28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Uma Hipotética Tragédia de Erros

Publicado em 05/06/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Vamos trabalhar no campo das hipóteses. Digamos que uma modelo, buscando aquele ultimo empurrão para passar de influenciadora digital a celebridade, comece a jogar um charme para cima de um astro do futebol famoso por sua, digamos, impulsividade. Na melhor das hipóteses, encontraria o amor da sua vida. Na pior, alguma exposição positiva. Ou seja, uma exposição qualquer, em seu ramo de trabalho.

Neste mesmo cenário hipotetissíssimo, este astro futebolístico não lê muito mas, se lesse, concordaria com a máxima de Oscar Wilde, que disse uma vez que "tudo no mundo está relacionado a sexo, exceto o próprio sexo, que é uma representação de poder". O jogador, que não é garoto, posto que já passou dos 20 anos, mas que é moleque pois mantém a intemperança da pré-adolescência, se excitaria com a possibilidade de usar poder econômico para reafirmar sua masculinidade.

Começa um "sexting", paga a passagem Brasil-França da moça como quem pede um lanche no iFood e a traz para sua suíte num hotel de luxo para "selar o negócio".

Algo dá errado quando as portas se fecham.

O astro alega que a moça estava mal-intencionada. Pouco tempo depois, tentaria extorquí-lo em busca de dinheiro. Já a modelo diz que sim, estava interessada em se relacionar sexualmente, mas desistiu quando notou que o astro não tinha preservativo no quarto. Ele, indignado pela quebra de contrato depois de tanto investimento, e impossibilitado pela aparente escassez de preservativos em Paris, ignorou o repentino "não" e forçou a barra, desrespeitando a vontade dela.

Note que ambas as alegações não, em si, improváveis. Pelo contrário. Não faltam moçoilas que sonham com affairs com homens ricos e poderosos. Essa evolução capitalista do príncipe encantado virou até gênero de ficção literária. Pouco importa se é pra casar ou só pra fazer uma sacanagenzinha leve. A mulher forte e independente pode perfeitamente ter fetiche por cara rico, ué!

A diferença é que a versão dele mostra um adulto chiliquento. A dela, uma vítima de violência. E, se sofreu violência, é crime. A modelo deu queixa na polícia. Hipoteticamente, claro.

Para quem vive de aparência, estar do lado errado da opinião pública na era do #metoo é lance perigoso. Mesmo que não fosse (e dificilmente seria, para ser honesto e hipotético) condenado, o astro precisava lidar com o problema de RP, não do BO.

Então, esse jogador hipotético fez o que sempre faz quando o jogo fica pesado: jogou-se no chão, rolou, fez caras e bocas, reclamou de falta. Postou nas redes sociais todos os sextings, todos os nudes, tudo que fez parte da negociação pré-coito. Mesmo que isso significasse cometer um crime, pelo menos limparia sua barra com a opinião pública, já que ficaria provado que a mulher "estava querendo". E, se "tava querendo", não podia "parar de estar querendo" quando o hipotético jogador apresentou seu "atacante desprotegido na grande área". Logo, só pode estar mentindo, a safada. Mulher nenhuma pára o coito por falta de preservativo.

Notem a moral desta história hipotética maluca é essa: este atleta prefere cometer um (outro?) crime a perder o apoio de sua torcida. O que isso diz a respeito desse atleta? E o que isso diz a respeito dessa torcida?

Hipoteticamente, gostaria que o jogador hipotético fosse condenado pela violência sexual, pela agressão ao torcedor, pela evasão de divisas, pela sonegação de impostos e por todos os crimes que este Justin Bieber dos gramados insistisse em cometer. Hipoteticamente, a torcida e o público em geral acabariam por esquecer suas fintas e pitis, assim como os cinéfilos se esqueceram dos filmes de Harvey Weinstein que venceram do Oscar. Assim como o Flamengo foi buscar um novo goleiro.

Poderíamos buscar novos ídolos entre aqueles ofuscados por tantos barracos midiáticos. Há, literalmente, uma seleção de craques brazucas disputando uma copa do mundo nesse exato momento. E, até onde se sabe, ninguém nesse escrete canarinho é acusada de agressão. Merecem a torcida e o apoio da parte não-tóxica da torcida, para não dizer de toda.

E, quem sabe, sendo responsabilizado por seus atos, o hipotético moleque se transformaria num eventual homem e voltaria aos braços do povo regenerado, mais humilde, mais merecedor de tanta idolatria. A galera também curte uma história de redenção. Só não pode ser uma história para boi dormir.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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