19/04/2024 - Edição 540

Povos da Terra

ONU cobra explicação do governo Bolsonaro sobre ameaça a indígenas na COP26

Publicado em 28/04/2022 12:00 - Jamil Chade - UOL

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Relatores da ONU cobraram explicações do governo de Jair Bolsonaro sobre intimidações e ameaças sofridas por representantes indígenas que participaram da Conferência da ONU sobre o Clima, em Glasgow em novembro de 2021 (COP26).

O governo foi acusado de ter incluído em sua delegação membros da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar ONGs e ativistas de direitos humanos durante a COP25, em 2019, em Madri.

Agora, os protestos internacionais se referem às intimidações sofridas por membros da delegação de indígenas. Durante a COP26, um dos objetivos do governo era a de se apresentar como um parceiro legítimo nas negociações e proliferou promessas de redução de desmatamento. Bolsonaro, porém, foi um dos raros chefes de estado a não viajar até a Escócia. Questionado pela coluna sobre a ausência, ele apenas disse: "não te devo satisfação, rapaz".

A delegação oficial do país que foi até Glasgow foi deixou de fora indígenas, ativistas de direitos humanos e ONGs, dando lugar aos representantes da Confederação Nacional da Agricultura e do setor industrial.

Segundo o documento dos relatores da ONU, um dos principais casos de intimidação na Conferência foi o de Alessandra Korap Munduruku, indígena e defensora de direitos humanos. Ela é a coordenadora da Associação Indígena Pariri na região Tapajós Itaituba.

A carta, de 18 de fevereiro de 2022, foi assinada pelos relatores Mary Lawlor, David R. Boyd, Irene Khan e José Francisco Cali Tzay.

"Durante a Conferência (em Glasgow), ela, juntamente com outros líderes indígenas, denunciou a invasão de corporações em territórios indígenas, incluindo projetos de mineração e hidroelétricas, bem como a falta de proteção do Estado, e seu fracasso na demarcação de territórios indígenas", disse a carta.

"Durante a COP26, a Sra. Munduruku e outros ativistas indígenas receberam ameaças e foram intimidados depois de denunciarem grandes corporações e o governo brasileiro", afirmou.

Na Conferência em Glasgow, Munduruku teria sofrido "uma reprimenda agressiva por parte de um indivíduo não identificado que questionava que os povos indígenas estavam "misturando política e meio ambiente".

A carta lembra que os seguranças no evento tiveram que intervir e pedir ao homem para deixar o local do evento.

Os ataques, porém, continuaram depois de Glasgow, Ao retornar à sua comunidade, ela sofreu ameaças e intimidações, incluindo o roubo e vandalização de sua casa, o que a forçou e sua família a se mudarem para garantir sua segurança.

Em 10 de novembro de 2021, a eletricidade da casa da ativista foi cortada por um representante do fornecedor de energia local, supostamente por razões de manutenção. "Embora sua eletricidade tenha sido restaurada posteriormente, o incidente foi tão incomum que provocou temores pela segurança da Sra. Munduruku e de sua família. Por esta razão, eles deixaram sua casa para ficar com um amigo", explicaram os relatores.

Dois dias depois, sua casa assaltada e vandalizada. "Os perpetradores roubaram cartões de memória de câmeras de segurança, documentos e dinheiro. Acredita-se que o roubo foi motivado politicamente e como tal foi reportado à Polícia Federal que inspecionou sua casa em 13 de novembro de 2021", destaca o documento, que indica que os resultados da inspeção policial e da investigação ainda não são conhecidos no momento do envio da carta.

Aquele não era o primeiro ataque contra ela. A indígena sofreu uma invasão de sua casa em 2019, depois de ter denunciado invasões nos territórios Munduruku, incluindo projetos de mineração. Naquela época, documentos e relatórios foram roubados e nenhuma prisão foi feita.

Os indícios de que ela estaria sendo alvo de um monitoramento continuaram. De 18 a 20 de dezembro de 2021, a ativista participou da Assembleia Geral dos Povos Munduruku. Durante o evento, ela foi informada que uma mulher havia procurado informações sobre ela antes do roubo de sua casa.

Entre 25 e 26 de dezembro, o marido da indígena foi seguido por quatro homens vestidos à paisana em um carro preto durante a noite. A própria ativista também havia sido seguida anteriormente por uma van preta.

"Queremos expressar nossa preocupação com as acusações", disseram os relatores. "Em particular, estamos preocupados com as alegações de atos de intimidação durante a participação da Sra. Munduruku na COP26 da ONU e com os incidentes que se seguiram ao seu retorno", alertaram.

"Dado o trabalho contínuo de defesa da Sra. Munduruku, particularmente sua posição como Coordenadora da Associação indígena Pariri da região Tapajós Itaituba, estamos preocupados com o risco contínuo de ameaças, intimidações e ataques", insistiram.

Segundo eles, se confirmados, os atos ocorrem num contexto mais amplo de intimidação, ameaças e ataques contra aqueles que defendem os direitos dos Povos Indígenas Munduruku no Estado do Pará, bem como dos Defensores dos Direitos Humanos no Brasil de forma mais ampla.

Na carta, os relatores pediram que o governo forneça "informações sobre as medidas tomadas para proteger a Sra. Munduruku, incluindo o progresso na investigação da Polícia Federal sobre a invasão da casa da Sra. Munduruku".

A entidade ainda pede que o governo indique quais medidas foram tomadas para assegurar que os defensores dos direitos humanos no Estado do Pará, particularmente aqueles que trabalham com os direitos dos povos indígenas e com o meio ambiente, possam operar num ambiente propício e "possam realizar suas atividades legítimas sem medo de assédio, intimidação, estigmatização ou criminalização de qualquer tipo".

A coluna apurou que o governo brasileiro respondeu ao pedido dos relatores apenas no dia 19 de abril de 2022, mais de dois meses depois da cobrança dos relatores.

Procurado, o Itamaraty informou que "o Brasil reconhece e valoriza o papel dos procedimentos especiais das Nações Unidas na promoção dos direitos humanos, no compartilhamento de boas práticas e na elaboração de recomendações aos Estados membros".

"Em 19 de abril, por meio da Delegação Permanente em Genebra, o governo brasileiro transmitiu resposta à carta de relatores especiais solicitando informação sobre supostas ameaças e intimidações sofridas pela senhora Alessandra Munduruku durante e após sua participação na COP26", reconheceu a chancelaria.

"No documento, o Governo brasileiro informa que o Ministério Público Federal tem promovido a instauração de procedimentos específicos, requisitado a instauração de inquéritos policiais e mantido intensa articulação com associações e representantes que relatam ameaças na região onde atua a senhora Alessandra Munduruku, diz.

"No que concerne às medidas adotadas especificamente para proteger Alessandra Munduruku, destaca-se que foi instaurado inquérito policial, com o objetivo de apurar possível ocorrência prevista no artigo 155, § 4º , I, do Código Penal, bem como outras que porventura possam ser constatadas no curso da investigação, em decorrência do fato noticiado pela indígena", explicou.

"A investigação, que se encontra sob segredo de justiça, é conduzida conjuntamente pela Procuradoria da República em Santarém e pela Delegacia de Polícia Federal naquela cidade. O Ministério Público tem exercido controle externo da atividade policial e instado à célere conclusão do feito", completou o governo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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