28/03/2024 - Edição 540

True Colors

Homofobia, ataques e ameaças estão fazendo LGBTs deixarem o Brasil às pressas

Publicado em 06/02/2019 12:00 - Nina Lemos - Universa

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Em outubro de 2011, o analista fiscal Marcos Viila, na época com 32 anos, saía de um bar na região da Consolação, em São Paulo, com o namorado e duas amigas quando foi abordado por dois sujeitos. "Eles falaram algo do tipo: 'ah, essas bichas sempre estão com as meninas mais gatas"'. A gente ficou meio assustado, mas deixou para lá. Acompanhamos as meninas até o carro e fomos até um posto comprar cigarro e os caras estavam nos esperando lá. Nos ofenderam, respondemos. Fomos embora. No caminho de casa, nos atacaram, tomei chutes e soco na boca. Meu namorado tomou uma rasteira, desmaiou e eles continuaram chutando".

O crime fez com que o namorado de Marcos tivesse fratura de crânio e quebrasse a perna em três lugares e passasse uma semana hospitalizado. Marcos denunciou o caso à polícia e na mídia, apareceu em todos os jornais, ainda machucado, narrando o ocorrido. Nesse meio tempo, perdeu o emprego. "Meu chefe disse que sentia muito, mas que as pessoas estavam rindo de mim no trabalho, que era melhor eu me desligar. Fiquei em choque. Estava com medo, traumatizado".

Alguns meses depois, os dois compraram uma passagem parcelada para a Irlanda. Marcos, hoje casado com um irlandês, só voltou ao Brasil de férias.

"Aqui, tenho trabalho, sempre fui bem tratado, ando na rua sem medo. Em 2015, o casamento gay foi aprovado. Hoje, tenho todos os direitos. É muito bom ser tratado de igual para igual e saber que não vai apanhar na rua. Aqui, nunca me aconteceu nada", ele conta.

Marcos não é o primeiro nem o único homosexual a deixar o Brasil para fugir da violência contra gays, que é gigante. O Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo, segundo levantamentos de agências internacionais.

Outro levantamento, feito pelo Grupo Gay da Bahia, mostra que, no ano passado, a cada 20 horas, um LGBT teve morte violenta no Brasil. Mais de 72% foram casos de assassinato; 24%, suicídio.

Ainda não existem estatísticas para esse ano, mas, dentro da comunidade e por parte de entidades de dreitos humanos, o temor é que a violência contra a população LGBT aumente após a eleição de Jair Bolsonaro, que já declarou, entre outras coisas, "que preferia ter um filho morto a ter um filho gay". Semana passada, o auto-exílio do deputado Jean Wyllys, então o único deputado abertamente gay na Câmara dos Deputados em Brasilia, aumentou o clima de medo.

Marcos, que costuma ir ao Brasil todos os anos para visitar a mãe, agora não tem mais essa certeza. "Eu sinto muita tristeza. Tive condições de vir embora, mas, quando penso nos meus amigos que estão lá, nas pessoas que também passam por violência e não conseguem sair, eu fico mal", diz, emocionado.

Saída às pressas

João (nome fictício) é outro que, como Marcos, pretende sair rápido, praticamente fugindo.

"Eu me candidatei para uma universidade que começa as aulas em outubro, mas não vou esperar até lá, por isso arrumei um trabalho em um navio e embarco em março". João foi dono de um bar LGBT, em uma grande cidade do Brasil (ele prefere não falar onde é porque está sofrendo ameaças).

"Desde outubro, comecei a ter problemas com o chefe do batalhão que fica perto do bar. Ele me disse várias coisas, que não queria mais ver esses travestis na rua, que ia acabar comigo e com meu bar, com esses gays que andam por aqui. Sou uma pessoa atuante e conhecida na cidade. A coisa começou a ficar muito preocupante".

No início, João, que tem 30 anos, achou que estava ficando paranoico. "Quando recebi ameaças no meu celular e a polícia começou a aparecer na porta da minha casa, vi que a coisa era séria. Toda a minha família ficou preocupada". Ele conta com apoio da mãe para deixar o país. "Eu sempre fui muito afrontoso, nunca levei desaforo para casa, mas essa foi a primeira vez na minha vida que eu realmente senti medo por ser quem eu sou. Senti que estava em risco".

O problema se intensificou, segundo ele, no segundo turno das eleições. "De outubro a dezembro, minha vida virou um inferno. Eu passei a ter medo de sair na sua. Decidi passar o bar para outra pessoa e sair daqui. Não dá para viver com medo. Estou preparado para ficar, no mínimo, quatro anos fora", conta.

O designer Lallo Lemos, que mora em São Francisco, na Califórnia (EUA), passou por situação semelhante há 26 anos.

Ele tomou a decisão de sair do país depois de ter a porta do apartamento onde morava com o namorado pixada com um "fora viados". Além disso, seu namorado foi agredido fisicamente e os dois sofrerem ameaças, também por parte de policiais. "Fazíamos uma festa em Botafogo, no Rio de Janeiro, e fui agredido por um policial. Ele me disse que aquilo era um aviso, que era para eu parar de fazer as festas, que não queria que a rua virasse um reduto gay. Depois que os policiais, que supostamente deviam me proteger, me agrediram, foi a gota d'água. Fiquei deprimido. Foi quando decidimos sair do Brasil".

Lallo, que é casado (com o mesmo homem das festas) conseguiu asilo no país, depois de montar, em um dossiê, que sofria perseguição. Os casos de brasileiros que conseguem asilo por perseguição no Brasil são raros, mas existem."Existe uma cota anual na Califórnia que engloba o mundo todo, mas você tem que provar, claro, que você realmente corre risco".

Hoje, ele tem medo de ir ao Brasil. "Minha mãe veio me visitar e disse para eu não ir lá, que ela fica preocupada. É triste, mas chegou nesse ponto. As pessoas acham que estamos exagerando, mas só quem passou por isso sabe. É um trauma que fica na sua cabeça, no seu corpo".

Marcos também não pensa em ir ao Brasil tão cedo. "Com um presidente abertamente homofóbico, as notícias de crime que leio quase todos os dias, não vou. Não quero entrar de novo para essa triste estatística".

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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