26/04/2024 - Edição 540

Mundo

Saída para a Venezuela tem que ser política

Publicado em 03/05/2019 12:00 -

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Os acontecimentos dos últimos dias na Venezuela permitem muitas interpretações diferentes – a situação ainda é muito confusa. Mas uma coisa pode ser dita com grande certeza: o cabo de força em Caracas ocorre às custas da população, que vê ficar cada vez mais distante uma solução para o impasse entre Juan Guaidó e Nicolás Maduro e sofre cada vez mais de exaustão política.

As consequências das sanções ao petróleo e da escassez continuada do abastecimento aumentarão ainda mais a migração para os países vizinhos. A frustração crescente atinge de forma especial Juan Guaidó, cuja estratégia na luta pelo poder se baseia na capacidade de mobilização de seus seguidores. A falsa afirmação da manhã de terça-feira de que partes relevantes dos militares passaram para seu campo prejudicou a ele e a seu projeto. A libertação de Leopoldo López de sua prisão domiciliar também não levou as pessoas massivamente às ruas. O desejado efeito de nocaute não ocorreu. E se espalham desilusão e fadiga após meses de manifestações em massa, combinadas com medos de ações violentas dos órgãos de segurança do regime.

As tentativas de Washington de provocar pelo discurso uma queda de Maduro estão cada vez mais desvalorizando o apoio de países estrangeiros, considerado tão importante pelos seguidores de Guaidó. Não está parecendo que uma abrupta mudança de regime se aproxima. A estratégia de Guaidó parece não estar funcionando. Mas também Maduro está enfraquecido: a cada evento, ele é obrigado a se assegurar novamente do apoio contínuo da liderança militar.

A esfera militar é o único jogador a emergir fortalecido do confronto: conseguiu se manter até agora, em grande parte, como um ator bastante autônomo, as dissidências de forças individuais não provaram ser relevantes. Mas com isso, uma dinâmica perigosa é posta em movimento: as duas partes opostas na luta de poder pelo governo estão competindo pela liderança do Exército, e perdem cada vez mais o controle da situação – que pende cada vez mais para os generais.

Isso apenas tende a complicar a perspectiva de uma solução política para o conflito, que é indispensável para a dissolução do impasse entre Guaidó e Maduro. Os militares vão ganhando o duvidoso papel de fiadores de um possível cenário de reforma na Venezuela. Por exemplo, Guaidó e López poderiam atuar como "líderes duais" no futuro. Tal plano, segundo o qual Guaidó continuaria na linha de confronto e López faria as vezes de negociador inteligente, poderia trazer movimento aos fronts emperrados.

O confronto infrutífero em Caracas, que polariza e esgota cada vez mais a população, só pode terminar politicamente. Mas ambos os oponentes continuam a jogar pela vitória e impõem condições. A tarefa da comunidade internacional agora é tornar claro a ambos os protagonistas a falta de perspectiva para solução do impasse, para permitir a virada para o diálogo. Um confronto a qualquer preço só ocorre à custa do povo, a espera pelo cansaço dos protagonistas e o esgotamento do povo não fazem a situação avançar. A Alemanha, a Europa e os países da América Latina devem agora abandonar seu papel de espectadores e não devem se esquivar da responsabilidade pela situação do povo na Venezuela. É hora de uma iniciativa no nível dos ministros do Exterior para acabar com o confronto inútil em Caracas.

Juan Guaidó

A entrevista da repórter Sylvia Colombo com Juan Guaidó é esclarecedora e alarmante. Esclarece porque expõe o beco sem saída em que se encontra o entrevistado. Alarma porque, sendo Guaidó a única porta visível para uma saída negociada da ditadura, seu desnorteio mantém sobre a mesa as opções sanguinárias: da guerra civil à intervenção militar externa.

Guaidó reconhece o óbvio: "Há um elemento fundamental nesses processos de sair de uma ditadura para a democracia que é a adesão das Forças Armadas." Ficou entendido que blefou ao dizer na terça-feira que obtivera apoio expressivo dos militares. "Há insatisfação nas Forças Armadas? Sim, é óbvio. É o suficiente? Não."

A falta de rumo fica evidente em comentários como esse: "A ideia é ir somando cada vez mais gente a esse processo, nem que tome tempo." Ou esse: "Sim, um cidadão pode se cansar por um tempo, mas seu descontentamento com a situação seguirá, e ele voltará às ruas… Pode haver altos e baixos nas mobilizações, mas seguiremos sendo maioria."

Guaidó sustenta: "Pela Constituição, eu sou o presidente encarregado da Venezuela." É reconhecido por meia centena de países. Mas o fato é que não conseguiu se encarregar de uma mísera repartição pública.

Sobre o recrudescimento da repressão, Guaidó declara: "Esse tipo de atuação repressiva é a única coisa que o regime tem hoje. Eles tentam demonstrar um controle que não têm. Por isso reprimem…" Ora, Maduro só reprime porque comprou o apoio que interesse a um ditador —o apoio da força armada.

A conjuntura venezuelana migra perigosamente da fervura das manifestações pacíficas para o banho-maria de uma repressão ainda mais sanguinolenta. Confirmando-se o pior cenário, Guaidó pode virar um asterisco. Não é sem motivo que Maduro deixa solto o autoproclamado presidente enquanto se equipa para devolver à cadeia o mentor de Guaidó: Leopoldo López, refugiado na embaixada da Espanha em Caracas.

Mandachuva do partido Vontade Popular, Lópes é mais incisivo e carismático do que seu pupilo. No momento, o melhor que poderia acontecer para Maduro seria uma disputa entre criador e criatura pela liderança de uma oposição já bem fragmentada.


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