29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Desmatar é acabar com o futuro

Publicado em 22/07/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Eu diria que esta Matéria é o melhor dos jornais no mês todo, especialmente recomendado para quem está vendo o conceito de savanização pela primeira vez. Carlos Nobre é o climatologista brasileiro responsável pelo conceito, que se tornou relevante a um ponto que ele mesmo não esperava quando começou a desenvolvê-lo, nos anos 1990.

Savanização é a transformação da floresta amazônica em algo com vegetação parecida à do cerrado, só que muito mais pobre. Quem conhece o arco do desmatamento, que parte do oeste de Rondônia, sul do Pará, norte do Mato Grosso etc. até o Oceano Atlântico, já viu isso ao vivo e sem cores: o gado ocupa a terra por 7, 8, 15 anos, no máximo, e depois vai embora, deixando para trás um solo que já não serve nem para pasto.

A aula magistral de Carlos Nobre nesta entrevista também traz a melhor explicação que já vi do funcionamento dos rios voadores, esse presente da Amazônia ao continente.

Explicadinho, por que o desmatamento é uma opção pela morte.

TÁ COM DOS DE CABEÇA?

Bom dia, cidadãos do cloroquinódromo.

Tá com dor de cabeça? Toma cloroquina. Tem ressaca? Cloroquina. Brigou com o conje? Cloroquina. Seu computador travou? Cloroquina.

HOAX

Um em cada cinco brasileiros acredita em um hoax de internet, traficado pela Presidência, que lida com matéria de vida ou morte de dezenas de milhares de pessoas, em meio a uma pandemia.

Estamos caminhando para o que vai ser, suponho eu, quase consensualmente entre estudiosos do futuro, o pior momento da história do Brasil republicano

RECOMENDO

Ficou incrível este teaser. A próxima live do Centro de Estudos Hannah Arendt é sábado, às 16h, com Ludmila Franca-Lipke, Renata Nagamine e Vinicius Liebel falando sobre a banalidade do mal.

Eu estarei acompanhando no público, com certeza. Vai aí recomendadíssima.

TAMBÉM RECOMENDO

Que grandíssimo livro chegou na área: até eu, que não sou da disciplina, conheço todos os nomes: Vera Malaguti, Vera Andrade, Edson Passetti, Aline Passos (também conhecida como a mãe do Benjamin), Maria Lucia Karam, Camila Jourdan et al, em um livraço com o melhor do pensamento jurídico antipunitivista do Brasil, atravessado pelas pegadas abolicionista e anarquista.

Habitus (editora catarinense), 2020. Já estou em cima do lance, lendo, e já encomendamos aqui em Tulane. Peça o seu aí e não fale de "prender" ou "cadeia" sem antes ler essa galera.

Tá recomendado.

VEJA O FILME, LEIA O LIVRO

Ontem, pela primeira vez na vida, creio, sugeri a trapaça “veja o filme, em vez de ler o livro”. Foi engraçado.

Eu estava assessorando alguém que tem pesquisa muito interessante (doutorado em literatura), mas que estava preocupada porque não tinha lido os clássicos da literatura ocidental e queria ter o repertório das histórias. Eu disse a ela: “se o seu doutorado é em, sei lá, literatura centro-americana, você não precisa ter lido Romeu e Julieta ou a Divina Comédia, mas você tem que saber como termina Romeu e Julieta e por onde passeou o cara da Divina Comédia”.

E ela efetivamente não sabia como terminava Romeu e Julieta, o que é coisa que pode acontecer com qualquer um. Aí eu disse: “veja um filme todo dia, com adaptação de clássicos, você vai adquirindo o repertório dos enredos famosos”.

Resolvi eu mesmo experimentar a trapaça. Tentei pensar em um clássico cujo enredo eu não me lembrasse, e veio-me “Coração das Trevas”, de Conrad, que li há séculos, sobre o qual posso falar em geral, mas de cuja história eu não me lembrava. Escolhi a adaptação de 1993, com John Malkovich, e amei relembrar a trama. É filmado na Guiana, em vez do Congo, e tem lá seus problemas, mas é um belo filme.

Pensei então abrir o espaço à recomendação de filmes ou séries que adaptem bem os clássicos da literatura, para quem quiser conhecer as histórias, os enredos, as tramas. Valendo, digam aí.

BORGES E FOUCAULT

Considero Jorge Luis Borges e Michel Foucault os dois grandes mestres do gênero entrevista no século XX. Houve outros, mas esses são os de minha afeição.

Esse momento inesquecível que se viveu ontem na Argentina, em que um Presidente peronista recomendou Bukowski, Pessoa, Dylan e Borges na TV Pública, não pôde senão ensejar-me uma imagem.

Apesar de que não seria incorreto dizer que Borges foi um conservador, e de que também não seria incorreto dizer que ele foi um anarquista, a única posição política reiterada, insistente e intransigente que manteve Borges durante toda a vida foi o antiperonismo. Virulento, raivoso; isso era a única coisa que lhe tirava o bom humor. Não pronunciava o nome de Perón, dizia coisas como “El tirano”.

A outra coisa é que apesar de ter sido um leitor, admirador, crítico e praticante de uma série de gêneros populares (a história de aventura, a ficção científica, o policial, os clássicos de Hollywood), Borges tinha um total desprezo e desinteresse por essa cultura derivada dos beatniks, incluído o rock. Nunca deve ter suportado ouvir uma canção de Bob Dylan inteira na vida.

Dar uma batidinha no túmulo de Borges em Genebra para avisar-lhe que 34 anos depois de sua morte, houve uma pandemia gigantesca, com centenas de milhares de óbitos, sem hora para acabar seis meses depois de iniciada, não lhe provocaria nenhuma surpresa. Borges era leitor de Defoe, de Mary Shelley, cansou-se de ler histórias de pandemias e pragas.

Mas imaginem, só imaginem, a segunda notícia: “Georgie, nessa pandemia, o mais sensato e culto presidente das Américas será um peronista, que irá à televisão e recomendará teus poemas, acompanhados dos poemas de um bêbado beatnik e de um cantor de rock que, aliás, terá acabado de ganhar o Prêmio Nobel”.

Com ESSA notícia, sim, dá para imaginar Borges levantando-se do túmulo e dirigindo-se à parede mais próxima, para bater a cabeça até morrer de novo, só de desgosto de ter sabido dela.

ALARMISTAS

O presidente supremacista branco chama de “alarmista” a maior autoridade científica no assunto, o cientista que serviu a oito governos antes dele, o cabra cujas recomendações, se seguidas, teriam salvado muitas vidas.

Na tela ao lado, você recebe o lembrete de que no terceiro maior estado do país mais rico do mundo, já são 49 hospitais sem leito de UTI.

Jair tem que cair, Donaldo tem que perder.

VIVA RAONI

Como bem diz o Prof. Marcos Colón, este desmemoriado país não tem mais que UMA tese de doutorado (de Roberta Neves, da Unicamp) sobre esse homem, Raoni Metuktire. Sobre todo seu legado. Sobre toda sua história e luta. Sobre seu pensamento.

Bora fazer mais! Viva Raoni.

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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