consequentemente, maior recarga de aquíferos –, um programa de restauração com alta diversidade de espécies permite incluir plantas que podem ser fontes de alimentos ou que são importantes para manutenção de polinizadores, como abelhas”, disse.

Um dos gargalos para implantar grandes projetos de restauração em biomas como a Amazônia é a disponibilidade de mudas, apontam os pesquisadores. Mas esse problema seria dirimido à medida que aumentasse a demanda, ponderam.

“Se realmente existir vontade política de implementar programas de restauração em larga escala, o mercado de produção de mudas imediatamente aqueceria, porque há conhecimento suficiente”, afirmou Joly.

“Hoje é difícil encontrar uma alta diversidade de mudas de espécies nativas para restauração porque a demanda é muito baixa. Mas ao estabelecer um programa de restauração, é possível reativar toda uma cadeia, que vai desde a coleta de sementes, passando pelo plantio até o acompanhamento das mudas no campo”, afirmou.

A restauração, se bem planejada e implementada na paisagem, pode aumentar em mais de 200% a conservação da biodiversidade, indica o sumário.

Na Mata Atlântica, por exemplo, a recuperação do débito de Reserva Legal (de 5 milhões de hectares) pode evitar até 26% de extinção de espécies (2.864 espécies de plantas e animais) e sequestrar 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. A relação custo-efetividade desse cenário é oito vezes maior se comparada a um contexto sem priorização espacial, o que aumenta em 257% a extinção evitada de espécies e em 105% o sequestro de carbono, além de reduzir os custos em 57%.

A condução da regeneração natural em áreas com condições ambientais e socioeconômicas favoráveis no bioma pode reduzir em até 77% o custo de implementação da restauração nos próximos 20 anos.

“Hoje, por meio de ferramentas de modelagem, é possível avaliar o custo-benefício da restauração com diferentes funções, como para ter a maior diversidade possível de espécies de árvores ou maior eficiência em termos de custo da área e da mão de obra empregada”, disse Joly.

“Ao cruzar esses objetivos, os sistemas de modelagem permitem mapear e selecionar áreas com maiores chances de atingir os objetivos de baixo custo, com a maior diversidade de espécies e efetividade de restauração. Com isso é possível aumentar a escala de restauração”, explicou.

Agronegócio ‘moderno’ divulga manifesto pedindo controle do desmatamento

A organização Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne cerca de 200 representantes do agronegócio, entidades de defesa do meio ambiente, do setor financeiro e da academia, divulgou uma carta pública nesta quarta-feira (28), pedindo que governo brasileiro utilize todos os instrumentos necessários para impedir a “escalada do desmatamento e das atividades ilegais na floresta”.

“O agronegócio está sendo prejudicado por quadrilhas que atuam na ilegalidade, manchando a reputação do setor, aumentando a insegurança jurídica e a concorrência desleal para produtores e empresas”, afirmam os empresários e ambientalistas no documento.

Na terça-feira (27), por exemplo, o Centro de Indústrias de Curtume do Brasil anunciou que tinha recebido o comunicado de suspensão de compras de couros brasileiro de alguns dos principais importadores mundiais. O documento enviado ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lista 18 empresas como Timberland, Dickies e Kipling. “Este cancelamento foi justificado em função de notícias relacionando queimadas na região amazônica ao agronegócio do país”, aponta a carta assinada pelo presidente executivo da CICB, José Fernando Bello.

Os representantes do setor produtivo que integram a Coalizão Brasil Clima afirmam que a agenda de preservação do meio ambiente e redução das mudanças climáticas, por meio do Acordo do Paris, é de interesse dos investidores. Eles também afirmam a relação das queimadas deste ano com o aumento do desmatamento.

“A relação entre desmatamento e fogo mostra-se particularmente forte neste ano de 2019. A ocorrência de incêndios em maior número, em um ano de estiagem mais suave, indica que o desmatamento pode ser um fator de impulsionamento às chamas. O combate ao desmatamento ilegal envolve também coibir as invasões a terras indígenas ou áreas protegidas, inclusive para fins de garimpo ilegal”.

“Hoje, mais de 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal. Outros crimes estão associados a este grave cenário, como, por exemplo, o tráfico de drogas e a evasão fiscal. O atual governo deve tomar as medidas necessárias, uma vez que tem a sua disposição o aparato militar e policial e, por isso mesmo, deve ser uma referência no combate à ilegalidade”, destacam.

Dez propostas de líderes da oposição para reduzir a temperatura na Amazônia

Por conta do aumento no desmatamento e no número de focos de incêndio na Amazônia, o Brasil vive duas crises, uma ambiental e outra diplomática. Imagens de queimadas na floresta botaram fogo em jornais e TVs, nas redes sociais e na sociedade civil de todo o mundo. Ameaças de boicote a produtos brasileiros e de saída de investidores acenderam a luz amarela.  Os presidentes brasileiro e francês protagonizaram uma troca pública de farpas que chegou à baixaria. Tornou-se mais fácil saber o que Emmanuel Macron, Donald Trump, Boris Johnson, Angela Merkel, Justin Trudeau disseram, na reunião do G7, sobre o Brasil do que os políticos que fazem oposição a Jair Bolsonaro.

Por isso, o blog conversou com seis das principais lideranças da oposição sobre o que deveria ser feito para garantir que nosso maior patrimônio continue de pé e, ao mesmo tempo, seja usado para o desenvolvimento econômico dos povos da Amazônia – e, de preferência, em harmonia com o mundo.

"Desde a eleição, Bolsonaro ideologizou o debate sobre meio ambiente, incluindo teorias extravagantes sobre o desmatamento, o aquecimento global, territórios indígenas. Isso funciona para 25% do público interno, mas provocou um estrago de imagem no mundo muito difícil de recuperar no curto prazo. A gente vira uma espécie de pária ambiental", afirma Fernando Haddad.  "Vamos tomar uma traulitada sem precedentes, vêm aí violentos boicotes", diz Ciro Gomes. "E nós demos o queixo para bater, com a reação absurda do governo."

Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão, Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará, Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, Randolfe Rodrigues (Rede), senador pelo Amapá, Alessandro Molon (PSB) e Marcelo Freixo (PSOL), deputados federais pelo Rio, tiveram suas análises agrupadas por temas. Importante ressaltar que nem todos concordam com todos os temas. O que é normal, ainda mais em se tratando de uma diversa oposição.

1) Garantir que o governo monitore e fiscalize a Amazônia e puna os infratores

O governo federal se omite diante de suas responsabilidades na Amazônia, reduzindo o suporte à fiscalização e à autuação dos infratores. Com isso, estaria passando um recado de permissividade a madeireiros, grileiros, garimpeiros e pecuaristas.

"A primeira e mais tosca das providências é garantir que exista governo sobre a Amazônia, porque hoje não há", afirma Ciro Gomes. "Ou você coloca as pessoas na cadeia e multa ou não adianta. Falta governo, faltam dispositivos de comando e controle, que são muito precários."

De acordo com o senador Randolfe Rodrigues, "a governança ambiental foi desmantelada. O Ibama [responsável pela fiscalização, controle, licenciamento, monitoramento] e o ICMBio [que cuida da gestão das Unidades de Conservação, como parques nacionais, e a educação ambiental] foram sucateados e servidores, perseguidos".

Para o deputado federal Marcelo Freixo, "é necessário fortalecer imediatamente equipes de fiscalização do Ibama e do ICMBio, que têm sido fragilizadas inclusive nos discursos do presidente". Além das duas instituições, Alessandro Molon também cita o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) como órgãos que devem ser fortalecidos para o combate ao desmatamento ilegal e às queimadas.

