28/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Todo apoio à CPI da Covid

Publicado em 14/04/2021 12:00 - Idelber Avelar

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Sobre a CPI da covid e do morticínio, há pontuações que creio importantes fazer. Não sou o primeiro a fazê-las, claro.

O STF não mandou o Senado fazer nada, contemos a história direito. Quem mandou o Senado abrir uma CPI da covid foram 31 Senadores. O STF apenas, delicadamente, apontou que o presidente da casa prevarica ao não atender ao pedido da substancial minoria.

O Brasil é um país que abriu CPI para investigar propina de 3.000 reais passada por baixo de uma mesa dos Correios.

Imagino que esteja justificada uma CPI sobre os quase meio milhão de mortos por uma pandemia da que o governo zombou e que ele se recusou a combater, e com a qual colaborou, ao realizar aglomerações, desincentivar o uso de máscaras, promover “tratamento” mandrake com remédios para malária e piolhos, e recusar-se a comprar vacinas.

Entendo aqueles que se preocupam com excessiva interferência judicial na política. Nunca fui entusiasta de judiciarização. Mas quem conhece o tema sabe que esse bonde já passou. Passou com o mensalão, que inaugurou os pavões recitando votos para a torcida, continuou com a estapafúrdia decisão que interferiu com resolução legítima dos representantes do povo sobre cláusula de barreira, e vem morro abaixo desde então. Agora, o bonde de “reclamar da judiciarização” já passou. A situação é de emergência.

Lembrem-se, o Brasil tem uma regra: CPI todo mundo sabe como começa, ninguém sabe como termina. E o término desta CPI não vai piorar o inferno nosso, só pode piorar o purgatório do minúsculo.

Todo apoio à CPI da covid!

SAIA JUSTA

Sonia Guajajara lidou inteligentemente com uma saia justa daquelas bem embaraçosas, que só um governo como o de Jair pode criar. Dentro das circunstâncias, saiu-se muito bem.

Convidada a um diálogo sobre a Amazônia e a mudança climática aberto pelo embaixador dos EUA Todd Chapman, sendo ela a representante da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entidade reconhecida pelos povos indígenas, Sonia se deu conta de que o governo Bolsonaro havia também levado os "seus" índios, escolhidos a dedo entre indivíduos sem representatividade ligados ao garimpo.

Sonia impôs a condição de também ir acompanhada de outras lideranças, falou bem na reunião e conversou com o jornalista certo na hora certa. E saiu uma boa matéria, em que pelo menos fica claro quem é quem.

O desejo do governo Biden é assinar algum acordão climático que possa apresentar ao mundo, o desejo do governo Jair é sair dessa condição de pária em que se meteu, posto que a água bateu na bunda, e o desejo das lideranças indígenas é, como sempre, defender a floresta, garantir suas demarcações, preservar a vida e barrar projetos ecocidas como o garimpo na Amazônia.

Copio abaixo a matéria de Daniel Biasetto, que ficou boa.

*****

Às vésperas de cúpula do clima, governo Biden inicia diálogo com indígenas brasileiros

RIO – A pedido do presidente Joe Biden, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, se reuniu nesta segunda-feira com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) depois que a entidade solicitou, no mês passado, a abertura de um "canal direto" de comunicação com os EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira. A conversa acontece às vésperas da cúpula sobre o clima organizada pelo governo americano, que será realizada de modo virtual entre os dias 22 e 23 de abril. O presidente Jair Bolsonaro foi convidado e vai participar.

O encontro, marcado a princípio apenas com a Apib, acabou contando com presença de indígenas ligados ao agronegócio e atividades garimpeiras e mineradoras, indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que gerou certo desconforto na reunião agendada apenas para discutir medidas de proteção ao meio ambiente e preservação das florestas, apurou O GLOBO.

Chapman iniciou a conversa toda ela em português dizendo que os Estados Unidos têm grande preocupação com a questão climática e ressaltou a importância da preservação das florestas nesse contexto. E que estava ali para ouvir as demandas dos indígenas sobre a questão. Além de Chapman, Jonathan Pershing, que serviu como enviado especial do Departamento de Estado para mudanças climáticas no governo Obama, e agora assessora John Kerry no posto, esteve na reunião que durou 1h30.

– Foi um forma conversa formal e bem protocolar, mas como o próprio embaixador disse esse é o primeiro de muitos diálogos que virão – afirma Sonia Guajajara, que participou do encontro como coordenadora executiva da Apib.

Metas ambientais

Em março, a Apib enviou uma carta a Biden e ao seu Enviado Especial Climático, John Kerry, onde pediu um "canal direto" de comunicação com o governo dos EUA. Entre outras demandas, o documento listava uma série de ameaças enfrentadas pelos indígenas durante o governo Bolsonaro como o aumento no desmatamento e o apoio a projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas, além do enfraquecimento de órgãos de fiscalização ambiental.

E questionava até que ponto o governo brasileiro iria se comprometer com as metas ambientais cobradas de Bolsonaro por Biden em carta enviada ao presidente em fevereiro.

Na reunião de ontem com Champan, a Apib voltou a reafirmar os pedidos de retomada da demarcação de terra indígenas, do fortalecimento de mecanismos de rastreabilidade e transparência para a venda/compra de commodities brasileiras, proibindo a aquisição de produtos derivados de áreas de conflitos, de terras indígenas, de áreas de desmatamento e que faça uso da exploração do trabalho escravo.

No documento ao qual O GLOBO teve acesso, a entidade pede ainda a retomada do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia e que o governo brasileiro reafirme as Promessas de Clima feitas à ONU para acabar com o desmatamento e aumento de ambição na redução de emissão de gases de efeito estufa. Ao fim do documento enviado à Embaixada dos EUA, a Apib pede ajuda para o país obter recursos para projetos de reflorestamento e restauração da Floresta Amazônica, Cerrado, Mata Atlântica e outros biomas brasileiros.

" É fundamental que o presidente Joe Biden estabeleça um diálogo junto ao Governo Brasileiro com bases na garantia da preservação da vida e da biodiversidade do planeta em contraponto ao fortalecimento de políticas anti-indígenas", diz documento.

O GLOBO apurou que uma nova reunião entre o governo americano e os indígenas deve ocorrer em duas semanas, mas que somente questões ligadas à preservação do meio ambiente serão analisadas, nada além disso será considerado.

Procurada, a Funai ainda não se manifestou.

HISTERIA JUSTIFICADA

Hoje em dia, não existe frase que ative a minha histeria como “estou fazendo minha própria pesquisa sobre as vacinas”.

Eu fico meio histérico, e para evitar levantar o tom de voz, acabo me calando ou soltando alguma ironia incompreensível, enquanto rezo para que a conversa termine logo.

Aconteceu agora, com pessoa especial, minha bartender do coração, que fez a maioria das margaridas e dos sazeracs que bebi na última década (e que também foi minha fotógrafa em algumas ocasiões). Uma amiga:

– já vacinou?

– há muito tempo, você não vacinou?

– não, eu estou “fazendo minha própria pesquisa”.

– ….

*****

Ela me conhece há anos e viu que algo se quebrou ali. Não consegui responder sem parecer arrogante:

— A pesquisa que você pensa estar fazendo? Ela já foi feita, o nome do resultado é vacina.

Sei lá se ela entendeu, mas saí sem dar o sorriso de sempre.

****

É por isso que estão equivocadas as pessoas que policiam os outros nas redes sociais por “ostentação de privilégio” quando se postam fotos de vacinação.

Não importa que seja privilégio, porque a empreitada da vacinação é essencialmente coletiva e ainda há uma horda de malucos por aí; mesmo nos lugares em que a vacinação anda bem, como aqui nos EUA, ainda enfrentamos a maluquice antivax. Cada foto de alguém sendo vacinado é um tijolinho na nossa luta.

Vacinou, poste a foto na alegria! Ajuda, sim!

BRASIL PROFUNDO

Brasil Profundo na veia (via fonte eterna e maior de Goiás, jornalista Fabiana Pulcineli):

Pastores incluídos em grupo de risco para vacinação prioritária, que tal? O sujeito se vacina primeiro e, depois, enriquece aglomerando gente vulnerável e contaminada, com a sanção do poder público.

É inacreditável o que está acontecendo no morticínio brasileiro.

MARAVILHAS NA TELA

Ando ainda sob o impacto destas duas maravilhas do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg. A segunda, "Druk" ("Outra rodada"), é de 2020 e foi indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano. A primeira eu já me devia há algum tempo. "Kollektivet" ("The Commune") é um filme de 2016 que eu sabia que apreciaria, mas não esperava que me deixasse tão embasbacado.

Os dois filmes narram histórias de experimentos: o primeiro conta a história de uma casa que, por decisão de seus dois membros adultos, um casal, passa a ser uma moradia comunitária meio hippie.

O segundo relata o experimento de um grupo de quatro amigos, professores do ensino médio, que leem um cientista norueguês que argumenta que os humanos nascemos com um déficit de álcool de 0,05% no sangue, que deve ser suprido ao longo do dia para uma vida melhor. Eles procedem a fazer o experimento, com resultados surpreendentes.

O que fez Trine Dyrholm representando a personagem Anna (a ex-dona da casa que decide abrir a comuna) em "Kollektivet" é das performances mais memoráveis que já vi de uma atriz no cinema. Arrebatadora, de arrancar lágrimas. "Druk" traz algumas das melhores cenas de embriaguez que já vi, uma genuína comédia que é, ao mesmo tempo, um drama.

Tudo tem aquele esmero à la Bergman: enquadramentos cuidadosos, close-ups que tornam o rosto da personagem carregado de sentido, o roteiro repleto de momentos nonsense ou poéticos, o jogo com as cores e a iluminação.

Não deixe de ver essas duas obras-primas.

AGONIA SEM FIM

Esse é o tipo de notícia que tem me aterrorizado: brasileiros impedidos de participar de eventos internacionais por motivos sanitários.

Hoje foi a seleção feminina de basquete, que não poderá jogar o sul-americano. Já tinha acontecido com a seleção masculina, que não pôde jogar as eliminatórias da Copa América.

Não é inimaginável um cenário em que o mundo esteja reinventando alguma “normalidade” pós-pandêmica e as Olimpíadas, por exemplo, acontecendo com o Brasil trancado.

Uma agonia sem fim.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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