29/03/2024 - Edição 540

Especial

Menos violência

Publicado em 15/04/2019 12:00 -

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Uma pesquisa divulgada no último dia 11 pelo Datafolha revelou que uma parte significativa das propostas que integram o pacote anticrime, elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, não são bem vistas pela população.

Segundo o levantamento, 64% dos brasileiros afirmam que a posse de armas deve ser proibida, enquanto 72% dizem que a sociedade não fica mais segura com pessoas armadas.

Sobre a polícia, 51% dos entrevistados disseram ter mais medo do que confiança na instituição, enquanto 47% afirmaram ter mais confiança do que medo.

A proposta de flexibilizar a liberdade para os policiais abrirem fogo contra suspeitos apresentou grande rejeição. Dos entrevistados, 81% disseram que a rejeitam porque inocentes poderão sair feridos; 82% disseram acreditar que quem atira em alguém por se sentir muito nervoso deve ser punido; e 79% opinaram que os policiais que atirarem devem ser investigados.

Uma das primeiras medidas do governo do presidente Jair Bolsonaro foi viabilizar, através de decreto, a facilitação do porte de armas, além da "retaguarda jurídica" para o combate à criminalidade.

O pacote anticrime prevê que policiais que abrirem fogo em decorrência de "medo, surpresa ou violenta emoção" poderão ter suas penas reduzidas pela metade ou até mesmo não serem penalizados. Somente 16% dos entrevistados pelo Datafolha concordam com esse argumento.

Sobre a posse de armas, 64% acreditam que deve ser proibida por representar uma ameaça à vida de terceiros, enquanto 34% defendem que possuir uma arma é um direito do cidadão. A rejeição á posse é particularmente alta entre as mulheres (74%), jovens de idade entre 16 e 24 anos (69%) e pessoas com renda de até 2 salários mínimos.

Já os que defendem a posse de armas em razão do direito se defender são na maioria homens (47%), pessoas de cor branca (44%), com nível superior (40%) e com renda maior que 10 salários mínimos (81%).

Um sinal claro da rejeição dessas medidas do pacote anticrime foi a constatação de que 72% dos brasileiros não concordam com a afirmação: "a sociedade brasileira seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência". Apenas 26% concordaram com a frase.

Outro indício da falta de apoio é que 81% dos entrevistados acham que a polícia não deveria ter liberdade para atirar em suspeitos sob o risco de atingir pessoas inocentes, enquanto apenas 17% defendem que sim.

Segundo lembra o Datafolha, os dados contrariam opiniões defendidas por políticos como os governadores de São Paulo, João Dória, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, além do próprio Bolsonaro.

De acordo com a pesquisa, a porcentagem dos que defendem o extermínio de criminosos como política de segurança é de 29%.

Casos como os 80 tiros disparados por soldados do Exército contra um veículo no Rio de Janeiro, resultando na morte de um músico, aumentam a oscilação entre a confiança e o medo na relação da população com as autoridades.

O Datafolha entrevistou 2.086 pessoas maiores de 16 anos em 130 municípios durante os dias 2 e 3 de abril. A margem de erro é de 2% para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95% do levantamento.

Essas mães repudiam o pacote anticrime de Moro

Marcia, Glaucia, Janaína e Laura têm uma luta em comum: provar que os filhos foram mortos ilegalmente em ações policiais. Casos vão de execução por causa de um pacote de pipoca a tiro no rosto dentro do camburão.

Moradoras de comunidades no Rio de Janeiro, Marcia Jacintho, Glaucia Santos, Janaína Alves e Laura Azevedo são incansáveis, apesar da dor constante. São mães que se tornaram a voz de seus filhos, executados por policiais em ações nas favelas.

Em comum, elas batalham para contradizer as versões oficiais de boletins de ocorrência que relatam troca de tiros com traficantes, porte de drogas e de armas, em casos caracterizados como auto de resistência – quando os policiais justificam a execução "em legítima defesa". Essas mulheres se unem em redes de mães que perderam seus filhos para provar que os adolescentes foram assassinados injustamente.

Com câncer terminal no pulmão e metástase nos ossos, cabeça e fígado, Laura Azevedo foi ouvida por um juiz numa audiência antecipada em fevereiro, apesar de a fase de investigação ainda não ter sido concluída. O Ministério Público, que apresentou o pedido, justificou que a doença poderia impossibilitá-la de dar um depoimento no futuro. O filho Lucas, baleado no ombro por um policial em Costa Barros, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2018, foi morto no caminho para o hospital com um tiro na face dentro da viatura policial.

O pacote anticrime elaborado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, gera preocupação e indignação entre as mães que levam anos para conseguir levar os culpados a julgamento e provar que os filhos foram executados ilegalmente por agentes do Estado. "Não podemos parar, porque agora a tendência é piorar", diz a cabeleireira Glaucia Santos. Ela teve o filho morto com um tiro de fuzil na testa por policiais quando ele deixava de moto um posto de gasolina. As câmeras de segurança do local mostram que ele não estava armado e não atacou os agentes.

O projeto que deve ser avaliado pelo Congresso amplia as hipóteses em que um crime cometido por um policial pode ser considerado legítima defesa. O texto prevê a redução da pena até a metade ou até não condenação se o ato que configura a legítima defesa "decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

Moro, que recentemente abriu uma conta no Twitter para defender seu projeto, alega que a medida "não dá licença para matar” e nega que essa seja uma autorização para o "abate". "Não concordo com essas medidas, porque elas já existem todos os dias nos becos e vielas das nossas comunidades", afirma Janaina Alves. O policial que matou o filho dela alegou que confundiu pacotes de pipoca que o adolescente foi buscar na casa do tio com drogas.

Em depoimentos em primeira pessoa, essas quatro mães contam como perderam seus filhos e expressam suas opiniões sobre o pacote anticrime:

Mãe: Laura Ramos de Azevedo
Filho: Lucas Azevedo Albino, 18 anos
Executado em: 30 de dezembro de 2018

A minha família tinha combinado de passar o dia na praia em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio de Janeiro. Eu levantei às cinco da manhã e comecei a fazer os lanches. Acordei o meu filho às seis horas para ele ligar para a namorada e irmos buscá-la. Como ela não atendia, ele decidiu ir até a casa dela, que fica a duas ruas da minha casa e em frente ao posto de gasolina onde aconteceu a ação da polícia [próximo ao acesso ao Complexo da Pedreira, em Costa Barros, na zona norte do Rio de Janeiro].

Ele desceu e eu continuei arrumando a minha sobrinha. O meu filho saiu de casa às 6h49 – eu sei, porque é a hora em que eu estava falando com a minha irmã no telefone. Quando foi sete horas eu escutei uma rajada de tiros. Eu falei: "Ai, meu Deus, apreende isso". Mas nem imaginava que era em cima do meu filho. Eu já estava trancando a porta e minha nora me ligou. Ela disse: "Desce, porque aconteceu alguma coisa com o Lucas".

Eu fui correndo da minha casa até o posto e quando cheguei o camburão já tinha saído. As pessoas que presenciaram a cena me disseram para eu ficar calma, porque o meu filho ainda estava andando quando foi colocado na viatura. Eles disseram que o Lucas falava: "Moço, eu não sou bandido. Chama a minha mãe, eu estou indo para a praia com ela”.

Ele levou um tiro na altura do ombro, e os policiais pediram para avisar a família que eles estavam socorrendo e iriam levá-lo para o Hospital Carlos Chagas. Uma testemunha até fez uma foto do meu filho de pé entrando na viatura.

Eu fui direto ao hospital e, quando cheguei, fui informada que nenhum baleado tinha dado entrada na emergência. Depois de 15 minutos, veio um policial de plantão. Ele falou que o único baleado estava entrando pelos fundos, porque já chegou em óbito. Quando eu fui reconhecer o meu filho no IML, eu pensava que ele tinha morrido com um tiro no ombro. Mas não. O meu filho foi executado com um tiro na cabeça que estourou toda a face. Estourou de tal forma que para reconhecer o meu filho foi pelos pés e pelos braços, porque não tinha face. Ele foi morto na viatura no caminho para o hospital em algum lugar parado.

