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Artigo da Semana

Redução de benefício a idoso pobre é bode na sala ou governo insensível

Publicado em 05/02/2019 12:00 -

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Se uma versão da Reforma da Previdência que vazou para a imprensa for um "balão de ensaio", pode-se afirmar que a ideia de desvincular o benefício concedido a idosos pobres do salário mínimo, pagando menos a eles, não decolou. Pelo contrário, foi duramente criticada nas redes sociais.

Considerando que parte dos novos deputados federais e senadores afirmaram que irão levar em contar a opinião de seus eleitores através de suas plataformas de mídias sociais, podem esperar uma avalanche de reclamações caso esse balão seja encaminhado formalmente por Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional tentar aprová-lo.

minuta da reforma à qual o jornal O Estado de S.Paulo teve acesso propõe que pessoas "em condição de miserabilidade" recebam R$ 500,00, a partir dos 55 anos, e R$ 750,00, a partir dos 65. Quem contribuiu pelo menos dez anos ao INSS, teria direito a R$ 150,00 a mais aos 70.

O acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), hoje, é para pessoas com mais de 65 anos que estão abaixo da linha da pobreza – famílias com renda per capita inferior a R$ 249,50. Todos recebem um salário mínimo (R$ 998,00). O BPC não é uma aposentadoria, mas um benefício assistencial e não demanda contribuição anterior.

Considerando que uma massa de trabalhadores pobres, mas não tão pobres, que atuam na informalidade, terá mais dificuldades para se aposentar por conta das mudanças nas regras de aposentadoria, o governo Michel Temer propôs inicialmente o aumento da idade mínima para que idosos pobres pudessem pleitear o benefício de um salário mínimo mensal de 65 para 70 anos. Depois, o relator da Reforma da Previdência, após pressão de parlamentares, baixou para 68 – com um regra de transição que aumentaria a idade nos próximos anos. E, enfim, novas propostas apontaram para a manutenção dos 65.

A expectativa de vida no Brasil aumentou e tende continuar aumentando, bem como os índices de sobrevida após os 65 anos. Isso poderia servir como justificativa para aumentar a idade mínima do BPC em três ou cinco anos. Mas segue difícil para os mais pobres com 65 anos ou mais conseguirem um emprego ou mesmo um bico decente.

Mesmo que o governo diga que estará separando o que é aposentadoria do que é assistência para justificar a desvinculação do salário mínimo, poucas coisas são tão negativas quanto reduzir o cobertor de proteção a idosos pobres. Se uma sociedade não é capaz de garantir um mínimo de qualidade de vida a esse grupo, questiona-se o direito de continuar a chamar a si mesma de sociedade.

Por isso, esse item da minuta divulgada tem mais cheiro de "bode de sala" (daqueles bem fedorentos, do tipo que todo mundo fica tão aliviado quando é retirado que esquece dos outros problemas) do que "balão de ensaio". Incluiria também nesse rebanho a divulgação da idade mínima de 65 anos para aposentadoria tanto de homens quanto de mulheres sem distinção – o que dificilmente passa no Congresso. Idade que o vice Hamilton Mourão já disse não passa pelo crivo do presidente.

Bolsonaro e seus filhos-assessores já afirmaram que mudanças não podem afetar os trabalhadores braçais da mesma forma que aqueles que atuam em escritórios ou nivelar os mais pobres do interior do país aos demais. Até agora foram declarações esparsas, vindas de quem começou a carreira política representando interesses sindicais de soldados, cabos e sargentos.

Assim que sair do hospital, onde se recupera de uma cirurgia, deve divulgar a versão final da Reforma da Previdência – sem os "bodes na sala" e levando em conta a reação perante os "balões de ensaio", o que – do ponto de vista do marketing político – serve para compor uma imagem de alguém que "equilibra pressões" e é "sensível às demandas sociais". Por mais que outros pontos da Reforma mantenham-se como uma pedrada no lombo de muita gente.

Leonardo Sakamoto – Jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


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