20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Marcha! Pára, Jesus!

Publicado em 19/06/2019 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Nos anos 80, não havia ninguém como Peter Popoff. Ele era o maior líder espiritual do movimento que viria a ser conhecido como "renascimento pentecostal" no sudoeste americano. Muito antes de virar modinha, Popoff já fazia cultos televisionados em plena madrugada, sempre com cabelos tipo "graxa de sapateiro", dentes de um branco miraculoso, prometendo intercessão divina para milhares de fiéis em todo país.  

Popoff era famoso por conhecer as aflições dos cristãos que atendia antes que os mesmos contassem suas histórias. "Deus lhe contava", dizia. Também era muito popular por um tipo específico de milagre: "É um prazer compartilhar … o poder de cancelar dívidas! Amém!".

Não preciso dizer que era raro o fiel cuja dívida simplesmente evaporasse. Era mais comum o cidadão ganhar uma herança, um emprego, na loteria. Aí quitava o que devia. Para Popoff, isso bastava como milagre.

Quanto ao cochicho divino sobre os males dos fiéis que recebia no palco, a situação era menos nebulosa. Em 1986, ilusionista e caçador de mitos James Randi foi ao Johnny Carson, o talk show mais importante da época, e desmascarou o pastor. Mostrou audios da comunicação da mulher de Popoff, que entrevistava antes os fieis escolhidos para subir ao palco e vazava as informações para o marido por um ponto eletrônico. A mesma tecnologia que (dizem) Regina Duarte usava para não decorar texto na novela.

Não foi a única vez que a imprensa fez seu papel e entregou as falcatruas de Popoff. Quando foi desmascarado em rede nacional, o pastor Peter Popoff faturava quatro milhões de dólares por ano. Hoje, mais de 30 anos mais tarde, a renda chega a 28 milhões anuais.

Que milagre é esse?

Para entender a prosperidade de Popoff, é preciso entender qual parte do seu discurso atrai tantas pessoas. Existe, claro, a questão teológica. O deus abraâmico é tão presente na nossa cultura que sua existência não pode ser ignorada mesmo pelos ateus mais convictos. Está lá presente nos feriados, nos crucifixos nos tribunais, nas leis que proíbem o aborto e perseguem homossexuais pelo mundo afora.

Mas o deus das proibições e punições do Velho Testamento é duro de vender para os cristãos contemporâneos.  É verdade que o deus católico, o do Novo Testamento, é mais sensível às nossas falhas morais, ainda que carregue nas tintas da expiação dos pecados em troca de uma vidinha melhor depois da morte.

Popoff e seus colegas entenderam uma demanda do mercado. Era preciso um Deus que resolvesse problemas materiais ao invés de condenar o materialismo. Dando uma vitaminada na teologia da prosperidade de Essek Willian Kenyon, Popoff criou a teologia da ostentação, em que os desejos de consumo dos fieis são prontamente atendidos por Jesus, mas apenas para os dizimistas mais generosos.

Parte dos críticos dessa linhagem do cristianismo tendem a julgar os pastores como exploradores da fé alheia. Eu não compartilho desta leitura. Estes fieis não estão sendo enganados, mas usufruindo de um serviço. Buscam uma comunhão espiritual com aqueles que têm as mesmas demandas. Gente que quer consumir, quer ostentar uma narrativa de sucesso pessoal e profissional. Pra essas pessoas, de nada adianta o consolo post mortem. A necessidade está aqui, agora. O problema é essa vida minguada, pálida quando comparada às celebridades nos sites de fofoca. O inferno é essa falta de glamour.

Para esses fiéis, não faz diferença se o único que enriquece é o pastor e se sessão de descarrego é um tipo de "teatro comunitário". O que importa é que esse líder religioso o autoriza a ser quem ele é e deseja ser. O que importa é a permissão espiritual e comunitária para cobiçar o consumo. James Randi se achou genial ao provar que milagre era truque. Como se alguém desse a mínima para a sua "refutação científica". Ciência, companheiro Randi, é o diabo-nutela.

É por isso que indivíduos com limitadas capacidades intelectuais (como Bolsonaro) ou morais (como Peter Popoff) encontram acolhida nesta nova forma de cristianismo com pouquíssima ênfase em "Cristo". Este é um público que busca amparo não na "verdade que os libertará", mas na confirmação que os confortará. Não querem a certeza dos fatos, mas a corroboração dos sonhos. Não querem estar certos, querem acreditar.

P.S.: Talvez fosse importante terminar com um parágrafo sobre "salvo raras exceções", "nem todos", "tem uma honrada minoria que não é assim", etc. Você sabe: um salvaguardo para os que sentir-se-ão generalizados e injustiçados: "Minha igreja não é assim, não!" Com todo respeito à sua fé, não vou, não. Peço que ore, amigo leitor, para que Jesus ilumine os caminhos do seu pastor, para ele parar de dividir palco com bispos presos por evasão de divisas, pegos em flagrante transportando dólares dentro da bíblia. Isso para citar apenas dois em um palco tomado de figuras de trajetória – digamos – complexa. Aproveita e pergunta pro seu apóstolo o que nos trazem as Escrituras em Efésios 5:11.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *