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Artigo da Semana

1914 poderá se repetir?

Publicado em 13/08/2014 12:00 -

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A guerra de 1914 foi talvez a mais irracional das grandes guerras – uma guerra que só teve derrotados. Há um debate entre os historiadores sobre qual país foi o principal responsável e, geralmente, a Alemanha ocupa esse papel. É uma tese razoável já que, entre as grandes potências europeias, a Alemanha ainda não conhecera a democracia e –o que é mais importante –, como se atrasara em completar sua revolução industrial, não construíra um grande império na Ásia e na África, ao contrário do que acontecera com o Reino Unido e a França.

Vinte anos depois de terminada a primeira, estourou a Segunda Guerra Mundial, que, na realidade, foi uma continuação ressentida da anterior. Significaria isso que uma terceira guerra entre os grandes países seria possível? Não, porque cem anos depois o mundo alcançaria um estágio mais elevado de progresso ou de civilização; e também porque a guerra entre grandes países, que já se provou ter sido um jogo de soma menor que zero em 1914, hoje deixou de fazer qualquer sentido.

Para compreender a falta de sentido das guerras entre grandes países há um fator adicional, de caráter estrutural, aos dois fatores que acabei de citar. Já em 1914 a causa principal das guerras capitalistas – a definição de fronteiras entre os grandes Estados-nação – estava deixando de existir porque essas fronteiras estavam praticamente definidas; em 2014, elas estão completamente definidas e tentar mudá-las é inviável.

Vejamos esse argumento em perspectiva histórica. As guerras conduzidas pelos impérios antigos faziam sentido nas sociedades pré-capitalistas porque eram a principal forma de apropriação do excedente econômico por aqueles que tinham mais força. Com a revolução capitalista, a apropriação do excedente passou a ser realizada no mercado, por meio do lucro, de forma que as guerras deixaram de ter a importância econômica que tinham nas sociedades pré-capitalistas.

As guerras conduzidas pelos impérios antigos faziam sentido nas sociedades pré-capitalistas porque eram a principal forma de apropriação do excedente econômico por aqueles que tinham mais força.

Entretanto, durante a revolução capitalista que durou cerca de 300 anos, as guerras continuaram atrativas. Estavam, então, se formando os Estados-nação na Europa e, para eles, ampliar suas fronteiras por meio de guerras era fundamental porque só um grande mercado interno viabilizaria a revolução industrial. Por isso, durante essa longa transição, muitas foram as guerras. Mas, em 1914, essas fronteiras já estavam razoavelmente definidas.

Havia, porém, uma causa "racional" para a guerra de 1914. Os países que primeiro realizaram sua revolução industrial e capitalista, Reino Unido, França, Bélgica e Holanda, tiveram força suficiente para reduzir à condição de colônia os povos da Ásia e da África. Era o imperialismo moderno que surgia. Mas a Alemanha e a Itália, que se atrasaram em sua industrialização, não estavam satisfeitas com essa distribuição das colônias entre as grandes potências.

O imperialismo antigo ou clássico entrou em derrocada na Primeira Guerra Mundial com o colapso dos impérios Austro-Húngaro, Russo e Otomano, mas um segundo tipo de imperialismo –o industrial– ainda parecia viável, e a luta por definir o domínio das colônias talvez seja a principal explicação para essa guerra. Mas logo esse segundo imperialismo também perdeu viabilidade; no mundo moderno, os custos de imperializar outros países tornara-se mais altos do que os benefícios.

As grandes potências lideradas pelos EUA mudaram sua estratégia para um terceiro tipo de imperialismo que já usavam na América Latina e que denomino "imperialismo de hegemonia ideológica". Buscam e geralmente logram convencer as elites locais de que a ocupação dos seus mercados através do financiamento e dos investimentos diretos é benéfica para elas. Mas, para isso, as guerras entre grandes potências não são necessárias. Bastam as guerras localizadas contra pequenos países renitentes em aceitar a dominação por hegemonia dos países ricos.

 

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Professor emérito de economia, teoria política e teoria social da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC).


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