24/04/2024 - Edição 540

Camaleoa

Minha casa, do tamanho de uma caixa de fósforo

Publicado em 18/09/2014 12:00 - Cristina Livramento

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Problema presente em muitos países, a questão da moradia não é mais – e há bastante tempo – um transtorno exclusivo dos miseráveis e dos menos favorecidos. Alugar ou comprar uma casa hoje, em qualquer parte do Brasil, é uma tarefa árdua para quem vive de salário em uma época de supervalorização dos imóveis. Como uma solução paliativa, construtoras, bancos, governos estadual e federal se empenham em construir condomínios fechados com mais de 300 casas para acolher uma classe social que está muito longe de ser miserável e, ao mesmo tempo, muito perto de ser considerada pobre – em um futuro próximo.

Há cerca de 35 anos meus pais compraram um imóvel no Taveirópolis, uma casa com três quartos, um deles é uma suíte, com mais um banheiro social, sala dois ambientes, cozinha grande e uma boa área para quintal, ao todo por volta de 200 m², pelo valor de R$ 50 mil, atualmente avaliada em R$ 300 mil. Em Campo Grande, por exemplo, uma casa da PGN, no Village Parati, de 41 m² sai por cerca de 140 mil. Os mesmos metros quadrados, quando começaram a vender imóveis no local custavam R$ 70 mil. O condomínio fechado, com segurança 24 horas, tem pelo menos 2 mil residências. As distâncias dos dois imóveis até o Centro é praticamente a mesma, cerca de 10 e 14 min de carro, respectivamente.

A pergunta que não sai da minha cabeça é como alguém com um salário de R$ 1.700, por exemplo, conseguiria comprar um imóvel desses ou – o que a meu ver é ainda pior – pagar um aluguel de uma casa – minúscula – por R$ 500 (dois quartos) ou R$ 700 (três quartos). Vale lembrar que o investimento na casa própria, não só no Village Parati, mas em tantos outros condomínios fechados como esse, o proprietário do imóvel é proibido de construir muro ou pintar a fachada com uma cor fora do padrão estipulado pela construtora.

Os condomínios populares apresentam casas minúsculas, com quintal para constar na planta, janelas pequenas para que você veja – talvez – o mundo ainda mais segmentado. As janelas dos apartamentos são a própria representação da claustrofobia. Olho para eles e leio – você queria um teto, dignidade e qualidade de vida não fazem parte da sua vida.

As casas são iguais, sem nenhuma personalidade, os espaços cada vez menores e cada vez mais caros, e as janelas que deveriam prezar pela iluminação do imóvel e a saúde psicológica dos moradores são um exemplo de como manter aprisionado o homem moderno. Sem falar no empréstimo que o cidadão vai abraçar, por uns 30 anos, para morar em uma casa igual a dos outros 2 mil moradores, diluído em parcelas mensais em torno de R$ 500 ou R$ 700. No local, há casas com dois ou três quartos. O quintal e a cozinha dos imóveis com 3 quartos são menores do que nas casas com 2 quartos.

Você queria um teto, dignidade e qualidade de vida não fazem parte da sua vida.

Vamos ao indivíduo que recebe R$ 1.700 por mês. Esse cara sortudo conseguiu o empréstimo no banco e vai comprar o imóvel. Subtraia os R$ 500/mês, soma-se luz, telefone, água, condomínio, IPTU digamos que essa pessoa gaste no total com essas despesas cerca de R$ 200. Temos aqui R$ 1.000, subtraia alimentação que, por mês, deve chegar em torno de R$ 400 (sendo muito econômico e considerando que não tenha mais de duas pessoas na casa e que elas almocem no trabalho). Sobrou R$ R$ 600. Ninguém foi ao cinema, nem ao teatro, ninguém comprou item de vestuário, não existe gasto com plano de saúde, nem despesas com filho pequeno. Sem falar que esse indivíduo não tem despesa com veículo.

Toda vez que conheço um novo empreendimento de moradia em Campo Grande, me pergunto, quanto elas recebem para conseguir comprar esse imóvel? Qual o malabarismo que o cidadão brasileiro tem feito para morar, comer, se vestir e ainda cuidar da saúde? Se, em menos de uma década, eu não tenho a mesma capacidade financeira de adquirir um imóvel – pelo mesmo valor e dignidade – que meus pais tiveram há 35 anos, que tipo de realidade habitacional nossos filhos e netos serão obrigados a enfrentar em um futuro próximo?

Olhando mais à margem, se está difícil achar lugar para essa classe social – gente com nível superior e emprego fixo – como resolver a questão da moradia de inúmeras famílias com cerca de 4 filhos cada uma? Gente que ergue favelas como a Cidade de Deus, na região sul de Campo Grande, e ocupam prédios na Mata do Jacinto, como é o caso do Carandiru.

Esses dias conversei com uma moradora da Cidade de Deus, que aos 34 anos, já tem 4 filhos e 2 netos. Bancos, prefeitura, governo estadual e federal, tem quais projetos para atender essa futura demanda? Vamos nos afundar cada vez mais em empréstimos incríveis a perder de vista, em parcelas cada vez mais suaves, para nos enfiarmos em cubículos com janelas cada vez menores, com uma estrutura frágil, onde você escuta perfeitamente o que acontece na casa do seu vizinho? Nunca mais quintal, nunca mais árvore para seu filho subir e pegar uma goiaba, uma manga, colher jabuticaba ou pitanga? Por que em tão pouco tempo fomos espremidos em uma caixa de fósforo?

Onde está a dignidade da moradia hoje? Onde estão os imóveis da modernidade com – espaços pequenos, tudo bem – mas com uma arquitetura que valoriza o bem-estar físico, psicológico e emocional daquele ser humano, daquela família que futuramente vai morar naquele espaço? Onde estão as casas e os apartamentos que possam fornecer o conceito de "lar" onde o metro quadrado é pensado de uma maneira inteligente, não como mais uma estatística para o mercado financeiro da construção civil e, para o governo federal, como um arroto "toma teu teto e não enche mais o saco"?

P.S.: os valores são aproximados porque variam mais do que o preço do tomate.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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