19/04/2024 - Edição 540

Povos da Terra

Sobrevoo flagra desmatamento e invasões de terra de indígenas isolados

Publicado em 02/12/2021 12:00 - Oscar Valporto - #Colabora

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Dossiê elaborado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), com apoio de organizações parceiras, denuncia que o desmatamento intenso e a invasão acelerada, inclusive com cabeças de gado, da Terra Indígena Piripkura, em Mato Grosso, território onde vivem indígenas isolados. Somente em 2020 e 2021, foram desmatados 2.361,5 hectares, de acordo o com sistema de monitoramento independente do Instituto Socioambiental (Sirad), que usa dados do Prodes, do Inpe.

A apresentação do dossiê marcou o lançamento da campanha #IsoladosOuDizimados, que busca recolher assinaturas para pressionar o governo a renovar as portarias da Funai que protegem a TI Piripkura, e também as terras indígenas Pirititi (RR), Jacareúba/Katawixi (AM) e Ituna/Itatá (PA). “Este dossiê é um diagnóstico, mas principalmente uma denúncia sobre a escalada de invasões, desmatamento e degradação florestal que a Terra Indígena Piripkura vem sofrendo, e que alcançaram um patamar inédito no último biênio”, afirma o documento.

O dossiê inclui imagens aéreas — de sobrevoo realizado em outubro — que permitem ver pista de pouso, estradas, tratores e caminhões dentro da TI Piripkura e lembra que a importância do território ocupado ancestralmente por indígenas isolados. “Trata-se da casa de Tamanduá e Baita, dois indígenas isolados. Remanescentes conhecidos do povo indígena Piripkura, sobreviventes de um massacre de madeireiros nos anos 1980, eles enfrentam uma investida feroz da grilagem contra seu território, um oásis de floresta em meio à aridez da pecuária e da monocultura”, destaca o documento.

A TI Piripkura é habitada por um grupo de indígenas isolados, localizado na região entre os rios Branco e Madeirinha, afluentes do rio Roosevelt (MT). O dossiê lembra que já foram contatados três indígenas, e existem indícios de mais um grupo sem contato de cerca de 17 pessoas. Dos três indígenas contatados, dois (conhecidos como Tamanduá e Baita) vivem em isolamento voluntário na TI Piripkura.

Rita Piripkura, única mulher conhecida desse povo, fugiu do território após massacres de parentes e vive atualmente em Rondônia, junto aos Karipuna, no Pará. “Não tem mais Funai, aqui e nem lá na minha terra , não tem mais Funai. A floresta é do índio, mas o homem branco vem e derruba tudo, para pegar madeira e colocar boi. Acabam com todo o mato. É uma gente que derruba tudo para colocar porteira”, afirmou Rita em depoimento para o dossiê.

O documento denuncia a intensificação do desmatamento e das invasões a partir de março de 2020. Após um ano de protestos, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou uma operação de fiscalização entre os dias 22 e 25 de junho de 2021, que resultou em apreensões e multas. “Assim que a operação de fiscalização do Ibama terminou, o desmatamento voltou a ocorrer na TI Piripkura. E, com o início do período seco, as queimadas também tomaram conta da TI. Estas queimadas terminam com a limpeza do terreno, convertendo a floresta em pastagem”, aponta o dossiê.

Para reforçar as análises dos satélites, o Instituto Socioambiental (ISA), parceiro da iniciativa, promoveu um sobrevoo no fim de outubro. “Aquela área que nós sobrevoamos, é uma área nova, uma expansão dessa atividade para a pecuária, já exploraram as madeiras que agregam valor comercial para fazer exportação nesse estado ou externamente. E agora para fazer plantio de capim, para colocar gado ali dentro”, explica Elias Bigio, ex- coordenador-Geral de Índios Isolados e Recém-Contato (Cgiirc-Funai).

O processo de demarcação da TI Piripkura se arrasta desde 1985, ano em que a Funai constituiu um Grupo Técnico para identificar o território. As pesquisas de campo e estudos antropológicos produzidos nos últimos 30 anos pela Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha e pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), da Funai1 , demonstram que os Piripkura possuem uma territorialidade específica, culturalmente determinada, com referências geográficas bem definidas. Para proteger a TI Piripkura, a Funai editou diversas Portarias de Interdição ou Portarias de Restrição de Uso, fundamentadas em decreto de 1996 que estabelece que a Funai poderá “disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros nas áreas em que se constate a presença de isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção desses indígenas”.

Mas as leis de proteção às terras indígenas vêm sendo ignoradas no governo Bolsonaro. “A Terra Indígena Piripkura está se transformando, a passos largos, em um imenso pasto para rebanho bovino. E as medidas aplicadas pelo Estado brasileiro para conter a invasão são ineficazes e insuficientes. O panorama apresentado neste dossiê comprova a velocidade da destruição e alerta que, se a “boiada” não for paralisada agora, a Terra Indígena Piripkura pode perder toda sua vegetação em poucos anos”, alerta o documento.

Outra estratégia utilizada pelos invasores para expandir suas propriedades ilegais dentro do território indígena, apontada pelo dossiê, é a escalada de inscrições irregulares do Cadastro Ambiental Rural (CAR). De acordo com o levantamento realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) sobre o CAR e os Planos de Manejo Florestal na região da TI Piripkura, existem 15 fazendas em atividade sobrepostas à Terra Indígena Piripkura.

Como tudo pode ficar pior, a portaria em vigor protegendo o território dos Piripkura perde a validade em março de 2022. Por isso, o dossiê sobre a terra indígena faz parte da campanha “#IsoladosOuDizimados”, que alerta para o risco também de outros três povos indígenas isolados caso o governo federal não tome providências legais para a proteção dos territórios. Até janeiro de 2022, as Terras Indígenas Pirititi (RR), Jacareúba/Katawixi (AM) e Ituna/Itatá (PA) – todas com a presença de povos isolado – estarão desprotegidas, pois os dispositivos que garantem sua sobrevivência, as Portarias de Restrição de Uso, vão vencer.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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