19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Atlas da Violência defende desarmamento, mas chefe do Ipea discorda

Publicado em 06/06/2019 12:00 -

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Atlas da Violência 2019, divulgado nesta semana pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com dados de 2017, mostra o maior número de homicídios da década: 65.602, sendo 72% por armas de fogo. Mais da metade (35.783) dos mortos eram jovens com entre 15 e 29 anos, e 75% eram negros. E, se a taxa de mortes está crescendo ano a ano, isso não acontece por igual: entre 2007 e 2017, o assassinato de negros cresceu 33%, enquanto a de não negros subiu 3,3%.  

Há outras desigualdades. Embora a taxa nacional de homicídios esteja subindo, há uma tendência de redução em vários estados: ela aconteceu em 15 deles. Porém, os 12 onde houve aumento, ele foi muito intenso, puxando os números nacionais para cima. O estado com o maior número de homicídios foi Roraima, seguido pelo Rio Grande do Norte, Acre, Ceará e Goiás. Em último lugar na lista está São Paulo. O Rio, um astro dos programas televisivos sobre violência, está na metade inferior, em 19º lugar. 

Como nos anos anteriores, a maior parte dos mortos são homens, mas o número de mulheres assassinadas também atingiu recorde: foram 4.939 (das quais 66% eram negras). Embora o aumento geral não tenha sido grande (1,7% em relação ao ano anterior), o número de mulheres que foram mortas dentro de casa cresceu alarmantes 17%, enquanto, do lado de fora, caíram 3,3%. Em casa, um quarto dos assassinatos foram por armas de fogo. Para a socióloga Wânia Pasinato, especialista em violência de gênero contra as mulheres, o resultado não surpreende, pois desde 2014 “assistimos à redução dos orçamentos para políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e ao desmantelamento dos equipamentos públicos de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica”. 

Pela primeira vez, o Atlas traz um balanço sobre a população LGBT. Foram 193 homicídios denunciados em 2017, contra 85 em 2016. Como os registros não informam orientação sexual, esse dado é baseado nas denúncias. Houve ainda 5.930 casos de violência contra homo ou bissexuais, e em 60% foram mulheres sofrendo agressão de homens. 

Daqui pra frente

Não dá para prever o futuro, mas dá para olhar o passado com sensatez. Segundo o Altas, o número de homicídios crescia 5,44% ao ano nos 14 anos anteriores ao Estatuto do Desarmamento. Nos 14 anos posteriores, caiu para 0,85%. Os primeiros resultados da flexibilização do porte e da posse de armas, que parecem bem óbvios, vão ser mensurados no Atlas de 2021. 

Mas o presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, parece ser da turma que acredita mais em convicções do que em provas: “Discordo de maneira enfática do que o estudo apresenta em relação ao efeito das armas de fogo sobre a criminalidade em geral. Há uma defesa do Estatuto do Desarmamento, porém, na minha posição pessoal, por uma questão de princípio, me incomoda a impossibilidade de o cidadão ter uma arma para a defesa da sua integridade física, de sua família e do seu patrimônio”, disse, durante o lançamento do Altas. 

Método Científico x Achismo

O presidente do Ipea foi indicado ao cargo por Paulo Guedes. O ministro da Economia, por sua vez, limitou a verba para o Censo do ano que vem e, criticando o tamanho do questionário a ser aplicado pelo IBGE para determinar que país é esse, pediu o corte no número de perguntas, afirmando que muitas delas são desnecessárias.

Já Guedes foi conduzido à posição em que está por Jair Bolsonaro, que não acredita na metodologia do cálculo de desemprego do IBGE. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua segue padrões internacionais, mas o presidente sente que o número é subdimensionado. Desdenhando de ferramentas baseadas em métodos científicos, prefere acreditar em seu feeling.

Outro que descarta dados científicos e deduz que o país vive uma epidemia de violência causada pelas drogas por ter visto as ruas de Copacabana vazias é o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Sua pasta engavetou um levantamento nacional sobre o uso de psicoativos que foi realizado, durante três anos, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – uma dos mais importantes centros de pesquisa do mundo, que entrevistou 16 mil pessoas e usou 500 pesquisadores. O governo não quis divulgar o resultado, apesar de ter sido o Estado brasileiro a selecionar a instituição. "Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz", disse o ministro ao jornal O Globo.

O fato do governo federal desdenhar das ferramentas científicas ajuda a explicar a falta de cuidado que a atual administração tem com o financiamento da pesquisa e da produção de conhecimento no país. E porque é tão fácil bloquear novas bolsas de mestrado e doutorado por aqui.

O problema de contestar bons termômetros científicos e adotar crenças pessoais como referência é que perdemos um tempo precioso – que poderia estar sendo usado para apoiar e construir soluções para a violência, o desemprego ou o uso abusivo de drogas.

Se a sociedade seguir o caminho equivocado que está sendo trilhado pelo governo, em algum momento irá se refugiar em igrejas e templos quando, em um eclipse, o sol ou a lua forem devorados. Ou, pior: vai uivar para o céu, em desespero.


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