Depois que eu o enterrei, eu comecei a correr atrás. Eu tive acesso ao boletim de ocorrência. Os policiais alegaram um auto de resistência dizendo que o Lucas estava com drogas e tinha atirado contra os policiais, mas o exame de balística provou que ele não deu tiro, pois não havia pólvora nas mãos. [No boletim de ocorrência, os policiais relatam que Lucas tinha uma granada, 470 unidades de pó branco, 230 pedras de crack e um rádio comunicador.]

Dizem que ele atirou, mas não apresentaram a arma, também não apresentaram as drogas. Ainda registraram que meu filho chegou com vida ao hospital, mas a documentação do hospital mostra que ele já entrou cadáver. Então, são coisas que não batem. E agora eu estou lutando para provar que o meu filho foi mais uma vítima.

Esse pacote do Moro só está dando liberdade para continuarem matando, o que eles já vêm fazendo. Os policiais que mataram o meu filho fazem parte do 41º Batalhão, que é conhecido como o "batalhão da morte" do Rio de Janeiro. O meu filho só morreu, porque é negro e favelado. Eu tenho certeza que se fosse um branquinho playboyzinho na pista isso não iria acontecer. Infelizmente, ele [Moro] está dando liberdade para matar o negro, para matar o favelado, o pobre. Isso não vai funcionar para todo mundo, só mesmo, para os pobres.

Mãe: Glaucia Santos
Filho: Fabrício dos Santos, 17 anos
Executado em: 1º de janeiro de 2014

Era final de 2013, já para 2014. Era final de ano, e o Fabrício, passando já de meia-noite, às 2h15 do dia 1º, foi abastecer a moto e calibrar o pneu. Eu morava duas ruas antes do posto de gasolina na Estrada do Camboatá, que fica no Complexo do Chapadão, no Rio. Já saindo do posto, ele foi alvejado por policiais militares que nem saíram de dentro da viatura e atiraram na testa dele. O Fabrício estava com a moto de um amigo nosso que estava passando o Ano Novo lá em casa.

Em dez minutos, chegou a notícia. Dali em diante eu fiquei muito pensativa. Como se fosse um filme na minha mente, eu desmaiei. Quando eu acordei, eu fui procurar meu filho, porque eles atiraram e levaram o corpo dele.

Os policiais vieram do 14º Batalhão, em Bangu, Realengo, e não eram dali. Eu fiquei rodando nos hospitais no Ano Novo grávida de três meses da minha filha, quando de manhã recebi a notícia dos meus parentes de que tinham encontrado o corpo num hospital de Realengo. Eu fui para casa, deitei numa geladeira velha lá fora e fiquei. Minha irmã reconheceu o corpo.

Eu enterrei o Fabrício e comecei a agir. Eu não tomei esse episódio como luto, mas como uma luta. Eu não aceitei, não, porque eles fizeram um registro na delegacia falando que o Fabrício estava com mais dois elementos assaltando o posto, mas todo mundo ali conhecia o Fabrício e ele nunca imaginaria que isso fosse acontecer.

Eu não aceitei, porque a bala que matou meu filho é eu que pago, a gasolina também. Os policiais que são pagos para nos proteger tiraram a vida do meu filho sem nenhum direito de defesa, sem nem sequer fazer nenhum questionamento. Foram logo atirando, matando meu filho. Eu comecei a ir às delegacias, mesmo grávida, fiquei em cima, fui ao posto de gasolina e peguei as imagens das câmeras e passei para os celulares dos amigos deles, chamei repórteres e comecei a fazer a investigação. As imagens gravadas mostram que eles chegaram atirando e não houve nenhuma reação.

