29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

O similar nacional

Publicado em 17/06/2022 12:00 - Idelber Alevar

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Na minha condição de professor de língua portuguesa, creio que não custa usar este espaço para dar-lhes notícias ocasionais sobre a evolução do idioma.

Sras e Srs, vai se consolidando no português falado no Brasil a expressão “defender o treinador nacional”.

Vocês já conheciam as expressões “defender a indústria nacional”, “defender a cultura nacional”, “defender o funcionário público nacional”, entre outras.

Elas são usadas invariavelmente para garantir reserva de mercado para alguma corporação que conseguiu fazer lobby em Brasília ou nos legislativos locais, seja para decretar um número mínimo de salas de cinema para seus filmes, seja para garantir um número obrigatório de cachaças locais no cardápio, como é o caso da inacreditável lei do Rio de Janeiro, que proíbe a venda de pingas de qualquer lugar se não houver QUATRO cachaças cariocas sendo oferecidas também.

*******

Pois bem, chegamos ao cúmulo da comicidade da expressão “defesa do/a ______ nacional”, já que o produto nacional que supostamente temos que defender é … o emprego de técnicos de futebol que ganham centenas de milhares, às vezes milhões, de reais por mês!

Caso você tenha hibernado nos últimos anos, a novidade é que está exposta a total defasagem dos técnicos brasileiros. Um argentino desconhecido se mudou para o Ceará e transformou o Fortaleza em uma potência do futebol brasileiro. Um português desconhecido aterrizou na Gávea e fez o Flamengo jogar algo tão intenso que parecia outro esporte. A seleção formada pelo melhor técnico do Brasil foi eliminada da Copa em um nó tático dado por um país do tamanho de um bairro de SP. Pela primeira vez na história do Brasil, a maioria dos clubes da Série A tem técnicos estrangeiros.

*******

Como sempre acontece, a corporação atingida apela para a xenofobia e o nacionalismo. A reação é furiosa. Querem te fazer crer que o Brasil é eles, eles são o Brasil, e a perda de seus empregos é uma ameaça à nação.

Uma briga para ter reserva de mercado no futebol, a esse ponto chegamos. E a ferida narcísica do país é tão profunda que não falta quem caia na lorota, à direita e à esquerda.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *