20/04/2024 - Edição 540

Especial

Jean Wyllys: o primeiro exilado do governo Bolsonaro

Publicado em 25/01/2019 12:00 -

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Eleito em 2018 para o seu terceiro mandato legislativo, o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) anunciou na última quinta-feira (24) que decidiu abrir mão da vida pública e se exilar por conta das ameaças de morte que se intensificaram com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a presidência. Fora do país, em férias, Wyllys deve agora se dedicar à carreira acadêmica e fazer doutorado em algum lugar que ele ainda não definiu.

O anúncio do autoexílio foi feito por meio de entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. Desde o assassinato de sua companheira de partido, a vereadora Marielle Franco, em março do ano passado, Wyllys vive sob escolta policial. Na entrevista, ele diz que as ligações da família Bolsonaro com as milícias, que somente esta semana vieram à tona, também pesaram em sua decisão.

"Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário", afirma. "O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim", defendeu.

O deputado já apontava viver “pela metade”, conforme dito em entrevista para a Ponte no dia 10 de dezembro de 2018.

“A minha vida é uma vida pela metade. Eu fico constrangido de ir num lugar de passeio, de lazer, com uma escolta. Não é bacana. Nos últimos meses eu fui apenas uma vez ao cinema. Quando eventualmente consigo ir ao teatro vou de escolta”, explicou Jean. “Moro a duas quadras da praia de Copacabana e tem dois meses que não piso na areia. Eu posso ser atacado a qualquer momento. Essa não é apenas uma sensação, é uma constatação”, completa.

O deputado do Psol foi um dos pioneiros no uso de redes sociais como ferramenta de informação do mandato e da disputa política. "A diferença é que eu usava a internet para dar transparência ao meu trabalho, para ampliar os canais de comunicação e de democracia direta com a população. Nunca usei a internet para difamar ninguém, para caluniar ninguém", diz na entrevista, ao observar que as "novas estrelas" das redes sociais, do campo conservador, "usam as redes sociais para a divulgação de fake news".

"Há uma bancada inteira eleita com base em mentiras, inclusive contra mim. Eu venci processos contra umas cinco pessoas que me caluniaram. Só que esses processos não reparam o dano que isso causou na minha vida e na vida da minha família", lamenta.

"Eu acho que vou até dizer que vou para Cuba", ironiza o deputado quando indagado sobre seu futuro. Ele diz que até mesmo o atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), foi motivo para que as manifestações de violência contra ele se acirrassem.  “Aí, durante a eleição aconteceu o atentado contra o presidente, esse atentado que está por ser explicado ainda, e isso atiçou ainda mais a violência contra mim nos espaços públicos.”

“A violência contra mim foi banalizada de tal maneira que Marilia Castro Neves, desembargadora do Rio de Janeiro, sugeriu a minha execução num grupo de magistrados no Facebook. Ela disse que era a favor de uma execução profilática, mas que eu não valeria a bala que me mataria e o pano que limparia a lambança”, lembrou ainda Wyllys, que teve como uma de suas principais conquistas, como deputado, o casamento civil igualitário. “Tenho muito orgulho do que fiz. Durante esses oito anos, enfrentei tudo isso com muita dignidade. Mas sou humano e cheguei ao meu limite”, afirmou, referindo-se aos dois mandatos cumpridos.

Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário – Jean Wyllys

Fakes

Primeiro parlamentar assumidamente gay a encampar a agenda LGBT no Congresso Nacional, Wyllys se tornou um dos principais alvos de grupos conservadores, principalmente nas redes sociais. Ele também se diz "quebrado por dentro" em virtude de fake news disseminadas a seu respeito, mesmo tendo vencido pelo menos cinco processos por injúria, calúnia e difamação.

"A pena imposta, por exemplo, ao Alexandre Frota não repara o dano que ele produziu ao atribuir a mim um elogio da pedofilia. Eu vi minha reputação ser destruída por mentiras e eu, impotente, sem poder fazer nada. Isso se estendendo à minha família. As pessoas não têm ideia do que é ser alvo disso", afirmou Wyllys.

Deputado federal eleito pelo PSL de São Paulo, Frota foi condenado em primeira instância na Justiça Federal, em dezembro do ano passado, a pagar uma indenização de R$ 295 mil por postar uma foto de Jean Wyllys acompanhada de uma declaração falsa: "A pedofilia é uma prática normal em diversas espécies de animal, anormal é o seu preconceito".

Wyllys se ressente, sobretudo, da falta de liberdade no Brasil. "Como é que eu vou viver quatro anos da minha vida dentro de um carro blindado e sob escolta? Quatro anos da minha vida não podendo frequentar os lugares que eu frequento?", questiona.

Também avisa que vai se desconectar das redes sociais temporariamente e que não pretende acompanhar a repercussão do seu anúncio.

"Essa não foi uma decisão fácil e implicou em muita dor, pois estou com isso também abrindo mão da proximidade da minha família, dos meus amigos queridos e das pessoas que gostam de mim e me queriam por perto", explica.

Prisão domiciliar

Em carta destinada aos colegas de partido, Jean Wyllys disse que resolveu desistir do novo mandato e deixar o Brasil devido, entre outros fatores, ao silêncio do Estado brasileiro – especialmente da Polícia Federal – em relação às ameaças que vinha sofrendo e às denúncias que fazia.

No texto, que será lido na reunião da executiva nacional do partido neste sábado (26), Jean reafirma que as agressões e intimidações se intensificaram no último ano após o assassinato de Marielle Franco, sua amiga pessoal. Um ódio, segundo ele, intensificado nas redes sociais ao longo do ano eleitoral de 2018.

"Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano", afirma o primeiro deputado gay assumido a empunhar a bandeira LGBT na Câmara.

"Mesmo diante da medida cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio", reclama.

Em 20 de novembro do ano passado, a OEA cobrou do governo brasileiro medidas protetivas para Jean Wyllys, relatando uma série de ameaças ao parlamentar. Em entrevista à BBC Brasil, a relatora do caso, a advogada chilena Antonia Urrejola Noguera, disse que o governo brasileiro falhou em relação ao deputado.

Ligações estreitas

Jean disse que foi nesta semana, com a divulgação de que há "ligações estreitas" entre milicianos acusados de matar a vereadora e pessoas que se opõem publicamente às suas bandeiras, que teve a convicção de que, para sua saúde física e emocional, deveria tomar uma decisão para não continuar a "viver de maneira precária e pela metade". Sem citar nomes, o deputado faz alusão ao senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que empregou a mãe e a mulher do líder de um grupo de milicianos suspeito de participar do assassinato de Marielle.

"Foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT”, escreveu.

O deputado conta que, diante das ameaças e da necessidade de escolta, sente-se vivendo em cárcere privado ou prisão domiciliar. "Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime", afirma.

"Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida", explica.

Reação

O Instituto Lula, por meio de nota, defende atenção e vigilância e a criação de uma rede de solidariedade e resistência democrática. E também manifesta solidariedade e Jean Wyllys, a quem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou carta recentemente declarando admiração por sua atuação parlamentar. 

Após visitar Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba, na tarde de quinta-feira (24), a presidente nacional do PT, senadora e deputada federal eleita Gleisi Hoffmann (PR),  disse que “Bolsonaro será cúmplice de qualquer coisa que acontecer com Jean Wyllys daqui para a frente”.

“Quem comemora uma decisão dessa, de uma pessoa que está se sentindo ameaçada, que pode morrer, falando das milícias do Rio de Janeiro, que são ligadas à família Bolsonaro, dá a ele total responsabilidade pela vida e integridade do deputado”, acrescentou Gleisi. Porém, ela pediu a Wyllys que não deixe o país. “Temos que enfrentar o que está acontecendo, não podemos baixar a cabeça. Essa gente não pode ganhar no grito.”

Bolsonaro negou que comemorou a decisão do deputado do Psol em novo tuíte. “Fake News! Referi-me à missão concluída, reuniões produtivas com chefes de Estado, voltando ao país que amo, Bolsa batendo novo recorde na casa dos 97.000 e confiança no nosso país sendo restabelecida, isso faz de hoje um grande dia!”, escreveu o presidente.

