20/04/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Para ‘acalmar’ Moro, Bolsonaro revela compromisso de indicá-lo ao STF

Publicado em 15/05/2019 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Bolsonaro revelou que firmou compromisso com Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, de indicá-lo para a próxima vaga que abrir no Supremo Tribunal Federal. Pelo calendário das aposentadorias compulsórias dos ministros, isso deve ocorrer em novembro de 2020.

"Eu fiz um compromisso com ele, ele abriu mão de 22 anos de magistratura. A primeira vaga que tiver lá, estará à disposição", disse Bolsonaro em entrevista à rádio Bandeirantes. "A primeira vaga que tiver eu tenho esse compromisso e se Deus quiser nós cumpriremos esse compromisso. O Brasil inteiro vai aplaudir."

A declaração de Bolsonaro é dada em um momento em que percebe sinais de que Moro está cansado com a falta de apoio e o fogo amigo do governo.

O ex-juiz federal, que se notabilizou pela operação Lava Jato e por condenar Lula, o principal adversário eleitoral de Bolsonaro, havia aceitado o cargo no atual governo sob a promessa de que teria liberdade para trabalhar. Seja por ingenuidade, seja por arrogância, acreditou na "carta branca" que lhe seria entregue por Jair. Na dureza da vida real, Moro não consegue indicar uma suplente de conselho sem ser desautorizado pelos seguidores digitais do chefe e pelo próprio.

A última engolida de sapo foi o decreto que facilita o porte de armas, permite que cidadãos comuns estoquem grandes quantidades de munição e torna a vida de milícias rurais e urbanas um paraíso. O Ministério da Justiça teve menos de um dia para responder a uma consulta antes do presidente publicar o texto e, agora, arca com o ônus de uma medida que vem sendo alvo de críticas da sociedade civil, políticos, imprensa e parte das polícias e das Forças Armadas.

Ao mesmo tempo, sua popularidade cai junto com a do presidente. De acordo com a última pesquisa XP Ipespe, de janeiro até o início de maio, a nota dada pela população a Jair Bolsonaro caiu de 6,7 para 5,7. E para Moro, de 7,3 para 6,5. Seja contaminado pelo governo, seja por seus próprios erros, propostas polêmicas e falta de resultados, ele está perdendo popularidade. A reprovação do governo subiu de 20% para 31% e a aprovação caiu de 40% para 34%.

Moro lembrou, recentemente, que sua presença no governo tinha prazo de validade. Em entrevista ao jornal português Expresso, publicada no dia 23 de abril, ele afirmou que ser indicado para o STF "seria como ganhar na loteria".

Ou investir na poupança. Pois, uma vez no STF, ele pode retomar a fantasia de "combatente da corrupção", sem os ônus da negociação diária que significa governar e longe das trapalhadas do governo Bolsonaro. Preservando-se, pode se cacifar para uma disputa à Presidência da República em 2022 ou 2026. Ou mais para frente, afinal, ele tem apenas 46 anos de idade. E se não houver clima político para tanto, pode influenciar vários governos a partir do Supremo – o que é um excelente prêmio.

Sua peregrinação entre os deputados federais, na semana que passou, para tentar manter o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) – e, portanto, o poder de investigação sobre operações em todo o país sob suas ordens – culminou com uma humilhante derrota na comissão que analisa a reorganização administrativa promovida pelo governo. Bolsonaro não se mexeu para ajudar seu ministro.

Ao adiantar o nome de Moro, o presidente pode acalmar o ex-juiz, mas entregou ao Senado Federal – que sabatina e ratifica os nomes de indicados ao STF – uma vantagem de um ano e meio para costurar a aprovação ou reprovação de seu nome. Os parlamentares podem precificar essa indicação do Moro. O "acalmar" pode ser lido, portanto, como "sacanear". Claro que haverá pressão de procuradores e magistrados que fazem parte da operação Lava Jato para ajudar no "convencimento" de parlamentares. Mas nunca se sabe. O Senado Federal é uma casa com mandatos de oito, não de quatro anos.

Com o convite a Moro, Bolsonaro queria, além de reforçar o apoio de um naco da sociedade, criar um anteparo para que denúncias de corrupção envolvendo seu governo não colassem tão facilmente. Ou seja, usá-lo para "lavagem de marca". Desde então, conseguiu até que Moro flexibilizasse a opinião sobre a gravidade do crime de "caixa 2", indo contra o que havia dito antes, ao aceitar o perdão do outrora deputado federal e agora ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, diante de "sincero" arrependimento.

Depois do arranca-rabo público com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, sobre o trâmite de seu pacote legislativo contra a corrupção e o crime organizado, Sérgio Moro mostrou que ainda engatinha para entender como funciona a política. Mas a sua entrada no Twitter – com a já antológica publicação em que postou uma foto com uma folhinha de calendário para provar a data – mostra que está disposto a aprender. Para quê? Essa é a grande pergunta a ser respondida no ano que vem ou nas próximas duas eleições presidenciais.

Até agora, Bolsonaro é refém de sua própria incapacidade gerencial (que coloca pessoas desqualificadas em cargos importantes por sugestão de astrólogos, incentiva brigas de rua nas redes sociais e é incapaz de entender o que é o presidencialismo de coalizão), mas também dos esqueletos que sua família abriga no armário (das denúncias contra o senador Flávio Bolsonaro ao apoio dado a milícias) e de sua crença que foi ungido para a missão de levar o país de volta ao passado. Ou seja, refém de si mesmo.

Ele não pode demitir o ministro da Economia, Paulo Guedes, nem Sérgio Moro, devido ao tamanho de ambos, que representam setores que têm mais poder que o próprio Bolsonaro. Mas pode tornar a vida deles um inferno. Até porque é parte de sua estratégia remover o chão de qualquer pessoa que lhe faça sombra.

Ao trazer para a pauta algo que era pressuposto apenas das entrelinhas, Bolsonaro quer também tornar refém quem o observa do prédio vizinho ao Palácio do Planalto, o Ministério da Justiça.

Em tempo: Como Moro tornou-se parte da equipe de Bolsonaro, seria o caso de perguntar ao presidente e ao ministro quando essa promessa aconteceu e em que circunstâncias. Até para garantir que isso não pareça troca de favores em nome de apoio político – aquilo que ambos, repetidamente, prometeram combater.

Leonardo Sakamoto – É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *