19/04/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

A Queda do Céu

É preciso mais que nunca não apenas ajudar mas ouvir os Yanomami

Publicado em 03/02/2023 9:21 - Ricardo Moebus

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Esta semana Davi Kopenawa Yanomami esteve na Universidade de Princeton debatendo sobre a condição do povo Yanomami, situação que veio à tona de forma evidente após a mudança de governo, e assombrou, mais uma vez, o velho e o novo mundo ocidental.

Princeton, fundada em 1746, ainda sob o império britânico, é uma das nove universidades consideradas “coloniais” dos Estados Unidos, fundadas antes da Revolução Americana.

Davi foi contar um pouco da tragédia que assola o território Yanomami invadido por dezenas de milhares de garimpeiros ilegais, com um imcremento gigantesco nos últimos quatro anos, sob a anterior gestão federal condescendente com o genocídio, ora sob inicial apuração.

Os garimpeiros reviram o solo da floresta e de seus rios em busca de ouro, devastando e contaminando o solo, os rios, os Yanomami.

Por trás desses batalhões de desafortunados embrenhados na lama em busca de metal, existe um esquema bilionário que movimenta campos clandestinos de pouso, dezenas de aeronaves, maquinário pesado industrial, fundição, armamentos, crime organizado, escoamento do ouro arrancado das entranhas da floresta.

Estima-se que a maior parte do ouro, cerca de 80% do ouro extraído no Brasil é exportado, legal ou ilegalmente.

O maior consumidor deste ouro é o Reino Unido, aquele velho império britânico que inclusive fundou a Princeton University no século XVIII.

Pelo menos desde a década de oitenta do século passado Davi Kopenawa preregrina pelo velho e novo mundo ocidental, denunciando a catástrofe, o genocídio, o erro absurdo da voracidade dos comedores de terra e da Terra, pedindo ajuda, anunciando o risco, o colapso do sistema que sustenta o próprio Céu sobre nossas cabeças.

Os Xamãs Yanomami, instruídos pelos Xapiri, anunciaram que havia um buraco no Céu, como prenúncio do colapso, muitos anos antes da ciência ocidental constatar o buraco na camada de ozônio, que ameaça o véu que nos encobre mantendo a viabilidade da vida aqui.

Os xamãs Yanomami, instruídos pelos Xapiri, avisaram que este buraco no céu está diretamente e intimamente relacionado com a destruição das florestas, muitos anos antes da ciência ocidental confirmar que tanto a camada de ozônio quanto o aquecimento global dependem diretamente da fixação do carbono pela massa dos seres verdes das florestas e oceanos.

Os Xamãs Yanomami, instruídos pelos Xapiri, avisaram sistematicamente que esse processo de saquear o subsolo, extraindo o que os deuses colocaram cuidadosamente ali sob o solo, dessa forma predatória, dispararia novas e piores epidemias xawara que se espalhariam no ar como fumaça. Avisaram muito antes da ciência ocidental isolar e confirmar o SARS COV-2 COVID-19.

O Xamã Yanomami Davi Kopenawa ensina em seu livro “ A Queda do Céu”:

“Depois de ter voltado a trabalhar para a Funai, tinha visto os brancos rasgarem o chão da floresta para construir uma estrada. Eu os tinha visto derrubar suas árvores e queimá-las para plantar capim. Eu conhecia o rastro de terras vazias e de doenças que deixam atrás de si. Apesar disso, sabia ainda pouca coisa a respeito deles. Foi quando os garimpeiros chegaram até nós que realmente entendi de que eram capazes os napë! Multidões desses forasteiros bravos surgiram de repente, de todos os lados, e cercaram em pouco tempo todas as nossas casas. Buscavam com frenesi uma coisa maléfica da qual jamais tínhamos ouvido falar e cujo nome repetiam sem parar: oru – ouro. Começaram a revirar a terra como bandos de queixadas. Sujaram os rios com lamas amareladas e os enfumaçaram com a epidemia xawara de seus maquinários”.  

Novamente os Yanomami denunciam a catástrofe, denunciam o genocídio, também o absurdo a que chamamos de modo de vida ocidental. “Povo da mercadoria” nas palavras de Kopenawa. Consumidores inclusive desse mesmo ouro cuja extração vitimiza tantos povos nas Américas e nas Áfricas. Consumidores desse mesmo ouro pendurado em pescoços, dedos, em jóias de coroas e nobrezas que atravessam os séculos com seus símbolos de poder, dominação, opulência sempre e necessariamente às custas de vidas alheias.

Novamente as imagens de crianças e adultos esquálidos, adoecidos, maltratados, vidas subtraídas, roubadas, sequestradas. O eterno horror do invasor com sua brutalidade, ignorância, violência, sanha destruidora.

Sim, é preciso uma grande coalizão de apoio, ajuda humanitária, sanitária, alimentar, policial, política, econômica ao povo Yanomami. Mas também é preciso escutá-los, aprender desta vez o que estão tentando ensinar desde os primeiros contatos com o homem branco, napë.

Os Yanomami são uma chance extraordinária e única de repensar todas as nossas apostas, escolhas chamadas civilizatórias, não podemos mais deixar de escutar o que os Yanomami nos ensinam com seu modo de vida, existência, re-existência e, inclusive, sofrimento causado, também por nossas escolhas.

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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