Em texto na rede social, a deputada estadual do Rio Grande Sul Manuela D'Ávila (PCdoB), vice na chapa de Fernando Haddad à Presidência, se solidarizou com o amigo: "Difícil explicar a eles porque não suportamos a pretensa segurança dos carros blindados, das escoltas. Eles não sabem como lutamos pela nossa liberdade! Não sabem como o menino Jean 'apanhou' pra brilhar e para não morrer de fome. Não sabem que, se tivermos que andar com o vidro fechado, sem tomar o vento na cara, já morremos um pouco. E não queremos morrer nada!!!", escreveu.

"Para preservar sua vida, ele se viu forçado a despedir-se do Brasil e de sua vida pública, um gesto que evidencia que nossa democracia não é mais tão plena assim. A execução de Marielle Franco, o aumento dos crimes de ódio, o assassinato de Moa do Katendê, a perseguição e prisão injustas de Luiz Inácio Lula da Silva, o auto-exílio de Jean Wyllys: nuvens sombrias pairam sobre nosso país", diz a nota.

Vários artistas usaram as redes sociais para declarar apoio a Jean Wyllys. “Guerreiro. Amigo de tantas lutas, tantas dores, tantas vitórias. Me representa. A luta continua. É tudo tão inaceitável ser ameaçado de morte, sofrer retaliações, perder lugar de fala. Avante”, publicou a cantora Maria Gadú, 32, em sua conta no Instagra foto junto com o político e relembrou os anos de amizade:

Paulo Betti, Daniela Mercury, Camila Pitanga e vários outros artistas também se manifestaram em favor do parlamentar. "Recebi a notícia de seu autoexílio com espanto e profundo respeito. Muito amor a você, a sua caminhada. Mão estendida aqui sempre", afirmou Pitanga

“Jean, sim, nos representa lá fora com coragem, consciência e inteligência para muito além dos 6 minutos de fake news que iludiu os robôs. Ainda dá tempo de recobrar a consciência, gente! Ainda dá tempo de se proteger, Jean! Obrigado, amigo”, afirmou o ator Luis Lobianco.

O ator Jesuíta Barbosa republicou uma mensagem de David Miranda, suplente que vai assumir a vaga de Wyllys, com a mensagem “Amanhã vai ser um outro dia”. “Sai um LGBT e entra outro”, afirmou Miranda em sua mensagem direcionada ao presidente, Jair Bolsonaro: "segura sua empolgação", afirmava.

Paulo Betti também comentou a comemoração de Bolsonaro nas redes sociais: "Muito grave o presidente comemorar o autoexílio de um deputado federal eleito porque está sendo ameaçado de morte, existe comissão de ética para esse tipo de comportamento? Jean Willys tem minha total solidariedade!"

A deputada estadual eleita Janaína Paschoal, que é do partido de Jair Bolsonaro, saiu em defesa de Jean Wyllys.  "A renúncia é um ato pessoal, unilateral. Surpreende, mas um parlamentar tem direito a renunciar. No entanto, quando esse parlamentar noticia que a causa da renúncia é ameaça, penso ser imperioso investigar. Já não é uma situação pontual, atinge a Democracia", alerta a deputada mais votada da história do país, com mais de 2 milhões de votos. "Essa minha percepção independe de quem seja o parlamentar e de qual seja o partido. Não podemos achar normal o que aconteceu ontem."

Hienas

Parlamentares da base do presidente comemoraram nas redes sociais. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), soltou nota em que lamenta a decisão do deputado. “Lamento a decisão tomada pelo deputado Jean Wyllys. Como presidente da Casa, e seu colega na Câmara, mesmo estando em posições divergentes no campo das ideias, reconheço a importância do seu mandato. Nenhum parlamentar pode se sentir ameaçado, ninguém pode ameaçar um deputado federal e sentir-se impune", diz o texto. 

Deputados como Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSL-SP) e Carlos Jordy (PSL-RJ) foram ao Twitter para fazer piadas. 

"Se a vida da maioria dos brasileiros ainda está ruim, imagina pra quem cuspiu na cara do presidente!?", escreveu Sóstenes, que é um dos postulantes ao comando da bancada evangélica na Câmara, finalizando com dois "emojis" de gargalhada. 

Hasselmann publicou um vídeo em que mostra ter recebido uma cabeça de porco como ameaça, e afirma que o parlamentar do PSOL "teria um piti louco" se recebesse pacote semelhante. 

"Fico imaginando a reação de @jeanwyllys_real tivesse recebido um presentinho desses. Talvez sairia correndo aos gritos, arrancando os cabelos e dando um piti louco", escreveu a deputada, que almeja ser líder do PSL, partido de Bolsonaro.

Já Jordy afirmou que o parlamentar do PSOL quer se tornar "um novo Freixo", em relação ao deputado Marcelo Freixo (RJ), correligionário de Wyllys e que sofreu ameaças e anda com escolta.

"Jean Wyllys desiste do mandato de deputado federal e vai para fora do Brasil dizendo estar com medo de ameaças. Muito arriscada essa sua tentativa de se tornar um novo Freixo, hein? Melhor dizer que está pagando a promessa de Bolsonaro ser eleito. #TchauQuerida", afirmou Jordy. 

Frota foi outro que usou as redes sociais para ironizar o deputado da oposição: "Jean Willys partiu desistiu magoei achei que o Deputado fosse sentar ao meu lado… #voltajean rsrs", escreveu.

Mourão

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse nesta sexta-feira (25) que Jean Wyllys relatou as ameaças de forma genérica e que somente o parlamentar sabe dos problemas sofridos. Questionado sobre a decisão do deputado, o vice-presidente respondeu: “Não sei. Não estou na chuteira do Jean Wyllys. Ele é quem sabe qual é o grau confusão que ele está metido".

O vice ressaltou que ameaças a parlamentares são crimes contra a democracia. “Eu acho que quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia, porque uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião. Os parlamentares estão ali eleitos pelo voto, representam os cidadãos que votaram nele. Quer você goste, quer você não goste das ideias do cara, você ouve. Se gostou, bate palma. Se não gostou, paciência.”  

Mas Mourão diz acreditar que o melhor é esperar os próximos capítulos do caso. “Temos que aguardar quais são essas ameaças, porque ele falou de forma genérica. Quando a gente diz que está ameaçado tem que dizer por quem, como”, afirmou Mourão.

Para o vice-presidente, não se deve comemorar que um parlamentar da oposição ao governo desistiu do mandato, pois outro deputado contrário ao governo irá assumir a vaga.

Apoiadores do presidente nas redes sociais relacionaram a decisão do deputado do PSOL a uma suposta ligação com a investigação sobre o atentado ocorrido durante a campanha eleitoral.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro levaram a hashtag #InvestigarJeanWillis ao topo dos assuntos mais comentados do Twitter no Brasil. Influenciados pelo vereador Carlos Bolsonaro, e pelo cantor Lobão, os usuários tentam associar o deputado e seu partido, o Psol, a Adélio Bispo, autor da facada contra Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). Adélio foi filiado ao Psol.

Mourão, porém, disse que “em nenhum momento apareceu alguma coisa que ligasse um com outro”. Para descrever a atitude dos bolsonaristas, o vice-presidente usou a expressão em inglês wishful thinking, que se refere a desejos e ilusões.

Imprensa estrangeira

A mídia europeia ressaltou que o "primeiro deputado abertamente gay a ocupar um lugar no Congresso Nacional" e um dos mais destacados desafetos do presidente Jair Bolsonaro tomou a decisão por causa de ameaças de morte relacionadas ao clima de homofobia surgido na esteira da vitória do ex-militar.

O portal de notícias alemão Spiegel Online lembra que "o ex-oficial do Exército Bolsonaro, que repetidamente fez declarações anti-homossexuais, assumiu como presidente no início do ano. Quando era membro do Parlamento, ele e Wyllys se enfrentaram repetidamente". Lembra ainda que "quando Bolsonaro, em 2016, dedicou seu voto pela destituição da então presidente Dilma Rousseff a um torturador da época da ditadura militar brasileira, Wyllys cuspiu no rosto dele".

O veículo destaca que "a notícia da desistência de Wyllys desencadeou consternação entre os ativistas brasileiros que lutam pelos direitos de homossexuais e transexuais".

O site do jornal berlinense Der Tagespiegel critica que "Wyllys foi transformado pela campanha eleitoral de Bolsonaro na imagem do inimigo. Com isso, Bolsonaro queria mobilizar sua base direitista". A publicação prossegue afirmando que "dezenas de mentiras sobre Wyllys foram espalhadas na internet pelo círculo ligado a Bolsonaro: Wyllys seria um defensor da pedofilia. Wyllys estaria querendo proibir partes da Bíblia e ensinar as crianças na escola a serem homossexuais".

O jornal britânico The Guardian especula que a "saída [de Wyllys] provavelmente aumentará o temor da comunidade LGBT no Brasil de que a homofobia aumente ainda mais sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, o qual ganhou fama por sua notória homofobia". Mais adiante, a matéria lembra que "apesar da imagem do Brasil como uma nação inclusiva, que abriga a maior parada gay do mundo, há homofobia desenfreada e muitas vezes violenta." O veículo cita estatísticas. "Em 2017, pelo menos 445 brasileiros LGBT morreram vítimas de homofobia – um aumento de 30% em relação a 2016."

O jornal espanhol El País destaca as mensagens em clima de celebração publicadas no Twitter pelo presidente e por seu filho, Carlos, no mesmo dia em que a notícia foi divulgada. "Depois do anúncio de Wyllys nesta quinta-feira, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, escreveu no Twitter: 'Vá com Deus e seja feliz!'", relata a publicação.

"Por sua parte, Jair Bolsonaro, depois de dizer que estava regressando de Davos, publicou na rede social: 'Grande dia!'. Muitos internautas interpretaram as mensagens como uma referência à decisão de Wyllys e o denunciaram nas redes. Depois, ambos os políticos voltaram a publicar mensagens em que desmentiam tal interpretação”, frisa o diário.

O jornal português Público também noticiou a renúncia do parlamentar do PSol, lembrando que "assumidamente gay, Wyllys é um dos mais vocais críticos da agenda política do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o que lhe tem valido ser alvo de sucessivas campanhas de difamação e de fake news". O periódico lembra que "num dos casos, foi acusado pelo também deputado Alexandre Frota, próximo de Bolsonaro, de fazer apologia da pedofilia. Acabou por levar Frota a tribunal e vê-lo ser condenado por difamação".

Herdeiro

O lugar de Jean Wyllys na futura bancada do Psol na Câmara será ocupado pelo jornalista e vereador carioca David Miranda. Negro, homossexual, de origem periférica, Miranda se tornou o primeiro suplente da coligação "Mudar é possível", composta por PSOL e PCB, ao obter 17.356 votos.

Casado com o jornalista americano Glenn Greenwald – que revelou o esquema de espionagem dos Estados Unidos descoberto por Edward Snowden em 2013 – ele disputou a primeira eleição em 2016. Foi eleito para a Câmara dos Vereadores do Rio.

Em sua biografia na página oficial do Facebook, ele se apresenta como "o primeiro vereador assumidamente LGBT" do Rio. "David Miranda é cria do Jacarezinho, negro, favelado e LGBT. Nunca conheceu seu pai e aos 5 anos ficou órfão de sua mãe", diz o texto.

Na quinta, Miranda mandou um recado ao presidente Jair Bolsonaro. Pelo Twitter, cobrou respeito ao colega Jean Wyllys e prometeu forte oposição. “Respeite o Jean, Jair, e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho. Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em Brasília”, escreveu o vereador. Foi uma resposta a outra mensagem, de apenas duas palavras, publicada instantes antes por Bolsonaro: “Grande dia!”.

O comentário do presidente foi interpretado por parte dos seguidores nas redes sociais como uma provocação a Jean Wyllys. Um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) também publicou uma mensagem interpretada nas redes como provocação a Jean: “Vá com Deus e seja feliz”. Depois, ele sugeriu que o recado era para seu pai, que estava embarcando em Davos, na Suíça, com destino ao Brasil.

Em seguida, Carlos ironizou a interpretação feita por críticos de Bolsonaro de que ele havia tripudiado sobre Jean Wyllys. “O presidente está proibido de dizer “GRANDE DIA !”, após importante passagem por Davos! O nível de desespero devido a tantas derrotas consecutivas os levam a pirar nas próprias narrativas que inventam! Meu Deus.”

Jair Bolsonaro voltou, na sequência, ao Twitter para chamar de "fake news" qualquer interpretação de que havia comemorado a decisão de Jean Wyllys de deixar o Brasil. "Fake News! Referi-me à missão concluída, reuniões produtivas com Chefes de Estado, voltando ao país que amo, Bolsa batendo novo recorde na casa dos 97.000 e confiança no nosso país sendo restabelecida, isso faz de hoje um grande dia!   ", publicou, referindo-se a uma reportagem do site do Globo que fazia associação entre as duas coisas.

Preocupação

Em nota, a AJD (Associação Juízes para a Democracia) manifestou preocupação com a decisão de Jean Wyllys de deixar a vida pública. E exigiu do Ministério da Justiça providências que garantam a integridade física de qualquer parlamentar que seja alvo de ameaças.

"Não há verdadeira democracia sem respeito aos partidos e aos parlamentares de oposição, a suas manifestações, suas opiniões e à integridade física. Qualquer ameaça ou intimidação visando constranger ou calar a oposição deve ser prontamente rechaçada pelas instituições democráticas".

Civilização ou barbárie

Jean, que sempre recebeu ameaças de morte por conta de sua atuação parlamentar em defesa da população LGBTT e dos direitos humanos, sentiu sua situação piorar após a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes e das eleições do ano passado.

O deputado, que vive sob escolta policial, disse em entrevista ao jornalista Carlos Julianos Barros, que pesou na decisão as informações de que familiares de um policial militar suspeito de chefiar uma milícia no Rio de Janeiro trabalhavam no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. "O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim", disse.

Você, leitor, não precisa gostar de Jean Wyllys ou concordar com ele para entender que uma democracia pressupõe a garantia que pessoas não sejam ameaçadas de morte por aquilo ou por causa daqueles que defendem. Principalmente quando essas pessoas são políticos eleitos pelo voto popular para falar em nome de uma parcela dos cidadãos no Congresso Nacional. Porque, quando isso acontece, não é apenas o representante que está sendo expulso pelo clima de terror contra ele, mas é a opinião de cada eleitor e eleitora que está sendo amordaçada e violentada.

Uma democracia incapaz de investigar com rapidez e seriedade as ameaças de morte contra um congressista é perigosa. Uma democracia em que uma desembargadora divulga ameaças de morte contra um deputado federal nas redes sociais é disfuncional. Uma democracia em que políticos ironizam um parlamentar que deixa o país com medo de morrer é ridícula.

Não é possível deixar de sentir uma certa vergonha alheia com relação às autoridades que afirmam, com peito estufado, que as "instituições estão funcionando normalmente". Qual o referencial histórico que adotam para tal avaliação? O Ato Institucional número 5 do Brasil de 1968? A Noite dos Cristais da Alemanha de 1938?

Nosso país sempre matou seus pobres, suas mulheres, seus negros, suas minorias em direitos, seus sem-terra e sem-teto, seus trabalhadores rurais, seus ativistas, seus jornalistas, seus políticos e qualquer um que resolvesse se insurgir contra a desigualdade e a injustiça social. No ano passado, contudo, inauguramos um novo ciclo de violência política. Marielle Franco e Anderson Gomes foram executados em março. Os ônibus da caravana do ex-presidente Lula foram alvos de tiros no mesmo mês. O então candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado em setembro que quase lhe custou a vida. Em outubro, o mestre capoeirista e compositor Moa do Catendê foi esfaqueado e morto por um eleitor de Bolsonaro após uma discussão. Isso não resume a violência, claro.

Esse ciclo encomenda mortes, mas também permite que elas aconteçam, através da omissão e do incentivo.

Em "Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal", a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não possuía história de preconceito aos judeus e não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, ascenderia na carreira e seria reconhecido entre seus pares por isso. Cumpria ordens com eficiência, sendo um bom burocrata, sem refletir sobre o mal que elas causavam.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-la em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Quis ela explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o "mal" se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência. Já fiz essa reflexão sobre o livro aqui, mas é pertinente retomá-lo neste momento.

Líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal. Ou, melhor dizendo, "necessário". Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, praticamente em uma missão divina.

Os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológico são a corja da sociedade e agem para corromper os valores, tornar a vida dos outros um inferno e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do "bem".

Jean Wyllys foi vendido, ao longo dos anos, como uma dessas pessoas descartáveis, que ameaçam a existência de "homens e mulheres de bem". Nesse sentido, o agressor pode ser qualquer um.

A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie. Com o exílio de Jean Wyllys por medo de morrer, a barbárie marca mais um ponto.


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