Os policiais têm o alvará do Estado para matar, senão não continuavam a fazer isso. Quantos Fabrícios mais têm que morrer? Eu continuei correndo atrás, indo à delegacia, insistindo até que a audiência do Fabrício foi marcada para o dia 27 de janeiro de 2016.

Chegando lá eu encontrei essas mães que já faziam esse trabalho e esse movimento na porta cobrando por justiça, e ali eu me encontrei. Só faltava isso para eu me encontrar mesmo. Eu já fazia sozinha, até então eu não sabia como fazer esse percurso. Eu fazia manifestação aqui onde eu moro para chamar atenção, porque eu não me conformei e não me conformo.

Eu tenho mais três filhos e a minha mais velha quer ser advogada. Eu quero que ela saia daqui da minha favela como uma advogada. Ela tem esse direito de ir e vir. O Fabrício teve o sonho dele interrompido por uma bala de fuzil. Ele trabalhava como guardião de piscina, e o sonho dele era ser engenheiro mecânico e não pôde. Na mesma hora que veio a notícia eu pensei que foi porque o meu filho era negro.

Então, é racismo, falta de respeito. Tudo temos que cobrar e não somos respeitados. E agora com esse projeto de chegar e matar é o que está acontecendo. Só que a gente não pode desistir. E foi nessa união, nessa luta, cobrando por justiça, indo em atos, é que conseguimos ter um julgamento dos policiais. Eles foram pronunciados, mas o júri popular ainda não aconteceu. Como as gravações mostraram a ação, eles foram presos e agora estão trabalhando no quartel sem porte de arma. Eu estou aguardando o júri.

Assim, vamos apoiando outras mães que estão chegando agora. Enquanto esses casos acontecerem, vamos nos organizar e gritar por justiça. Não podemos parar, porque agora a tendência é piorar. A gente sabe que tem a mão suja desse Estado que só serve para nos oprimir. Eles não matam apenas os nossos filhos, eles nos matam também. Com isso, suscitaram em mim uma mulher revolucionária que não vai parar. Eu não vou desistir. Enquanto eu viver, serei a voz do Fabrício e dessas três aqui que eu tenho.

Mãe: Janaína Alves
Filho: Jhonata Dalber Mattos Alves, 16 anos
Executado em: 30 de junho de 2016

O meu filho foi assassinado na comunidade do Borel [zona norte do Rio de Janeiro] pelo policial militar Douglas Ferreira Zaia, da UPP Borel, com um tiro na cabeça. Meu filho foi até a comunidade para pegar um pacote com saquinhos de pipoca na casa da minha cunhada, porque no dia 1º de julho teria festa junina na creche do irmão caçula, de quatro anos.

O policial disse em depoimento que confundiu o pacote de saquinhos de pipoca com drogas e arma. Meu filho levou um tiro pelas costas. Ele estava no primeiro ano do Ensino Médio e estudava no Colégio Antônio Prado Júnior, na Tijuca. Iria começar a fazer um curso no dia 14 de julho de 2016, mas infelizmente foi executado a troco de nada.

Essas medidas do pacote anticrime só vão servir para pobres, negros e favelados. Não terão o mesmo valor para o povo branco. Se o projeto for aprovado, só vai valer para o povo das comunidades, e vamos continuar sofrendo.

Não concordo com essas medidas, porque elas já existem todos os dias nos becos e vielas das nossas comunidades. Ainda não são lei, mas acontecem todos os dias. Primeiro eles atiram, depois vão procurar saber sobre os antecedentes das pessoas.

[O soldado Douglas Ferreira Zaia foi denunciado em 2018 pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por cometer um crime "por motivo torpe".

O policial tinha alegado que Jhonata apontou uma arma contra ele, mas nenhuma arma foi encontrada com a vítima. A investigação chegou ao MP por insistência da mãe, que tentou sem sucesso apresentar sua versão à Polícia Civil.]

