18/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Não vamos sair de jeito nenhum, afirmam Guarani Kaiowá ameaçados de despejo iminente em Laranjeira Nhanderu

Publicado em 18/12/2018 12:00 -

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Pressionada pela Justiça e pela Polícia Federal, a comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Laranjeira Nhanderu afirma que está decidida a resistir ao despejo de parte de seu acampamento, determinado pela Justiça Federal de Dourados no dia 9 de novembro e reafirmado pela segunda instância em dezembro.

“Nós não negociamos nada para sair daqui. A saída nossa é só para o cemitério. Esperamos que a Funai faça alguma coisa para nós não sairmos daqui. Se for o caso, nós vamos esperar a polícia, mas não vamos sair. Estamos dispostos a ficar”, afirma o cacique Taperýgua, liderança do novo acampamento no município de Rio Brilhante (MS) que corre risco de despejo.

No final de outubro, parte da comunidade Laranjeira Nhanderu estendeu a retomada já estabelecida na área de reserva legal da fazenda Santo Antônio da Boa Esperança para a sede da propriedade, que incide sobre a terra tradicional reivindicada pelos indígenas.

A decisão da primeira instância mantém aos indígenas o direito de permanecer na reserva de mata da fazenda, mas determinou que eles deixassem as demais áreas em 72 horas, sob pena de multa diária de dez mil reais à comunidade.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu à segunda instância, mas na semana passada o Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3) manteve a decisão de despejar parte da comunidade, e reduziu a multa diária de dez para mil reais. A Funai busca novo recurso para suspender o despejo.

No dia 12 de dezembro, logo após a nova decisão, lideranças da nova retomada foram a uma reunião na delegacia da Polícia Federal de Dourados, onde foram comunicadas que seria dado início ao procedimento de reintegração de posse, com solicitação de efetivo policial para cumprir a ordem judicial. Na reunião, os Guarani Kaiowá pediram à polícia mais dez dias de prazo.

Risco de conflito e receio de ameaças

Presentes na reunião, o fazendeiro e o arrendatário afirmaram que os indígenas estão impossibilitando o tratamento do gado criado na fazenda, o que os indígenas negam.

“Por nós, eles podem cuidar o gado, nós nunca impedimos”, rebate Kunha’í Rendý’i. “Só que nós somos seres humanos, também somos importantes. Meu pai morreu aqui, em Laranjeira Nhanderu. Isso aqui sempre foi nosso e o fazendeiro nem mora aqui. Nós precisamos desse espaço para sobreviver, para ter o nosso alimento”.

“O pessoal daqui não volta mais lá para o mato”, resume o cacique Taperýgua. Ele relembra o despejo de que a comunidade foi vítima oito anos atrás. Arrancados da área de mata que haviam ocupado, para a qual retornaram depois, passaram quase um ano vivendo de forma ainda mais precária às margens da rodovia mais próxima.

“Nós não estamos com medo, estamos preocupados. Quando nos tiraram daqui, em 2010, levaram muita bala de borracha, cachorros, bombas para soltar na gente. Teve muita gente que foi machucada. A gente não tem medo, mas está preocupado, porque tem crianças e pessoas de idade aqui”, explica ele.

São cerca de 38 famílias e aproximadamente 80 pessoas que correm risco de serem despejadas nos próximos dias. Nos vinte barracos erguidos na nova área da retomada, os Guarani Kaiowá afirmam que vivem pelo menos 34 crianças.

Entre os idosos, há anciões e anciãs – “nossos historiadores”, como a comunidade os chama – que resguardam a narrativa sobre a origem e a expulsão dos indígenas do tekoha Laranjeira Nhanderu.

“Eu nasci aqui, cresci aqui. A gente vivia aqui, mas os fazendeiros foram chegando e expulsando a gente para o outro lado do rio. Passou um tempo e nós voltamos, e na área que a gente plantava nossa roça só tinha os bois comendo pasto. Voltamos aqui para retomar a nossa área”, relata dona Maria Fernanda, uma das nhandeci da aldeia, com 98 anos de idade, e cujo nome em Guarani é Boý Poty Ryakuã’y.

Rezadores da comunidade, como Ava Kuara’hy Rendý’i, de 74 anos, lideram as rezas que os indígenas têm feito para que o despejo seja suspenso.

“Os fazendeiros não sabem o que estão fazendo, eles judiam muito da gente. Nós vamos rezar essa semana para que não nos tirem de novo do tekoha e não nos coloquem de volta para a beira da BR”, afirma o ancião.

Sobrevivência e autonomia

Além de reivindicar a demarcação da área, a comunidade afirma que decidiu ampliar a retomada porque se tornou insustentável permanecer apenas na área de mata da fazenda, onde os indígenas não podem plantar e, em grande número, acabam dependendo de cestas básicas irregulares e insuficientes para sobreviver.

Por isso, uma das primeiras medidas dos Kaiowá após estabelecerem a nova ocupação foi plantar ramas de mandioca e de feijão.

“No mato não dava para plantar. Nós mesmos lutamos tanto para manter a pouca mata que tem preservada, não vamos destruir as árvores. Sabemos que elas têm seus donos, os Ka’aguy Jarý, e temos que respeitar”, explica a indígena Kunha Potý’i.

“Lá dentro a gente vivia só de cesta básica, que às vezes vem com 40 dias, às vezes com 60 dias, às vezes até mais, e é pouco, não dá para a família passar o mês. Com a plantação nossa, não ficamos dependendo de ninguém”, complementa o cacique Taperýgua.

Outra reclamação dos indígenas é que, na área de reserva legal da fazenda, o único caminho de acesso para serviços básicos como educação e saúde, além da própria Funai, era por meio de outra fazenda – cujo proprietário, com frequência, impedia a passagem dos indígenas e dos órgãos assistenciais, mesmo contrariando decisão judicial.

Agora, a comunidade passa a ter autonomia para transitar na área, cuja demarcação foi incluída no Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai em 2007. Apesar de não ter avançado oficialmente desde então, os estudos em área já foram concluídos e o relatório de identificação e delimitação, segundo informações da Funai, encontram-se em estágio bastante avançado.

“A gente não vai sair daqui de jeito nenhum. Nossas historiadoras disseram que não vão sair, que nasceram aqui e vão morrer aqui mesmo. Já cansamos de esperar por demarcação, são onze anos lutando. Não queremos mais fome, precisamos sobreviver”, afirma Kunha Potý’i.


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