Entrevista
Publicado em 11/03/2019 12:00 -
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Ao compartilhar um vídeo obsceno no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro recorreu a um expediente cada vez mais comum nas redes sociais. Segundo o pesquisador austríaco Christian Fuchs, professor da Universidade de Westminster, no Reino Unido, populistas de direita costumam generalizar casos individuais para atacar comunidades inteiras. Autor do livro “Digital Demagogue: Authoritarian Capitalism in the Age of Trump and Twitter” (Demagogo digital: capitalismo autoritário na era de Trump e do Twitter), Fuchs falou sobre como políticos estão construindo palanques digitais.
Bolsonaro tuitou um vídeo obsceno. Essa é uma tática comum?
Políticos de extrema-direita generalizam casos individuais para criar bodes expiatórios e difamar comunidades inteiras. Isso não é inédito. Nos anos 1950, o macarthismo (patrulha anticomunista liderada pelo senador americano Joseph McCarthy) tentou rotular Hollywood de comunista. Hoje, a extrema-direita usa o Twitter e o Facebook para criar novos “espectros do comunismo”.
Como as redes sociais se tornaram palanques?
Donald Trump não foi o primeiro a usar o Twitter para se comunicar com seus seguidores. O primeiro-ministro indiano Narendra Modi e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan têm, respectivamente, 46,2 milhões e 13,5 milhões de seguidores. Bolsonaro tem 3,6 milhões. O Twitter combina com líderes autoritários, pois favorece o narcisismo e o individualismo. As redes sociais são como grandes agências publicitárias em busca de lucro, não se importam com o conteúdo que fazem circular. O triunfo da lógica individualista e publicitária das redes sociais coincidiu, em muitos países, com a ascensão de novos nacionalismos e direitas autoritárias que são reações à crise global. A ocupação das redes sociais pela extrema-direita é um sintoma desta nova fase do capitalismo, que chamo de capitalismo autoritário.
O que é capitalismo autoritário?
O capitalismo autoritário se baseia em uma combinação de liderança autoritária, nacionalismo, criação de bodes expiatórios, política de tolerância zero, militarismo, reforço da ordem patriarcal e negação dos conflitos de classe. Difere de experiências autoritárias passadas porque espalha propaganda por meio das redes sociais e aproveita o conteúdo gerado pelos próprios internautas.
Por que políticos hoje preferem se comunicar com seus apoiadores pelas redes sociais?
A extrema-direita se comunica com pessoas de origens sociais diferentes por meio de um discurso nacionalista que transforma minorias e adversários políticos em bodes expiatórios. Eles querem distrair as pessoas daquilo que realmente as separa uma das outras, que é a desigualdade de renda. No Twitter, eles tentam distrair quanto mais gente for possível das contradições sociais.
Como impedir que as redes sociais se transformem em armas contra a democracia?
O uso das redes sociais por políticos é comum em todo o mundo e em todo o espectro político. Os problemas das democracias têm causas político-econômicas profundas que devem ser enfrentadas. Mudar como as redes se organizam política e economicamente é importante, mas não basta. Precisamos de mídias não comerciais, sem fins lucrativos, que deem aos cidadãos tempo e espaço para um debate político de verdade. O populismo acelera e simplifica a informação. Nós precisamos de redes sociais que não sejam tabloides digitais, mas que engajem os cidadãos em conversas baseadas em um conteúdo que estimule o pensamento e o debate. Quando demagogos dominam a esfera pública, precisamos de imprensa de qualidade e da colaboração de mídias alternativas e cidadãs para estabelecer uma esfera pública crítica.
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