24/04/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Enfermeiras no Brasil ganham muito menos que médicos, mas é a fantasia que gera revolta

Publicado em 04/11/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Eu tenho repetido há muito tempo que identitarismo não passa de uma tentativa torpe de lucrar em cima de pautas (burras) do momento.

Empresas já notaram isso. Não importa se elas concordem ou não com a pauta, o que vale é lucrar em cima da revolta do consumidor. Outro dia o The Intercept mostrou a história de uma marca de roupas "progressista", mas cujos donos tem ligação com Bolsonaro.

Capitalismo é isso, lucro – ideologia é um detalhe. E os woke identitários são o reflexo mais acabado desse capitalismo selvagem. Pese posarem de esquerda.

O importante é aparecer, é criar público, criar debate, é estar na boca do povo. Alterar substancialmente a realidade não importa, não é o objetivo – oras, se o lacrador conseguir mudar a realidade ele deixa de ter relevância. Tudo não passa de estética, de representação, mesmo de cosplay de revolta social.

O objetivo final é cavar vaga, dinheiro, atenção, visibilidade, likes enfim. A commodity da (pós)modernidade é a visibilidade. O engajamento.

Isso vale pra pessoas, empresas, instituições e… até o conselho de enfermagem.

Não pode fantasia de culturas diferentes, de raças diferentes, agora nem de profissões!

Carnaval do ano que vem só pode se fantasiar de você mesmo senão é apropriação cultural, desrespeito, violência, genocídio… Aliás, se fantasiar de si mesmo pode ser perigoso. Se você for omicisbranco é praticamente um genocídio andando pelas ruas. Se estiver feliz então, TEM QUE CANCELAR!

Aí você dá uma olhada nos comentários da postagem do Coren no Instagram e vê 90% chamando de mimimi e dizendo que “fantasia é nosso salário."

Ma, "prioridades", né?

Enfermeiras no Brasil ganham muito menos que médicos, uma fração, mas é a fantasia que gera revolta. Oras, se você melhorar salários e condições de trabalho qual vai ser a função do conselho?

E o engraçado é que essas revoltas artificiais contra fantasias não interessam a ninguém além do branquinho de classe média que acha que pode lucrar com a polêmica. Lembro aqui da mudança do nome do time Washington Redskins, não tinha praticamente nenhum indígena ofendido, mas sim jovens woke brancos com muito tempo livre. O mesmo vale pra tentativa de forçar o uso do termo "latinx" que, vejam só, os latinos detestam.

Não que não existam autointitulados representantes de minorias envolvidos, claro que tem. São exatamente os que vão lucrar. Vão cavar cargo, vão conseguir visibilidade, etc.

Eu me lembro aqui do caso da festa da editora da Vogue na Bahia em que ela perdeu o emprego pelo racismo de… usar Baianas do Acarajé como hostesses da festa. Algo extremamente comum em Salvador.

Mas algumas lacradoras queriam o cargo da editora, quereiam cavar uma vaga de colunista, enfim, queriam aparecer e fizeram um escarcéu tão grande que no fim as prejudicadas foram… as Baianas.

Explico AQUI.

Mulheres negras que passaram a ser evitadas e não conseguiram mais trabalho em recepção de festas. Mas quem se importa, não é?

O objetivo nunca foi melhorar a vida de mulheres negras, assim como o objetivo do Conselho de Enfermagem não é melhorar a vida das enfermeiras. É apenas ganhar visibilidade, aparecer e tentar de alguma forma lucrar.

Porque identitarismo é apenas isso. Patrulhamento e policiamento de gostos, desejos, costumes e palavras, autoritarismo puro, com o objetivo de avançar as carreiras de autointituladas lideranças tendo como pano de fundo questões sociais que nunca são endereçadas e cujas vítimas são fabricadas a toque de caixa e raramente sabem sequer que alguém está falando por elas.

É tudo show, estético, não vai além disso. Quantas enfermeiras lucrarão com a "proibição" do uso de fantasias?

Enquanto isso o vendedor ambulante de cerveja quer que no carnaval seguinte mais e mais gente saia às ruas, com a fantasia que quiserem, para que ele ganhe em cima do que vender. O resto é perfumaria.

Quem adora isso é a direita que é tão ou mais autoritária e moralista, mas que pode pagar de defensora da liberdade de expressão.

HOMOFOBIA OU OPINIÃO?

"O jogador também criticou a presença de um homem biológico no time feminino de determinada modalidade desportiva. Ora, são questões polêmicas, cujo debate não pode ser interditado sob o pretexto de que problematizá-las é ser homofóbico.​"

Está causando bastante polêmica o texto da Catarina Rochamonte na Folha… E não entendo porque. Quer dizer, entendo, mas continuo meio embasbacado como a esquerda virou um pastiche e uma piada de si mesma.

Primeiro, o debate sobre os limites da liberdade de expressão é necessário e não pode ser tolhido – afinal, TEMOS liberdade de expressão. Não se trata sequer de concordar com o ponto dela, e sim de aceitar que o DEBATE sobre o ponto dela é necessário e tem que ser feito em uma democracia.

Segunda questão, o debate sobre o que é direito/legal e o que é pressão militante também é importante. Vejam que o Túlio Vianna diz que LEGALMENTE a questão do jogador de vôlei é menos clara do que prega a militância.

E olha que eu escolhi ficar de fora dessa polêmica.

Mas novamente, discussão legal é uma coisa, sobre modos e costumes é outra. Mas pra mim o que mais me pegou nessa treta com a colunista da Folha foi a reclamação dela ter dito que uma mulher trans é um homem biológico.

Assim, me desculpem, mas uma mulher trans é biologicamente um homem (ou do sexo masculino). Um homem trans é biologicamente mulher (ou do sexo feminino).

Isso é biologia. Não tem militância que altere isso. E não há transfobia em fazer uma afirmação (ou essa afirmação) baseada em biologia.

O problema seria (e muitas vezes é), na negativa de reconhecer um mulher trans como mulher quando falamos em representação, em papel social. E aqui está o ponto, mulheres trans são mulheres e homens trans são homens quando pensamos em seu papel social e na sua representação enquanto sujeitos na sociedade.

E isso não interfere na biologia. Não faz sentido, logo, brigar com a realidade e a biologia – e sim com transfóbicos de verdade.

Por fim, a questão de pessoas trans em esportes é complicada e o debate, mais uma vez, tremendamente necessário. Não há transfobia inerente no debate – por mais que transfóbicos surjam sempre no debate, mas aí é outra questão.

Na verdade a tentativa de amplos setores da esquerda de simplesmente interditar o debate é exatamente o que dá força aos transfóbicos e aos conservadores radicais e reacionários.

Oras, não faltam autores, muitos de esquerda, que comentam que hoje a esquerda é que passou a defender censura, queima de livros e autoritarismo (mas em nome "do bem") enquanto a direita é que está (hipocritamente em muitos casos, mas pouco importa na prática) defendendo liberdade de expressão.

Quando qualquer debate é levantado, seja por quem for, e a esquerda reage apenas gritando, apontando dedo e tentando calar aos gritos de "Homofobia! Transfobia!", quem lucra é o grupo que consegue se vender como, vejam só, oprimido e silenciado.

Negar biologia e ciência é coisa de Bolsominion. Censura é coisa de Bolsominion. Não nos igualemos a essa ralé.

O texto: AQUI

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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