29/03/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

‘Fascismo gângster’ de Bolsonaro precisa ser exposto e combatido

Publicado em 17/03/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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No começo da semana, Ludhmila Hajjar, médica cotada passa assumir o Ministério da Saúde brasileiro – mas que recusou a oferta – recebeu ameaças de morte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que, ainda, ameaçaram invadir o hotel em que ela se hospedava.

Felipe Neto, um dos principais influenciadores digitais do país, com mais de 41 milhões de inscritos em seu canal do YouTube, e ferrenho opositor do governo, recebeu visita da polícia e intimação para se explicar porque chamou o presidente de "genocida". Bolsonaro por meses negou a gravidade da pandemia, defendeu tratamentos ineficazes e segue se opondo a medidas de restrição de movimentos e ao lockdown.

A isso juntam-se sucessivas ameaças a jornalistas e mesmo agressões a profissionais da imprensa, para não falar do atentado terrorista cometido na sede do canal Porta dos Fundos, reivindicado por um grupo neointegralista, que compõe a base mais radical da extrema-direita brasileira.

São inúmeras as demonstrações ao longo dos últimos meses de que os apoiadores do presidente não apenas são incapazes de receber críticas, como ainda respondem de forma violenta aos críticos, o que representa uma clara ameaça à democracia – para além das declarações do próprio presidente contra o funcionamento do regime democrático brasileiro.

Trata-se de um comportamento de gangues e milícias e que está no cerne do que representa o bolsonarismo, aliado ao culto à morte típico do fascismo.

Ainda existe um grande desconhecimento do fato de que o bolsonarismo não é uma ideologia qualquer, mas um culto de morte. Um culto violento de morte que é capaz de produzir estragos – e está produzindo. O bolsonarismo é uma ameaça à democracia.

E não há nenhuma novidade nisso.

No ano passado, por exemplo, meus dados pessoais haviam sido incluídos em uma lista compilada e divulgada pelo deputado estadual paulista Douglas Garcia (PTB), um bolsonarista disposto a intimidar ativistas contrários ao presidente. Apelidada de "lista antifascista," ela contém 999 páginas e os dados de centenas de militantes e jornalistas. Em alguns casos constam endereço completo, telefone, local de trabalho e fotos de ativistas, enfim, uma clara tentativa de intimidação e com potencial para colocar a vida de centenas de pessoas em risco.

No ano passado, escrevi para o The Intercept sobre os meandros do processo e sobre todo o caminho percorrido pelo deputado para conseguir nossos dados e as ameaças que fez. Garcia é um conhecido líder da extrema-direita paulista, tendo proximidade com o grupo fascista Carecas do ABC e seu maior feito foi o de ter sido expulso do PSL pelo seu envolvimento nos ataques ao STF e no "gabinete do ódio".

Um deputado medíocre cuja presença no Parlamento não serve mais do que para mostrar que tudo pode ser pior quando a despolitização e o ódio tomam conta do debate público. Garcia não decepciona. Não esperávamos nada dele que não fosse apenas a reprodução do ódio que o elegeu. Mas logo veio a reação. Pequena diante do horror que representa o bolsonarismo, mas ainda assim necessária.

Achando-se intocável, o deputado não se preocupou em disfarçar o que fazia. Postou vídeos com imagens borradas da lista, anunciou com alegria que iria entregá-la à embaixada dos EUA. Então vieram os processos. Ainda em agosto do ano passado, ele perdeu o primeiro. 20 mil reais a serem pagos para uma mulher cujo nome constava da lista. E os processos foram se empilhando – assim como as derrotas do deputado.

Até o momento, Garcia já perdeu ao menos outros seis processos. Ou melhor, na quinta (18), ele chegou à sétima derrota, pois soube através de minha advogada, Maria Helena Galhani (que assumiu meu processo depois da advogada Beatriz Hernandes Branco ter precisado se retirar), que venci o processo que abri contra ele em junho do ano passado.

Processei o deputado por danos morais e, em 15 de março, saiu a sentença proferida pela juíza Marcela Dias Coelho:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar ao autor R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, corrigidos desde esta data pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Nos termos do art. 487, I, CPC, extingo o processo, com resolução de mérito.

A juíza rejeitou o pedido de litigância de má fé – a defesa de Garcia se limitava a reclamar que eu o chamei de fascista e exigia que eu lhe pagasse indenização -, mas acolheu meu pedido por danos morais.

Com certeza, o deputado recorrerá e fará o processo se arrastar indefinidamente, mas o que importa é a certeza de que métodos de intimidação bolsonaristas encontrarão resistência, seja na Justiça, nas ruas ou no Parlamento.

Os bolsonaristas, no entanto, seguem nas ruas.

No último fim de semana, milhares deles protestaram pelo direito de matar. Espalhar covid e passar por cima de qualquer um que se opuser a eles. Ao contrário do que foi muito reproduzido pela imprensa e nas redes sociais, não se trata de "não respeitar a vida," mas de defender a morte. Manifestantes chegaram a, incusive, se aglomerar na frente da casa da mãe do governador do Espírito Santo para intimidá-lo. Não existem limites.

Logo após o protesto pela morte, ameaçaram a médica Ludhmila Hajjar que, em vídeo, havia chamado Bolsonaro de psicopata. E ela estava (e continua a estar) correta. Bolsonaro não é apenas psicopata como um genocida, assim como seguidores que aderem ao seu culto. O youtuber Felipe Neto está sendo intimidado exatamente por, sem meias palavras, dar um passo além do da Dra. Hajjar e chamar o presidente pelo que realmente é.

Mas, é bom lembrar, os milhares de mortos pela pandemia não são obra apenas de Bolsonaro, mas de apoiadores que difundem a sua pseudociência e do Congresso, cúmplice do presidente.

O objetivo de Bolsonaro é o de destruir a democracia brasileira e as Forças Armadas estão ao seu lado. Não faltam declarações antidemocráticas dele e de seus apoiadores, mas as instituições fingem que nada está acontecendo. E não só declarações, os ministérios estão coalhados de militares e de gente que assumiu cargos para destruir – direitos humanos, meio ambiente, educação, relações exteriores etc.

Além do completo desrespeito pela vida promovido por Bolsonaro e seus seguidores, temos ainda o tratamento dado, sem disfarce, às populações indígenas. Não há pílulas a serem douradas – trata-se de tentativa clara de genocídio, de eliminação de populações inteiras, seja pelo apoio dado à mineração clandestina, seja pela desmobilização de órgãos responsáveis por garantir a saúde e a vida dessas populações, seja pela ajuda que dá ao espalhamento da pandemia entre essas populações que são muito mais vulneráveis.

A imprensa tem sua responsabilidade nesse processo. É inaceitável que sejam veiculadas propagandas em defesa de "tratamento precoce", que não se dediquem a apontar como claramente mentira as declarações de Bolsonaro, do ex-ministro Pazuello e outros membros do governo. Meramente reportar, de forma neutra, é ser, como o Congresso, cúmplice dos crimes do presidente. Não existe neutralidade diante da barbárie.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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