Camaleoa
Publicado em 25/07/2014 12:00 - Cristina Livramento
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
De toda a discussão a respeito da revitalização da antiga rodoviária, o que mais me chama a atenção na fala da grande maioria dos envolvidos é a questão da limpeza do entorno. A “sujeira” em questão não diz respeito a lata de cerveja, resto de comida, mas sim a gente, prostitutas e dependentes químicos.
Fica a sensação de que toda a responsabilidade da antiga rodoviária ter virado o que virou é das putas e dos viciados. Mas, desde que eu me lembre, desde 1980, aquele prédio sempre teve alcoólatras e prostitutas. Particularmente, não sei qual é a novidade.
Ouvi gente reclamar, em audiência pública, por exemplo, sobre ter que tirar fezes dos moradores de rua da frente da porta de casa. É como se fosse um problema exclusivo da região central, do bairro Amambaí e de quem trabalha e mora em volta do prédio e não é. Quando morei em São Paulo, de 2006 a 2010, em plena rua Oscar Freire, esquina com a rua Teodoro Sampaio, um dos lugares mais badalados e caros da cidade, eu também tirava merda de gente da porta de casa.
A ‘sujeira’ em questão não diz respeito a lata de cerveja, resto de comida, mas sim a gente, prostitutas e dependentes químicos.
De tempos em tempos, alguém passava pelo bairro e sumia com a leva dos moradores de rua que se aglomeravam pela rua e “sujavam” a região. Era só uma questão de tempo para que uma nova remessa de gente voltasse aquele lugar e tudo começasse novamente . A questão da merda na porta da casa deveria ser tratado como um problema meu e seu porque esse problema é nômade.
Quem frequenta a rodoviária e, os próprios comerciantes confirmam, sabe que as putas e os moradores de rua da região não são violentos. Não há violência, de qualquer tipo, contra os empresários, clientes e passantes. A única e mais gritante violência naquele lugar é a da sociedade com aquelas pessoas, e daqueles seres humanos com eles mesmos.
Não dá para “limpar” a miséria da alma daquelas pessoas. A dor, a loucura, o não-lugar, o descontentamento de cada um desses excluídos permanecerá visível independente da localização geográfica. Assim como permanecerá, em muitos deles, o vício.
A questão social que fere nossos olhos no Centro de Campo Grande é nossa responsabilidade. É nosso dever cobrar da prefeitura, de todos os órgãos competentes, que se organizem e se preparem para o amanhã. Que a experiência de São Paulo e do Rio de Janeiro, com o tema, nos sirva de lição e nos impeça de seguirmos nosso cotidiano com tanta indiferença.
Leia outros artigos da coluna: Camaleoa
Deixe um comentário