Mãe: Marcia de Oliveira Silva Jacintho
Filho: Hanry Silva Gomes de Siqueira, 16 anos
Executado em: 21 de novembro de 2002

Eu até colocava um pouco de fé no ministro da Justiça, mas me desmotivei totalmente. Esse pacote é lamentável, e a maioria da população não esperava esse posicionamento dele. Parecia um homem tão coerente e digno, mas nos decepcionou. Aqui no Rio, o governador implementa terrorismo e abate. Pode executar 15 numa casa, deixar as paredes todas furadas, matar sete, dez, não tem problema, porque é legítimo e legal. O fato de estar envolvido, ou mesmo que não esteja, não importa, mata. Essa situação ficou agora muito mais difícil. Mas aqui tem mães muito corajosas e eu acredito que ao nível nacional o nosso movimento continuará e nós não vamos desistir.

Eu passei em 2002 um dos piores momentos da minha vida. Eu cheguei do hospital com a minha neta de três anos, que teve muita febre, e percebi que o meu filho tinha passado em casa, almoçado, tomado banho e ido para o curso. Então, eu comecei a preparar o jantar para que, depois, ele fosse à escola à noite. Por volta das seis da tarde, eu escutei um tiro. A hora começou a passar e, como meu filho não chegava, comecei a pensar que ele tinha ido direto para a escola. Então, fiquei tranquila. Como estava muito cansada depois de passar o dia todo com a minha neta no hospital, eu cochilei.

Eu sempre escutava quando o meu filho chegava da escola. Meu esposo acordou por volta das cinco da manhã para ir trabalhar e falou para mim: "Amor, o Ri não está em casa". Como isso nunca tinha acontecido, eu dei um pulo da cama e já muito tensa e preocupada. Meu esposo foi trabalhar e eu saí batendo de porta em porta dos amigos dele perguntando. Perguntava, perguntava e nada. Na rua, um amigo meu falou: "Olha, eu não quero colocar a senhora em pânico, mas um amigo falou que ontem chegaram dois baleados no Hospital Salgado Filho. Um era daqui e estava de bermuda preta. E o meu filho estava de bermuda preta naquele dia.

Quando eu abri a porta da minha casa, eu tive um sentimento de mãe de que acabou, tudo acabou. Foi um pavor, porque meu filho nunca dormiu fora de casa. Nós tínhamos uma vida muito regrada, ele foi criado no Evangelho. Meu filho não fumava, não bebia, não frequentava baile, nada disso. Nunca repetiu um ano. O desejo dele era ser um jogador para poder me ajudar financeiramente e sairmos do morro. Esse Estado assassino não deixou isso acontecer. E lá no IML estava o meu filho com um único tiro no peito, que transpassou o coração e o pulmão, ceifando sua vida. Em meio aos trâmites do enterro, eu vim para casa sem saber o que fazer.

Eu sempre gostei de ver filmes policiais, investigativos. Comecei a lembrar que eu tinha um tio inspetor de polícia que foi morto. Eu só tinha perguntas, o que houve, por que aconteceu? Foi quando eu comecei a ver os peritos no local do crime, e o perito falou que a responsabilidade da perícia é falar pelas vítimas que morrem sem testemunha. Eu me levantei e comecei a procurar ali, aqui. Fui até um vereador, mas não tive muito êxito. No Ministério Público, fui desanimada também. E então fui à Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e lá sim eu tive acesso ao inquérito.

Quando eu comecei a ler aqueles depoimentos dos policiais, o que eles falaram, implantaram arma e droga, seis, sete elementos, troca de tiros intensa. Aquilo juntou dor e revolta, mas começou a me alimentar e me levantar de tal maneira por justiça para esclarecer e fazer aquilo que a perícia me falou. Eu seria a perita. Eu seria a luz da justiça. Eu pedi para o rapaz que trouxe a sandália e a chave do meu filho, que estava num local cheio de sangue, que me levasse até lá. Eu comprei um filme e pilhas para a minha máquina fotográfica e falei: "Agora, eu vou começar a ser detetive e investigar”.

