26/04/2024 - Edição 540

Conexão Brasília

Os dois modos de operar do governo Jair Bolsonaro

Publicado em 24/11/2021 12:00 - Rafael Paredes

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Até o caos tem alguma lógica e organicidade. O governo do presidente Jair Bolsonaro é desesperadamente desorganizado. Talvez por isso o país ainda respire, mesmo com dificuldades. O Poder Executivo só ainda não foi mais destrutivo por incompetência. Contudo, mesmo assim, na loucura, ainda há método.

Vejamos dois exemplos evidentes: a PEC do Voto Impresso e a PEC dos Precatórios. Essas duas Propostas de Emenda à Constituição demonstram como o governo do presidente Jair Bolsonaro opera em relação às suas pautas prioritárias na Câmara dos Deputados. São dois métodos: o político-orçamentário e o ideológico-digital.

A PEC do Voto Impresso foi levada para o Plenário da Câmara pelo deputado Arthur Lira com o objetivo de encerrar essa polêmica artificialmente criada pelo presidente Jair Bolsonaro. O presidente da República começou a questionar a confiabilidade do voto  nas urnas eletrônicas quando as notícias econômicas começaram a tomar o imaginário popular mais que a própria pandemia. A culpa pela inflação em dois dígitos, o preço do gás, da gasolina, dos alimentos começou a ser imputada ao presidente. Ele lançou a isca do voto impresso, os robôs bombaram a falsa polêmica nas redes sociais e seus fiéis seguidores fizeram o resto.

Mais de 220 deputados votaram favoravelmente a essa barbaridade. Muitos assumidamente pressionados pelas centenas de ligações telefônicas em seus gabinetes e comentários em suas redes sociais. Esse é o modo ideológico-digital, que só serve para assanhar e mobilizar os fiéis seguidores e usar uma cortina de fumaça para esconder o Brasil real. Essa estratégia é coordenada diretamente pelo presidente da República, pelos seus filhos políticos e pelo grupo ideológico de ministros e ex-ministros, como é o caso do Abraham Weintraub, Ricardo Salles e Ernesto Araújo.

Apesar da votação expressiva, a PEC que propunha a impressão de votos foi derrotada e hoje ninguém fala mais nisso. Até Bolsonaro já afirmou que passou a confiar na urna eletrônica. Típico das falsas polêmicas.

Porém, há no governo e também na Câmara dos Deputados agentes preocupados com política de verdade. No caso: política eleitoral. Para este fim o exemplo mais didático é a aprovação que aconteceu na Câmara dos Deputados no último dia 09. No segundo turno de votação, 323 deputados votaram pela aprovação da esdrúxula PEC dos Precatórios. Sem ligações no gabinete, sem robôs nas redes sociais e sem o presidente e seus filhos se manifestando. Aí entra a estratégia político-orçamentária.

Figuras como os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), Flávia Arruda (Governo) e o próprio deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, entram em campo quando o assunto é sério. A PEC dos Precatórios é realmente importante para o governo ter um programa de transferência de renda para chamar de seu, o Auxílio Brasil, e assim tentar alavancar a baixa popularidade do presidente. A PEC agora tramita no Senado.

Os deputados se mobilizaram particularmente porque o calote a ser dado com a medida abrirá espaço também para os valores de suas emendas, mesmo com todo o desarranjo econômico futuro. O Governo Federal poderia ter aumentado o valor e o alcance do Bolsa Família, um programa bem estruturado e reconhecido internacionalmente. Mas é uma política pública com a marca dos governos antecessores e o presidente quer destruir qualquer marca, seja boa ou ruim. Muitos deputados foram ricamente contemplados em suas emendas para votar a favor. O calote provocado, na verdade, é a legalização do furo no teto de gastos.

É fácil identificar quando o governo atual está apenas atiçando a sanha ou está propondo algo de verdade (por pior que seja). É apenas ficar atento às liberações orçamentárias. Se for só discurso do presidente, a medida não é séria e ele apenas está usando os incautos.

Essa estratégia político-orçamentária é uma forma de política de governo. A estratégia ideológico-digital é só para jogar para a plateia. Já a política de Estado… bem, essa não existe.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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