29/03/2024 - Edição 540

Cultura e Entretenimento

Letras femininas

Publicado em 20/01/2022 12:00 -

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Quem nunca ouviu o discurso raso de que falar exclusivamente em literatura feminina, literatura negra, literatura indígena ou literatura LGBTQIA +, é uma forma de segregação literária? Ou que, a criação de uma data específica para celebrar a mulher negra, é segregação racial?  As típicas combinações de palavras pensadas exatamente para enfraquecer os movimentos de visibilidades de determinados grupos sociais.

Cá estamos hoje, para olhar, celebrar e anunciar a produção literária feminina que não deixa a desejar no Mato Grosso do sul. É um verdadeiro mulherio impulsionando a literatura do nosso estado. Seja escrevendo, fortalecendo coletivos femininos, contribuindo para que novas escritoras e novos escritores se descubram, ou conquistando prêmios de editais, elas estão a todo vapor. E por falar em mulherio, é importante conhecer as mulheres que levam a literatura sul-mato-grossense para o coletivo feminista ‘Mulherio das Letras’ através de publicações que compõem as coleções l, ll e lll do Coletivo, em nível nacional. São elas: Na coleção l, Diana Pilatti com o livro “Palavras Avulsas”; Na coleção ll, Diana Pilatti com “Palavras Póstumas”, Tânia Souza com “Entre as rendas dos ossos e outros sonhos desabitados” e Eva Vilma com “Incandescente”; Na coleção lll, Diana Pilatti com "Haicai e outros poemínimos", Tânia Souza com “Microficções e outras fantasmagorias poéticas”, Joseane Francisco com "Vozes em mim", e Adrianna Alberti com “As Cores na Ponta da Língua”. 

“Estar com outras mulheres da literatura trouxe uma energia nova ao meu coração. Em 2020, a I Coleção de Livros de Bolso do Mulherio das Letras foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria ‘Inovação: Fomento à Leitura’. Parece um sonho, mas eu estava lá e não estava só e jamais estarei. Acredito no poder do coletivo e na força das mulheres. Estamos na terceira coleção e agora temos quatro autoras representando Mato Grosso do Sul”, diz Diana Pilatti.

“Agora somos nós escrevendo por nós mesmas, mulheres de luta que somos! A parceria com outras mulheres da nossa literatura me fortalece enquanto mulher, feminista e escritora. Como trago em um de meus poemas ‘somos retalhos di/versos – poesia nasce da comunhão com a/o outra/o’”, reforça Eva Vilma.

“Eu escrevo há alguns anos, mas participar do Mulherio das Letras intensificou o sentimento de pertencimento, de não precisar exatamente de uma ‘autorização’ para escrever”, afirma Tânia.

“Eu escrevo há algum tempo, mas não publicava, foi à convite de minha amiga e incentivadora Tânia Souza que pude participar da Coleção III do Mulherio das Letras com minha primeira publicação. Sinto-me muito feliz e honrada por pertencer a esse universo do Mulherio”, diz Joseane Francisco.

Projetos e ações poéticas

Para além do movimento de suas próprias produções essas mulheres das letras também vêm pensando maneiras de incentivar o surgimento de novas escritoras e escritores. A exemplo disso, dois projetos foram desenvolvidos em 2021, ambos em escolas públicas de rede municipal de ensino. A escritora Clúcia Andrade desenvolveu o projeto “Leitura de poemas e algumas prosas de escritores sul-mato-grossenses” com estudantes do 5° ano da escola Municipal Oliva Enciso, entre os meses de março a novembro de 2021. Foram apresentadas/os à turma dezessete escritoras/es sul-mato-grossenses, sendo elas e eles: Tânia Souza, Nena Sarti, Iolete Moreira, Elisabeth Fonseca, Eva Vilma, Ileides Muller, Leila Aparecida, Mara Calvis, Carmem Lúcia, Américo Calheiros, Elias Borges, Ruberval Cunha, Fábio Gondim, Darci Cunha, Alex Domingo, Manoel de Barros e Paulo Robson. A partir de leituras e declamações e trocas de vídeos com as escritoras e escritores, as/os estudantes sentiram-se inspiradas/os a produzirem seus próprios poemas e prosas que resultou num livro intitulado “Tecitura do olhar – entre versos e prosas” publicado pela Life Editora. Clucia Andrade também é uma das premiadas na categoria Literatura da Lei Aldir Blanc lll.

Já Eva Vilma, escritora e professora, desenvolveu o projeto “Criançaria Literária” entre os meses de abril a dezembro de 2021, com estudantes do 2° ano do Ensino Fundamental, da escola Municipal Abel Freire de Aragão, que tiveram a oportunidade de conhecer os trabalhos e conversar, através de encontros virtuais e presenciais, com escritoras e escritores brasileiros. Entre elas e eles: Clucia Andrade, Thiago Moura, Mara Calvis, Danielle Ferreira, Eva Vilma, Tânia Souza e Ciro Ferreira (todos do MS), Letícia Ribeiro, Marina Andrade e Marisa Andrade, de Brasília. O resultado destes encontros foram produções de contos infantis que viraram livretos individuais e uma produção coletiva intitulada “Eu brinco, tu brincas, nós brincamos, Trava-línguas fabricamos”, inspirado nos encontros com Ciro Ferreira, autor de Trinta Trava-línguas Triturados”.

Nos Editais e concursos literários do estado, as mulheres também vêm registrando suas histórias. Basta lembrar que, dos trinta trabalhos literários premiados pela Lei Aldir Blanc lll, dezessete são de mulheres, sendo que os dois primeiro lugares foram para Gleycielli Nonato, escritora indígena, residente em Coxim, e Mariana Santos Lemes.

Gleyciel destaca a importância da literatura feminina no Estado. “Me senti forte quando vi meu nome premiado em primeiro lugar em literatura na lei Aldir Blanc. O livro ‘Vila pequena causos, contos e lorotas’ foi a obra premiada, mas o que de fato me fortalece é poder dizer com orgulho que essa obra foi escrita por uma mulher, pantaneira e guató”.

Alguns poemas

Para além do Mulherio

Para além do ‘Mulherio das Letras’ há mulheres produzindo literatura de qualidade em MS. É o caso da produtora, atriz e escritora Ligia Prieto, que usa suas redes sociais como ponto disseminador de micro-crônicas e poemas. Para ela, Mato Grosso do Sul é um estado prioritariamente machista com base econômica voltada principalmente para a produção rural, e ser escritora aqui é como “adubar a terra com novas possibilidades de história e luta”.

“Um dos estados que mais mata mulheres e a comunidade LGBTQIA+ do país. Uma terra que implora por novos afetos e construções, que ao mesmo tempo que carrega sangue convida a fertilidade. Somos necessárias, somos resistência, e abrimos as portas das nossas dores pra que o solo nos escute, e para que os dias sejam leves, a medida do possível”, diz.

Outra poetisa de peso atuando na cena poética sul-mato-grossense é a jovem professora Raquel Medina. Mestre em Letras pela UFMS, escreve poemas desde a infância. Ainda não possui livro publicado, mas sua produção permeia as redes, sempre com muita qualidade, e já participou de diversas antologias e concursos.

“São muitas as questões históricas que tentaram silenciar e arrancar os espaços de atuação feminina em várias esferas sociais, inclusive no âmbito cultural. Por isso, para falar da literatura feita por mulheres, é importante considerar essa realidade histórica e as dificuldades que ela impõe. Mesmo assim, a escrita feminina constrói seu espaço, ratificando sua força e beleza de sempre. Em Mato Grosso do Sul, observamos como a poesia se mostra à flor da palavra em suas diversas faces: densa e delicada; afiada e pontiaguda; antologia de afetos agridoces e despertares. A produção poética feminina no estado reconfigura a cena da literatura, que, durante muito tempo, era tomada pela figura masculina. No corpo da mulher, a poesia se gesta”, reflete Raquel.


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