2) Interromper a retórica ideológica do governo federal sobre a Amazônia

Os discursos do governo federal, tendo o presidente da República à frente, também estariam passando o recado de que a proteção ao bioma amazônico e seus povos e trabalhadores teriam se flexibilizado com a mudança do grupo político no poder. Isso alcançou não apenas atores diretamente envolvidos com a destruição da floresta, mas também a comunidade internacional e, especialmente, compradores de produtos brasileiros e investidores externos.

"Desde a eleição, Bolsonaro ideologizou o debate sobre meio ambiente, incluindo teorias extravagantes sobre o desmatamento, o aquecimento global, territórios indígenas", afirma Fernando Haddad. "Isso funciona para 25% do público interno, mas provocou um estrago de imagem no mundo muito difícil de recuperar no curto prazo. A gente vira uma espécie de pária ambiental."

"A ideologização de ministérios, principalmente o do Meio Ambiente e o das Relações Exteriores, coloca tudo a perder na economia." O ex-prefeito lembra que as empresas produtoras de couro já estão sentindo os efeitos de restrições comerciais.

"É preciso pressionar. Vamos tomar uma traulitada sem precedentes, vêm aí violentos boicotes", diz Ciro Gomes. "E nós demos o queixo para bater, com a reação absurda do governo."

3) Não ignorar que risco à soberania é a exploração mineral de territórios indígenas

Desde que começou sua troca de farpas com o presidente francês Emmanuel Macron, Bolsonaro tem adotado o discurso de que suas ações visam a defender a soberania brasileira diante dos interesses estrangeiros sobre a Amazônia. Parte dos entrevistados lembrou, contudo, que o próprio governo busca trazer mineradoras estrangeiras para explorar a região numa afronta à soberania.

"Na reunião com os governadores [da Amazônia], o presidente priorizou o ataque ao que ele considera obstáculos ao desenvolvimento da Amazônia: indígenas, quilombolas, Unidades de Conservação. Senti como se visse um Cavalo de Tróia: sob o manto da proteção da soberania nacional, havia uma agenda de terrorismo anti-ambiental", analisa o governador Flávio Dino. "É pressuposto que a soberania nacional é intocável, mas ela não está em debate."

De acordo com ele, a ênfase que o presidente tem dado à defesa da soberania esconde "grandes interesses transnacionais", como os da mineração. Segundo Dino, Bolsonaro, na verdade, "reforça a submissão da soberania à lógica de mercado."

Em julho, o presidente afirmou que quer seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, na embaixada brasileira nos Estados Unidos para conseguir parcerias a fim de explorar minerais em territórios indígenas. Trouxe, com isso, simpatia de parte dos senadores que tem a missão de avaliar seu filho para o cargo. Referindo-se ao caso, Randolfe Rodrigues vai na mesma linha de Flávio Dino e critica o uso da soberania como justificativa.

"Os que defendem mineração em terras indígenas não estão defendendo valor para as comunidades locais, mas para empresas multinacionais. Eles querem ganhar uma boquinha com isso", afirma. "Mineração na Amazônia é esquema para meia dúzia enriquecer, mineradoras estrangeiras e políticos corruptos. Mas quando é para mineradora norte-americana vir aqui, ninguém fala de soberania. Quem quer mineração em território indígena na Amazônia é político corrupto. É hipócrita e lunático o discurso de soberania de ocasião."

4) Combater os incêndios em curso 

"O governo demorou para reconhecer a crise, tentou negá-la no início. Após a proliferação de notícias, tomou uma atitude correta que foi o emprego conjunto das Forças Armadas. No Maranhão, já estão com bombeiros e PMs desde sábado", explica o Flávio Dino.

"No Maranhão, temos um projeto de R$ 33 milhões de prevenção e combate ao incêndio parado no Fundo Amazônia. Precisamos alavancar recursos para ações estratégicas preventivas que criem condições melhores para isso e para o desenvolvimento sustentável. Fundos para serem usados também para monitoramento, fiscalização, compra de equipamentos, regularização fundiária", afirma o governador.

