28/03/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Sem surpresas

Publicado em 19/08/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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E novamente NÃO fomos surpreendidos. Bota mais exército nas favelas que tá pouco, não é, galerinha do PT?

Quem imaginaria que um governo que se recusou a rever a Lei da Anistia (desrespeitando até mesmo a CIDH), que encheu os milicos de cargos e poder, que os usou como polícia para apavorar os mais pobres iria, no fim, ajudar a fortalecer esse pessoal?

Inimaginável, não é mesmo?

O problema (pro PT e no fim das contas pra nós) é que os militares – assim como banqueiros, empreiteiros, fundamentalistas evangélicos (dentre outros) – são mal agradecidos e preferem lidar diretamente com um deles (como Bolsonaro) ao invés de ter que fingir que negociam com um governo que já tinha aberto as pernas, mas gostava de fingir ser diferente.

"Os governos do PT simbolizam uma etapa da vida política brasileira no qual o Brasil já tinha passado vários anos de regime democrático e as Forças Armadas não tinham tanto poder sobre as autoridades civis. Então, era um momento mais propício para o sistema político impor a sua autoridade legal na política de defesa. Mas isso não aconteceu", afirma Marina Vitelli, ao argumentar que houve uma "oportunidade perdida" nos governos Lula e Dilma. "Se a gente tivesse construído as instituições necessárias para o controle civil naquela época, em que isso era possível politicamente falando, hoje provavelmente não teríamos os absurdos que estamos acompanhando no nosso dia a dia: excesso de militares no governo, muitos benefícios e supersalários. Tudo isso tem relação com o fato de que não foi feito o dever de casa em tempos de um governo mais progressista", também acredita Cortinhas."

VERA E AS MILÍCIAS

Então a Vera Magalhães basicamente fez uma pergunta de relevância jornalística ao Martinho da Vila e tá sendo atacada por isso? E de quebra acusada de… racismo?

Galera perdeu mesmo a noção. Reclamam que jornalistas não falam grosso, mas quando falam… Aí choram.

Pode-se opinar que o Martinho talvez não fosse a pessoa certa para aquela pergunta? Talvez. Mas não tem racismo algum questioná-lo sobre milícias e infiltração em escolas – como antes eram os bicheiros que mandavam, fato notório.

Mas infelizmente é mais fácil reclamar de jornalista fazendo seu trabalho do que, sei lá, buscar saber mais sobre o tema.

"Ah, mas ele foi desrespeitado."

Porque? Ele é um gênio musical, segue sendo, e foi questionado sobre algo sério e grave que ele PODE saber mais (ou não). Ponto.

"Ah, mas ele ficou desconfortável."

Ok… E? Ele está sendo entrevistado ou está numa roda de conversa com amigos? Mas claro, quem está reclamando faz parte da geração que acha que incômodo é crime capital, que se gritarem "estou ofendido" então o mundo tem que parar de girar. Uma gente mimada, fraca e que precisa atacar nuvens e moinhos pra se sentir poderosa.

Aliás, a acusação (risos) de racismo é sensacional, porque mais uma vez mostra que galerinha de movimento só existe pra infantilizar e ser paternalista/condescendente. Porque o Martinho é negro ele não pode ser questionado sobre certos temas? Ele é incapaz?

Sério, melhorem.

Depois não venham chorar que jornalistas não são incisivos o suficiente. Mas só com quem militantezinho quer, né?

Imaginando há uns 20 anos galera toda "ain que absurdo" se questionassem alguém do mundo do samba (ou futebol) sobre as ligações do samba (e futebol do Rio) com o Bicho.

Imagina o presidente do Bangu sendo questionado sobre ligações do clube com o Castor de Andrade e tal… "Que falta de respeito!" diriam.

Haja paciência.

Excelente thread da Cecília sobre a ligação do samba com a milícia.

E Bicho e Milícia estão ligados hoje.

COMPORTAMENTO DE TURBA

Existe um comportamento de turba que tem se tornado cada vez mais comum que se baseia na tese furada de "a vítima tem sempre razão", confundindo a necessidade de se escutar e cuidar de SUPOSTAS vítimas, com a ideia absurda de que uma mulher abriu a boca, ela está falando a verdade.

"Everybody lies", diria Dr House. E esse personagem televisivo fenomenal estava certo (eu acabei de reassistir todas as temporadas). Todo mundo mente. Por uma série de razões, que vão da tentativa de conseguir fama e dinheiro à doença mental. Claro, não faltam casos em que a denúncia é real, mas o perigo de se levar a ferro e fogo toda denúncia é imenso – com pessoas sendo canceladas, perdendo emprego, tendo suas vidas destruídas.

Temos inúmeros casos (em que o cancelamento funcionou ou não), desde o Woody Allen, passando por uma série de acadêmicos até chegar ao Bobby Dylan, que é praticamente um panda – fofo, carismático, mas que te cansa rapidamente (sim, eu não gosto da música dele).

Bob Dylan accused of sexually abusing a 12-year-old in 1965

Dylan foi acusado de abusar sexualmente e repetidas vezes de uma menina de 12 anos. Denúncia grave, mas… o crime teria acontecido há 56 anos!

O que leva uma senhora de 68 anos a fabricar uma denúncia dessas é um mistério. Fama? Dinheiro? Doença? Eu admito ter os dois pés atrás com denúncias que levam décadas para ser feitas e que são virtualmente impossíveis de serem provadas – servindo apenas como instrumento para desturir carreiras e reputações contando com a conivência da mídia.

E aqui chego no ponto principal: Nenhum jornalista se preocupou em perder 5 minutos e fazer uma pesquisa básica para verificar a veracidade da denúncia. Coube à professora Anne Margaret Daniel pesquisar e, no Twitter, mostrar que Dylan não poderia ter cometido o crime pelo simples fato de estar em turnê pelos EUA e depois pela Europa quando o suposto crime teria acontecido.

Não apareceu um mísero jornalista para fazer o dever de casa e investigar antes de publicar uma calúnia que pode arrasar carreiras – e a gente sabe que na era do #MeToo não importa sequer que você consita provar que é inocente (o que é uma subversão em si do direito, mas ok), sempre terão aqueles (ou aquelas) que irão te acusar no matter what – vide Woody Allen.

É um esporte, é virtual signaling na veia. E funciona. Por isso denúncias infundadas são feitas, repetidas e repercutidas de forma irrefletida pela mídia. Gera cliques, gera revolta e quem se importa que causam consequências graves para as vítimas – no caso, os acusados?

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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