20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Ministério da Saúde: violência obstétrica existe sem existir

Publicado em 13/06/2019 12:00 -

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À primeira vista, parecia que o Ministério da Saúde tinha voltado atrás e reconhecido a legitimidade do termo “violência obstétrica” [para quem não lembra, em maio a pasta publicou um despacho o abolindo das suas normas e políticas públicas]. Mas não era bem assim. Em ofício, o MS “reconhece o direito legítimo das mulheres em usar o termo que melhor represente suas experiências vivenciadas em situações de atenção ao parto e nascimento que configurem maus tratos (…)”.

Embora ao menos não vete termo nenhum, o documento não menciona “violência obstétrica”. De propósito: o secretário de atenção primária da pasta, Erno Harzheim, disse à Folha que o Ministério mantém sua decisão de não usar essa expressão. Na prática, não mudou nada, já que nas normas e políticas ela vai seguir ausente… E na fala das mulheres o Ministério não manda. 

“Seguiremos usando o termo da Organização Mundial de Saúde: ‘Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde’”, completou.

O debate em torno do tema começou em maio, após a pasta divulgar um despacho em que orientava abolir o uso da expressão "violência obstétrica" de normas e políticas públicas por considerá-la inadequada.

Nos últimos anos, essa expressão tem sido utilizada para definir casos de violência física ou psicológica praticados contra gestantes na hora do parto —problema que já foi abordado no passado em campanhas divulgadas pelo próprio Ministério.

A justificativa para deixar de usá-la, segundo a pasta, estaria na definição do termo violência pela Organização Mundial de Saúde, que “associa claramente a intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido.”

“Percebe-se, desta forma, a impropriedade da expressão 'violência obstétrica' no atendimento à mulher, pois acredita-se que tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”, informava o despacho.

A mudança de postura gerou reação entre entidades em defesa das mulheres, para quem evitar o termo é negar a existência do problema. Também levou o MPF-SP a emitir uma recomendação para que a pasta “passasse a atuar para coibir casos de violência obstétrica em vez de proibir o uso do termo”.

Recomendação semelhante foi adotada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos na última semana, para quem o veto ao termo violência obstétrica pode dificultar a apuração desses casos. Em contrapartida, algumas entidades médicas saíram em defesa do ministério, dizendo que a adoção de outro termo seria apenas para deixar de vinculá-los à atuação dos obstetras.

‘Falsa polêmica'

Para o secretário de atenção primária em saúde, Erno Harzheim, porém, há uma “falsa polêmica” em torno do tema –daí, segundo ele, ter escrito em ofício ao MPF que o ministério “reconhece o direito legítimo das mulheres em usar o termo que melhor represente suas experiências vivenciadas em situações de atenção ao parto e nascimento que configurem maus tratos, desrespeito, abusos e uso de práticas não baseadas em evidências científicas”.

“O ministério não é censor. Ele decide o que ele escreve”, disse. “Em nenhum momento dissemos que as pessoas não podiam usar alguma expressão. Vivemos em um regime democrático. O Ministério da Saúde define os termos que o próprio ministério usa, nunca o que as pessoas usam. As pessoas perdem muito tempo e oportunidade de mudar a realidade discutindo semântica e discurso. O que importa é a atenção ao parto."

Questionado, porém, ele defende a decisão da pasta em não usar o termo. “A política não mudou, e continua em busca de um parto humanizado e baseada nas melhores evidências científicas. A maneira de se referir a ela é que mudou”, diz. “É um termo inadequado por vários motivos, como associar a uma intencionalidade de violência”, afirma ele. "Se houver essa intencionalidade na rede de saúde, estamos falando de um crime."

Não à toa, a expressão “violência obstétrica” não aparece em nenhum momento na resposta ao MPF –o qual é focado em citar ações realizadas pela pasta nos últimos anos na área de assistência ao parto.

“Dessa forma, o Ministério da Saúde reitera que a expressão utilizada nos documento e ações oficiais é a definida pela OMS em 2014, “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”, no qual declara que essas situações nas instituições de saúde afetam os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaçam o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não discriminação”, finaliza o ofício enviado à Procuradoria.


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