"Estamos propondo uma abertura de crédito de R$ 2,5 bilhões para o combate a incêndios em caráter emergencial, além de anular de forma imediata os cortes de verbas do governo nessa rubrica, porque há a possibilidade de dano irreversível para a Amazônia", afirma Marcelo Freixo, citando estudos que apontam que se 25% da floresta for removida, o processo de savanização da região não poderá ser detido. "E estamos com quase 20%."

5) Aprovar propostas legislativas no curto prazo e instalar a CPI da Amazônia

O líder da oposição, Alessandro Molon, defendeu ao blog um pacote de propostas que foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, nesta quarta (27), pelo Fórum de Defesa da Amazônia. Nele, está o restabelecimento do Fundo Amazônia e do Fundo Clima, do programa de conversão de multas do Ibama em recuperação ambiental e a continuidade dos planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia.

Também propõe a retirada de pauta de projetos que enfraquecem o Código Florestal e o licenciamento ambiental, além das propostas que ajudam a liberar agrotóxicos e que facilitam o acesso de terras indígenas ao agronegócio. E lembra que está finalizando a coleta de assinaturas na Câmara para a instalação da CPI da Amazônia, para investigar o aumento do desmatamento e das queimadas e a demora na reação do governo. Comissão similar está sendo instalada no Senado Federal.

"A crise na Amazônia sensibilizou para a necessidade de encontrarmos uma forma de garantir um desenvolvimento sustentável e que gere empregos enquanto preserva o bioma, em oposição à proposta do governo, que trará mais destruição e perda de riquezas", afirma Molon. "O cuidado com a Amazônia não é um tema da oposição, mas de toda a sociedade brasileira, que entende a importância da preservação do meio ambiente para garantir qualidade de vida hoje e no futuro."

6) Desenvolver seguindo a vocação e as restrições de cada território

Ciro Gomes defende um esforço do governo para garantir que o desenvolvimento seja efetivamente guiado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico, que estabelece quais usos e atividades podem ser implementadas em cada território – de acordo com suas vocações, potencialidades e restrições.

"Precisamos oferecer ao Brasil e ao mundo uma forma de administrar o acervo amazônico. Para isso, é preciso criar um fenômeno econômico atraente", afirma. "Salvo exceções, muitos só sabem tirar madeira, queimar a selva ou passar o correntão. Daí criam gado, a terra cansa, fica improdutiva e seguem abrindo novas fronteiras."

Ele lembra que a floresta vale muito mais em pé sob o ponto de vista econômico do que derrubada. "A biodiversidade entrega novas possibilidades, novas químicas, novos remédios, novos cosméticos, novos manejos florestais. Desde que você defina a atividade que deva ser feita em cada território e imponha regulação, garantindo direitos a territórios indígenas e proteções a Unidades de Conservação." Afirma que a região Norte conta com centros de pesquisas capacitados para isso, como as universidades, o Museu Emílio Goeldi, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

7) Garantir que as comunidades tradicionais participem das decisões sobre obras

Grandes obras de engenharia na Amazônia – das longas estradas da ditadura à usina de Belo Monte nos governos petistas – foram acusadas de desconsiderar a opinião das populações tradicionais que foram diretamente afetadas por elas. E, posteriormente, de trazer impactos irreversíveis.

Marcelo Freixo afirma que não há possibilidade de um projeto dar certo se excluir a participação das comunidades tradicionais afetadas, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, em seus processos de planejamento e execução. E que é necessário que o Estado garanta que sejam ouvidos e tenham suas recomendações levadas em conta. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que o Brasil ratificou, trata do direito à consulta prévia e livre.

Os indígenas Waimiri-Atroari, entre Roraima e o Amazonas reclamaram que não têm sido devidamente ouvidos sobre a construção de uma linha de transmissão de energia sobre seu território. Ironicamente, é a mesma etnia vítima de um violência durante a ditadura durante as obras para a abertura da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista e à Venezuela. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil indígenas, nos anos 70, para 332 indígenas nos 80.

8) Cobrar imposto territorial progressivo e regularizar a bagunça fundiária

"Assim como existe um IPTU progressivo com o tempo na cidade, um ITR [Imposto Territorial Rural] progressivo no campo deveria ser realidade corrente. Se a função social da terra desmatada fosse cumprida, o ITR subiria enquanto a área desmatada não fosse convertida em área produtiva ou reflorestada. Isso ajudaria a anular a propensão a desmatar área novas", afirma Fernando Haddad.

A questão do descumprimento da função social da propriedade causou muito ranger de dentes na capital paulista quando buscou-se a desapropriação de imóveis vazios e que contavam com dívidas milionários de impostos com o município para serem destinados à habitação popular.

Conectado a isso, está o maior problema amazônico: o caos fundiário. Os entrevistados lembraram da profusão de fazendas sem cadastro rural, que dificulta a responsabilização por danos ambientais ou mesmo a verificação de sua conformidade legal. E da grilagem – um negócio bilionário que transforma terras públicas em pastos e lavouras. Determinados municípios contam com tantos títulos falsos de propriedade que, somadas as áreas de todos registros de imóveis rurais, ultrapassam – e muito – as áreas dos próprios municípios.

9) Buscar o equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação

Setores da esquerda e da direita são acusados de abraçar modelos de desenvolvimento mirando ao crescimento econômico sem se preocupar com os danos colaterais ao meio ambiente e às populações a ele vinculadas. A busca pelo equilíbrio da sustentabilidade é o desafio.

"Você não pode inviabilizar atividades econômicas em áreas onde não há restrição, mas não pode também fazer de qualquer jeito", diz Flávio Dino. "Não é possível ignorar a população amazônica, tratando-a com uma perspectiva puramente conservacionista e dogmática. Porém, não se pode fazer isso sem regras por conta da singularidade do território." Para ele, a questão não é ser contra o desenvolvimento e a favor do "atraso", mas quais modelos de desenvolvimento seguir. "Na legislação vigente, há várias formas de gerar renda mantendo a floresta em pé, cobrando por serviços ambientais, por exemplo [benefícios que a população obtém do meio ambiente, como o fato de que a chuva que torna a agricultura de São Paulo viável depende da floresta amazônica]."

"No Amapá, há a Zona Franca Verde, para permitir o beneficiamento de produtos locais, como açaí, cupuaçu, produtos da floresta", afirma Randolfe Rodrigues. "Se Estado contasse com um porto melhor estruturado poderia escoar a produção da Amazônia, devido à sua excelente localização geográfica." Para ele, recursos como esses podem ser melhor aproveitados do que a mineração, que – segundo ele – devasta a floresta no curto prazo, cria problemas climáticos e não agrega valor.

"O Brasil precisa de um projeto nacional de desenvolvimento", avalia Ciro Gomes. "Por exemplo, Manaus tem 8% da produção industrial do Brasil, mas é maquilagem [importa os componentes de produção sem custo], não agrega valor. Dá para aumentar a produção local, substituindo os componentes externos. Isso reduziria a pressão sobre a floresta porque geraria empregos."

10) Trocar o ministro do Meio Ambiente

Ciro Gomes sugere que Bolsonaro deveria fazer um gesto presidencial mostrando que está querendo mudar de rumo e de conduta. Sua sugestão: demitir o ministro do Meio Ambiente. "Isso não resolve tudo, mas é simbólico." Para Randolfe Rodrigues, "o governo tinha que demitir esse cidadão [Ricardo Salles] que não tem condição de ser ministro do Meio Ambiente e compreender que a fiscalização é mecanismo eficaz para coibir os crimes".


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *