20/04/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Mais da doença identitária

Publicado em 09/06/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Eu tenho tentado escapar de discussões inúteis na internet, vulgo tretas. Mas infelizmente elas parecem me perseguir.

Escrevi essa semana um texto do qual tenho muito orgulho para a Newsweek sobre como minorias étnicas tem sido tratadas (ou maltratadas) na Europa (https://is.gd/DNJQO1). Bascos, catalães, occitanos, enfim, como os direitos linguísticos e mesmo nacionais desses povos são violados, vulnerados e jogados no lixo.

O texto foi muito bem recebido, sendo compartilhado e elogiado até por parlamentares europeus catalães e por um que representa a minoria húngara na Romênia. De alguma forma eu fui capaz de fazer alguma diferença e dar mais munição para que minorias oprimidas lutem por seus direitos. E meu objetivo no jornalismo é esse, é ser capaz de fazer alguma diferença e de dar espaço para temas que não são exatamente mainstream. Não é falar por ninguém, mas dar voz e espaço.

Eis que um desqualificado que conseguiu a façanha de ser demitido da Carta Capital – e que apesar de já ter certa idade se comporta como moleque de esquerda woke de 17 anos gritando muito na internet e em constante virtual signaling – resolveu reclamar que… Eu escrevi sobre minorias étnicas europeias e brancas!

Absurdo!

Seu tuíte dizia apenas: "Interessante: só são citadas as minorias brancas e europeias."

Talvez porque fosse o objetivo do texto? Eu não sabia que existia um pedágio invisível em que eu deveria primeiro falar sobre como árabes, chineses ou igbos são oprimidos em algum lugar da Europa para poder falar de minorias europeias. Nunca chegou até mim o memorando – e se chegasse eu rasgaria.

Ele deve ter sentido minha resposta e atacou:

"Para o Tsavkko, preocupar-se com os direitos humanos de minorias não brancas é coisa da juventude. O problema é exatamente que árabes e africanos na Europa sofrem ameaças aos direitos humanos muito mais sérias do que não ter suas línguas ensinadas na escola"

Uma aula de virtual signaling e de tentativa de aparecer para um certo público. Talvez tentativa de conseguir um emprego no grito como tantos identitários fazem?

Realmente, está proibido falar de minorias se não forem as minorias que o ex-Carta Capital quiser! Anotaram?

Europeu? Branco? Que se f*dam! Me perdoem a deselegância.

Eu vou ali avisar aos meus amigos e conhecidos bascos e catalães – inclusive os que foram torturados, tiveram parentes presos, torturados, mortos, que são ou foram perseguidos, que estão no exílio e etc – que eles não podem reclamar. Eles são europeus e brancos, logo, tem que calar a boca.

O ex-Carta Capital mandou.

O nível da doença identitária é esse: Você não pode denunciar que minorias étnicas europeias (e brancas, vejam o crime) sofrem, porque, oras, eles são brancos. São europeus. Devem ter que pagar algum tipo de "dívida histórica". Para os identitários, mesmo os que passaram da idade e aparentemente apodreceram, existem grupos que devem ser reconhecidos e outros que não. São escalas de opressão e jamais um branco europeu será digno de estar na escala.

Tem até um certo componente de auto-ódio (existe termo melhor?), de você sequer se enxergar como sujeito porque não é de uma minoria oprimida "correta".

Vou repetir o que o ex-Carta Capital escreveu, porque eu li e reli pasmo: "O problema é exatamente que árabes e africanos na Europa sofrem ameaças aos direitos humanos muito mais sérias do que não ter suas línguas ensinadas na escola."

Ou seja, o problema é que existem grupos mais importantes e que estão degraus acima na escala de opressão, então o resto tem mais que se explodir.

Eu sinto muita pena do futuro com gente que pensa assim tendo cada vez mais espaço. É patético, boçal, burro. E perigoso.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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