19/04/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Sobre tapas, militância e identitarismo

Publicado em 30/03/2022 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Os Oscars caminhavam para a irrelevância há muito tempo, mas o show ganhou uma sobrevida inesperada que mobilizou as redes sociais.

Will Smith invadiu o palco e deu um tapa nem um pouco cenográfico em Chris Rock por este ter feito uma piada com a esposa de Will, a Jada Pinkett-Smith – e depois saiu xingando e vingando a honra de sua esposa.

Às vezes tá todo mundo errado numa treta – que fica pior quando resolvem militar em cima com argumentos que fazem untraconservadores sorrirem.

Sim, a piada foi uma m*rda. Total sem graça, desnecessária e diria que até canalha. Mas é a vida.

O Will Smith sair pra esmurrar o Cris Rock é algo abaixo da crítica.

Show de horrores do começo ao fim. Pior ainda as justificativas de militantes nas redes – defesa da honra e da família ao ponto de quase legitimarem o crime passional por alguém amar demais.

Em uma tacada só tivemos um caso de agressão contra um humorista por uma piada (ruim) – Ricky Gervais ou Dave Chapelle que se cuidem e usem detectores de metal nos próximos shows.

Tivemos o marido saindo em defesa da honra da pobre e indefesa esposa com direito a justificativas que legitimam crimes passionais na base do "ele ama demais e o amor é louco."

E a noite não ficaria completa sem aqueles convites básicos do militante negro para que o branco não fale nada, pois se é branco está errado. Saiu pesquisa de opinião em que, vejam só, a maioria dos brancos aparentemente se opõe à violência na defesa da honra da mulher indefesa e isso seria ruim!

Como os envolvidos são negros, aparentemente é racismo ter opinião – se destoar da turba então…. A lição é que se você for negro, você pode esmurrar pessoas e não pega nada. Qualquer punição é racismo.

E nem vou comentar sobre o fato do Will Smith estar claramente rindo da piada do Chris Rock – enquanto a Jada está visivelmente incomodada. Nos segundos em que a câmera desvia do casal e volta ao Rock… tudo muda. Defesa da honra ou "ops, deixa eu disfarçar aqui"?

Ah, e aparentemente a Globo é machista por alguma razão que não ficou clara. Talvez porque os apresentadores não soubessem que a Jada tem alopecia, e é intoleravel que você não saiba tudo que tem para saber sobre uma GUERREIRA! Machismo claro!

Um cara sair pra estapear outro porque a esposa é indefesa demais pra se defender não é machismo, claro.

A Lacrolância deu um show de conservadorismo para justificar uma agressão – "ah, mas o Chris Rock cometeu ~violência simbólica~!" – aprovaitando a oportunidade pra chamar todo mundo de machista e racista.

Sim, os humoristas do Charlie Hebdo também cometeram ~violência simbólica~, não é mesmo? Lembrando que teve muito esquerdinha defendendo o assassinato dos humoristas franceses em ato terrorista islâmico porque "muçulmanos são oprimidos".

Qual o limite do humor? Não sei, mas a esquerda (lacradora) vai legitimar de tapa a bombas pra nos mostrar qual é. Tudo na base da ~violência simbólica~ para legitimar reações desproporcionais e violentas – a gente vai longe!

SOBRE TAPAS, MILITÂNCIA E IDENTITARISMO

Ainda bem que o Twitter não derruba perfis e tuítes apenas com denúncia em massa, senão qualquer perfil/post poderia cair só por uma turba denunciar de sacanagem – como acontece no Facebook constantemente, mesmo que a rede negue que denúncias em massa derrubem páginas.

Aliás, nos primórdios do Facebook era até esporte. Grupos se juntavam pra denunciar postagem em massa só pra mostrar que podiam. Claro que quanto maior a rede, mais difícil o sucesso.

O mesmo vale pra militante que defende violência. Sim, minoria (prestem atenção no nome e em seu significado), defendendo que violência é legítima porque não gostaram de uma piada. É difícil traduzir o tamanho da estupidez desse tipo de coisa.

O mais divertido é que o tal tapa defendido pela militante identitária radical foi dada por um negro (que se desculpou) contra outro negro – mas de repente virou uma luta identitária. É abaixo da crítica.

Militante não consegue entender o princípio da precaução. Aí depois se ferra pelo que prega que seja usado contra os outros – e fica reclamando. Acha que está sendo censurado, afinal, ele está do lado certo da história! Defende violência numa boa, mas depois reclamam quando usam os mesmos argumentos que usaram para legtimar o tapa do Will Smith na defesa de crimes de honra, crimes passionais…

Debater a qualidade da moderação nas redes sociais é mais que válido (é fundamental), mas esperar que perfil e postagem caia porque rolou denúncia em massa é tiro no pé. Defender violência diante de uma piada é uma estupidez indescritível. Você tme o poder de levantar e ir embora.

O jovem militante vive numa bolha achando que é maioria. Não é. É minoria e das bem pequenas. A mídia amplifica, mas máscara o real tamanho dessa militância.

Não que o jovem militante não tenha sempre achado que é maioria ou que seus gritos irão fazer as massas se levantarem (been there, done that), mas a internet exacerbou essa percepção porque você não fala mais pro seu grupinho de DCE ou seu ~coletivo~ de 3 pessoas, mas sim pra um público de centenas e por vezes de milhares de pessoas – mas que continua sendo uma gota em um gigantesco oceano.

Mas o alcance, ou a percepção de alcance, faz toda a diferença na forma como o militante enxerga a si, suas pautas e suas capacidades. Ainda que em geral esteja errado.

Longe de ser uma crítica em si à militância política em si, mas a um tipo de militância que perdeu completamente a noção de realidade e um alerta sobre como os algoritmos enganam e nos dão uma visão absolutamente parcial da realidade, e nas redes sociais nos dá uma visão limitada ou quase limitada aos que concordam conosco, ao nosso círculo.

São vários pequenos coletivos de 3 pessoas em diversas partes do país e do mundo que no fim dão um número considerável, mas ainda aquém dos anseios do jovem revolucionário.

A defesa por medidas mais restritivas "pelo bem" é burrice e falta de capacitação de entender onde se está e o mundo que o cerca.

O militante acaba achando que porque tem espaço na mídia e grita muito no Twitter que está salvo e pode se tornar também um opressor – mas um opressor do bem!

Toda vez que o jovem militante (que acha ser maioria) defende restrições a liberdade de expressão (ou censura mesmo), mais limitações e etc, é certeza de que ele depois vai se dar mal lá na frente e não vai entender que o culpado é exatamente ele que ficou gritando por mais e mais restrições (especialmente os adeptos do ódio do bem).

A esquerda militante tem uma escolha muito difícil mesmo: Abandonar os memes, deixar de ser um mero meme, e passar a pensar um pouco em suas ações, no que anda defendendo, nos métodos que prega e emprega. Lá na frente a hipocrisia vai ser o menor dos problemas.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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