28/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Polícia não vê crime político em crime político

Publicado em 13/07/2022 12:00 - Victor Barone

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A Polícia Civil do Paraná não apontou crime político no crime político cometido pelo bolsonarista Jorge Guaranho contra o petista Marcelo Arruda, assassinado na noite do último dia 9, em Foz do Iguaçu. A interpretação, que bate de frente com evidências, em um processo feito em curto espaço de tempo, não ajuda a elucidar o caso, servindo apenas para colocar o trabalho policial sob desconfiança. Ele será indiciado por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. A delegada Camila Cecconello, chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, responsável pela investigação, disse que não há provas de que ele cometeu o crime por razões políticas. Para ela, Guaranho foi ao local por motivação política para "provocar", mas não matou por causa disso, e sim porque "se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão".

A delegada apontou que ninguém foi impedido de exercer seus direitos políticos. Mas a invasão e o assassinato interromperam sim um evento em que Arruda exercia seu direito à livre expressão política. Vale lembrar que o que originou tudo não foi sobre uma frente fria que chegava a Foz do Iguaçu, sobre o uso de açúcar ou adoçante no cafezinho, sobre Atlético Paranaense ser melhor que o Coritiba, sobre as cataratas serem mais bonitas do lado argentino ou brasileiro, mas o aniversariante fazer um evento com temática petista.

Guaranho resolveu ir ao local depois que ficou sabendo que havia uma celebração de aniversário com temática petista e homenagem ao presidente Lula enquanto participava de um churrasco com amigos do futebol. Uma pessoa que monitorava as dependências do clube através de um aplicativo de segurança no celular mostrou as imagens a ele. Ou seja, foi com más intenções. Chegando lá, provocou o dono da festa com palavras de ordem bolsonaristas. Arruda, irritado, jogou um punhado de terra nele. Guaranho já estava armado e, segundo testemunhas, saiu prometendo acabar com todos. "Aqui é Bolsonaro", chegou a dizer. Deixou a esposa e o filho e retornou para executar a promessa. Apesar do petista, guarda municipal, e da esposa, policial civil, se identificarem como tais e mandarem abaixarem a arma, o bolsonarista atirou várias vezes em Arruda.

Familiares da vítima reclamam que o inquérito foi feito de forma apressada, chegando a uma interpretação dos fatos que ignora as evidências e que deram muito peso para o depoimento da esposa do agressor. Discordam e apontam que o crime foi político e premeditado. Pressa semelhante em um inquérito aconteceu recentemente quando a Polícia Federal indicou que a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips não teria mandantes, afirmando que estariam desconectadas de algo maior após pouquíssimo tempo de investigação – o que levou a críticas dentro e fora do país.

E, infelizmente, este não é o único caso em que um inquérito acaba com uma interpretação que se afasta dos fatos. Que o digam as investigações policiais que apontam que apesar de uma mulher ter sido morta pelo fato de ser mulher, ela não foi alvo de feminicídio, mas de homicídio simples. O que mostra a facilidade com a qual uma vítima é agredida duas vezes no Brasil: na hora de sua morte e no momento em que declaram as razões do crime. Pois se a questão é uma discussão, Arruda acaba sendo considerado corresponsável pela situação que levou a seu assassinato. E a defesa de Guaranho vai poder justificar que ele reagiu por forte emoção, caso sobreviva ao hospital. E se o contexto não importa, Arruda, Bruno e Dom morreram por azar.

Desde o assassinato do guarda municipal, o presidente Jair Bolsonaro e o vice-Hamilton Mourão atuaram para desmerecer a gravidade do caso. Tentam convencer uma parcela da população de que foi um crime comum, jogando ainda mais gasolina nas eleições de outubro. Preocupado com o impacto do caso para a sua imagem, Bolsonaro tem dado declarações para encobrir que Guaranho reproduzia a sua retórica intolerante quanto a adversários. Em sua conta do Facebook, por exemplo, o assassino ecoava Bolsonaro em dezenas de postagens, chegando a afirmar que o Brasil precisa de uma "limpeza" dos petistas. A Polícia Civil não visitou as redes sociais do agente penitenciário? Elas são abertas ao público.

Comentando a tragédia em Foz do Iguaçu, Mourão tentou minimizá-la. "Olha, é um evento lamentável, né? Ocorre em todo final de semana, em todas as cidades do Brasil, de gente que provavelmente bebe e aí extravasa as coisas, né?", disse a jornalistas. Isso não está distante do que disse a delegada Cecconello: "Parece algo que virou pessoal entre duas pessoas que discutiram por motivações políticas". Ou seja, ela equiparou o caso a uma briga de trânsito. Ou seja, em todo final de semana alguém fica sabendo que tem uma festa de aniversário fechada com temática petista, invade a celebração, começa a brigar com o aniversariante por política, ameaça acabar com todos os presentes, depois volta para matar?

O caso é muito grave e se não for tratado da forma correta pode servir para fomentar outros crimes no período eleitoral, considerando que milhões estão inseridos no ambiente tóxico em que estava submetido o bolsonarista. Para que não pairem dúvidas de que a polícia não serve a uma ideologia política específica, ela precisa dar uma resposta melhor à sociedade do que dizer que uma maçã é uma tangerina.