Com poucas noções, baseada no que eu assistia nos filmes, na intuição do coração de mãe e muita garra dentro da alma fui então quebrar o álibi desses assassinos. Voltei a estudar para conhecer os trâmites judiciais, fiz o primeiro período de Direito, busquei o conhecimento suficiente para atuar como assistente de acusação e ser a luz da justiça. Em 99% eu atuei nesse caso. Eu fui advogada, perita, só não fui juiz nem júri. Eles têm a carteirinha, mas eu fiz tudo na prática. Fui eu que levei os peritos ao local onde a execução de fato aconteceu. O local que os policiais deram era totalmente diferente, mas ninguém foi lá para fazer nada.

No local onde o crime de fato aconteceu, eu fiz como os peritos e acompanhei todo o trajeto. Ali, durante mais de um ano, eu fui fazendo as minhas investigações. Quando vinha policiais na comunidade, eu pegava o número da viatura. Comecei a acompanhar o caso de perto. Só que com sete meses da morte, o delegado disse que não tinha mais o que fazer. Eu senti um corporativismo. Então, eu parti para a luta. Fui para a mídia, fui até Brasília.

Apenas depois de dois anos e nove meses, foi feita uma perícia naquele local. Tinha uma cápsula e um vestígio na pedra que poderia ser de sangue do meu filho. Parecia que não ia dar em nada. Eu comecei a levar outras testemunhas principais ao MP e passei a ter acesso direto ao promotor que cuidava do caso. Os policiais falaram que o tiro foi debaixo para cima, mas o gesto que o promotor fazia é que como se fosse de cima para baixo. Foi então quebrado o álibi dos policias. E na verdade o tiro foi à queima-roupa. O MP pediu então que os policiais fossem indiciados.

Aí começou a minha saga no fórum. A vida das vítimas eles investigam, mas a dos policiais, não. Ninguém investigou a vida dos dois que assumiram o boletim de ocorrência. O Marcos Alvares da Silva já tinha sido condenado e nunca foi preso. Enquanto aguardava julgamento do meu caso, ele foi promovido. O outro, Paulo Roberto Pachaíne, respondia a um processo de tentativa de homicídio depois de um porre em Taboraí. A arma que eles apresentaram como se fosse do meu filho era da Comarca de Taboraí. Que coincidência uma arma da comarca estar no alto do morro na mão de traficantes, não? O meu filho tinha feito uma denúncia no 1º DP quando trabalhava num escritório de advocacia como office boy e foi assaltado. Como pode um traficante fazer queixa na delegacia? Que vergonha para a Justiça. Mas porque era um pobre da favela desceu enrolado num lençol e chegou no hospital como traficante. Todo mundo assina embaixo, que beleza, é menos um.

Os policiais foram condenados e presos. O Márcio foi condenado pelo crime antigo e depois pelo assassinato do meu filho. Pegou nove anos, e o outro, três anos e alguns meses por fraude. Eles conseguiram um novo julgamento em 2012 e foram condenados de novo. E em julho desse ano vão a um novo júri. O que eles alegam ainda não sei. Quando tive a notícia, fiquei muito mal, mas vou procurar o promotor.

Hoje eu sou hipertensa, tenho problemas de coração. Agora eu tenho que voltar a lutar para que esses caras do pacote do Moro junto com Bolsonaro e o governador do Rio não achem uma brecha para saírem livres e voltarem a trabalhar para matar. A única coisa que eles querem é continuar matando, e agora mais do que nunca se beneficiam com esse pacote.

É difícil [chora muito], perdi minha mãezinha há seis meses e ela sofreu muito a perda do neto. Minhas filhas sofreram muito com a perda do irmão e foram todos criados com tanto amor e carinho. Quantas mães sofrendo. E o que lutamos no passado ficará muito mais difícil agora. Se já era difícil provar a inocência dos nossos filhos, agora ficará pior. Mas em vários lugares do Brasil existem mulheres que não temem. A única coisa que eu temia era que alguma coisa acontecesse com o meu filho. O único medo que eu tinha era perdê-lo, e isso aconteceu. Então agora eu não temo mais nada.


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