28/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

O hino imposto pelo ministro e o fascismo na educação

Publicado em 28/02/2019 12:00 -

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A educação como processo de reconstrução da experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem de ser comum a todos. Essa concepção é agasalhada pela Constituição de 1988, nos artigos 205 a 214.

Declara a Constituição que ela é um direito de todos e dever do Estado.

A educação é um serviço público essencial que o Poder Público impende possibilitar a todos, daí a preferência constitucional pelo chamado ensino público, pelo que se entende que a iniciativa privada, embora livre, é vista como secundária.

O artigo 205 da Constituição Federal declara que o ensino deverá ser desenvolvido visando o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação do aluno para o trabalho.

São princípios básicos do ensino: a igualdade de condições e acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização de profissionais de ensino; garantia de padrão de qualidade (artigo 206).

A Constituição de 1988, de modo correto, dentro de uma democracia, determina o respeito à diversidade.

O país vive um momento de irracionalidade e de histeria coletiva.

Isso é grave e leva a entendimentos que poderão levar à radicalização com consequências danosas à sociedade.

O governo federal eleito tem contribuído para isso.

Não se pode criar um index totalitário que enxerga no professor alguém que está proibido de passar informações aos alunos, seja da natureza que for (ideológica, política, cultural, credo).

Ensinar é viver e conviver com renovações, na velocidade em que vierem.

Bem disse Merval Pereira, em sua coluna no jornal O Globo, no dia 27 de fevereiro de 2019, que “está tudo errado na ‘sugestão’ do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, para que as escolas coloquem seus alunos cantando o Hino Nacional, o que foi mantido ontem, apesar da polêmica que provocou. E indica que o governo que denuncia a partidarização das escolas no governo petista quer apenas trocar de partido.”

Haverá uma perseguição ideológica aos professores e dirigentes das escolas públicas e privadas que se negarem a cumprir tal determinação?

Isso está no ar, pois é algo fascista.

No fascismo, cabe ao Estado dar ao povo uma vontade consequentemente uma existência efetiva. O Estado, dentro da concepção trazida por Hegel, é absoluto, diante do qual os indivíduos e os grupos são o relativo. Daí porque se dizia: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado”.

É evidente a afinidade entre o fascismo e a doutrina do famoso secretário florentino exposta no livro “O Príncipe”, tanto que o próprio Mussolini, na Itália, como chefe de governo, escrevendo “Prelúdios a Maquiavel”, em 1924, mencionou que na atualidade italiana o maquiavelismo estava mais vivo do que na época de seu aparecimento. Para o príncipe, para que haja respeito é preciso que se tema.

O partido que assume o poder não é um órgão de representação política, mas depositário único da confiança nacional e o intérprete exclusivo da vontade do povo.

O ministro Vélez Rodríguez diz, com razão, que cantar o hino nacional “não é constrangimento, é patriotismo”. Mas patriotismo só é imposto em governos autoritários. É um sentimento de pertencimento que move muitos cidadãos espontaneamente. Estímulos oficiais pelo patriotismo podem levar a frases como a de Samuel Johnson, que dizia que o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”, como ainda bem lembrou Merval Pereira.

Ficam perguntas sobre o caso.

As escolas precisam cumprir essa determinação do MEC? Não. Elas, sejam públicas ou privadas, têm autonomia.

O aluno é obrigado a participar de cerimônia de execução do hino nacional? Não. Se o hino não fizer parte do projeto pedagógico da escola, a criança não precisa participar, se essa for a vontade dos pais.

As crianças só poderão ser filmadas, com autorização dos pais. Essas autorizações são para uso privado da escola, sem expor o aluno ao público.

Enfim, o convívio com os símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, devem ser incentivados, mas não impostos.

Por fim, cabe deplorar o que foi dito naquela manifestação:

“Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”

O slogan eleitoral colocado pelo atual ministro da Educação, em recente manifestação, poderá levá-lo a responder por improbidade administrativa, à luz do artigo 11 da Lei nº 8.429/92.

Rogério Tadeu Romano – Advogado e procurador regional da República aposentado.


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