Por Leonardo Sakamoto

MILICOS ASSANHADOS

O Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, disse que os questionamentos das Forças Armadas sobre a segurança das urnas eletrônicas não têm “viés político”. Claro que não, deve ser viés técnico que escapou à atenção das Forças Armadas nos últimos 26 anos de uso das urnas sem que um único caso de fraude tenha ocorrido. Curiosa, no mínimo, a fala do general em uma Comissão do Congresso. Ele disse que o protagonista da eleição é o Tribunal Superior Eleitoral como está na Constituição, mas… Mas, propôs que por cautela se faça uma eleição paralela com o voto impresso. Seria assim: em algumas seções, eleitores que votassem eletronicamente votariam também em papel. E assim, mais tarde, se faria uma conferência para saber se o resultado no eletrônico e no papel fora o mesmo. Se não fosse, algo estaria errado. Simples, não? E barato. Coisa de gênio.

Na verdade, coisa de quem está interessado em desacreditar o voto eletrônico pelo qual o chefe do general se elegeu cinco vezes deputado federal e uma presidente da República, sem reclamar. A proposta não resiste a uma pergunta: quem poderia garantir que os eleitores escolhidos para votar duas vezes repetiriam o mesmo voto? E se não repetissem de pura sacanagem?

Ex-ministro da Saúde, especialista em logística, o general Eduardo Pazuello notabilizou-se por mandar para o Amazonas uma encomenda de remédios destinadas ao Acre, e por ter afirmado: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Bolsonaro mandara que ele anunciasse a compra da vacina Coronavac contra a Covid-19, e ele obedeceu. Bolsonaro arrependeu-se e mandou que Pazuello recuasse, e ele obedeceu. Nogueira é da mesma escola de Pazuello; está ali para fazer o que o seu senhor mandar, e parece não temer o ridículo.

Por Ricardo Noblat

MARKETING DA FACADA

Menos de uma semana depois do assassinato do petista Marcelo Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho, em Foz do Iguaçu, Bolsonaro decidiu ressuscitar o marketing da facada. Achou que seria uma boa ideia voar até Juiz de Fora, a cidade onde Adélio Bispo o esfaqueou, em setembro de 2018. O staff da campanha desaconselhou. Bolsonaro simulou concordância. Mas, como de hábito, deu de ombros, incluindo a viagem na sua agenda desta sexta-feira (15).

O pretexto para o deslocamento é a participação de Bolsonaro numa convenção evangélica das Assembleias de Deus. O que dá à iniciativa ares de provocação é o fato de Bolsonaro ter usado a facada para se distanciar do morto petista. Acusado de industrializar o ódio que levou seu simpatizante a passar nas armas o tesoureiro o PT em Foz do Iguaçu, Bolsonaro atribuiu a intolerância política à esquerda. Fez pose de vítima, recordando que seu esfaqueador é um ex-militante do PSOL.

Bolsonaro ainda não havia retornado a Juiz de Fora desde a campanha passada. Mas já revisitou o caso do atentado que sofreu em 2018 incontáveis vezes. É como se desejasse incluir a faca no enredo de 2022. Com isso, Bolsonaro recuperaria os dois fatores aos quais ele atribui importância vital para a vitória na eleição passada: o antipetismo e o "efeito facada." Dispunha de oito segundos de propaganda na TV. Esfaqueado, passou a desfrutar de uma exposição de 24 horas diárias no noticiário. Fez campanha sem sair da cama do hospital. O problema é que a conjuntura mudou. O eleitor anti-PT ainda existe. Mas a rejeição de 55% que o Datafolha atribui a Bolsonaro indica que surgiu uma legião de eleitores antibolsonaristas.

Por Josias de Souza

MEDO

Do que você tem mais medo? – perguntou a mais recente pesquisa de opinião do Instituto de Pesquisas e Consultoria Quaest que ouviu 2 mil eleitores em todo o país entre os últimos dias 29/6 e 2/7. A margem de erro é de dois pontos, para mais ou para menos. 51% responderam que o que mais temem é a continuidade do governo de Bolsonaro; 31%, a volta do PT ao poder; e, 7%, de ambas as coisas. 59% disseram também que Bolsonaro não merece um segundo mandato. Em junho, eram 62%.

ANNITA E LULA

A cantora Anitta manifestou publicamente apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Anitta, que em geral é discreta sobre questões políticas, disse que a partir de agora é “Lulalá primeiro turno”. Ela acrescentou que lutará “por uma novidade na política presidencial brasileira nas próximas eleições”. Lula se manifestou em agradecimento e postou no Twitter: “Vamos juntos envolver o Brasil”, fazendo referência à música “Envolver”, sucesso recente da artista.

PRESIDENTE SEM NOÇÃO

O histórico da aversão que Bolsonaro nutre pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes ganhou um novo capítulo. O presidente ficou enfurecido com a decisão de Moraes de prorrogar por mais 90 dias o inquérito que investiga as milícias digitais bolsonaristas, sob suspeita de atuar contra a democracia e o Estado democrático de direito.

Bolsonaro considera-se "perseguido" por Moraes. Enxergou a novidade como uma ameaça de "prisão" contra ele e seus simpatizantes. Em privado, o presidente desafiou o ministro a mandar prendê-lo: "Vai ter coragem?" Repetiu o xingamento que dedicara a Moraes em 7 de Setembro do ano passado: "Canalha". No despacho que determina a prorrogação, Moraes alegou que há "diligências em andamento." É a terceira vez que o inquérito é prorrogado neste ano. O novo prazo de três meses começou a ser contado a partir de 6 de julho. Ou seja: o inquérito ainda estará aberto em no dia da eleição, em 2 de outubro.

Há no processo esticado por Moraes um relatório radioativo da Polícia Federal. Coisa de fevereiro. Nele, a delegada Denisse Ribeiro informou a Moraes ter reunido indícios de ação orquestrada de bolsonaristas para propagar desinformação e atacar instituições. O grupo é tratado no texto como uma "organização criminosa". O próprio Bolsonaro é investigado por difundir inverdades sobre urnas e vacinas.

A prorrogação ordenada por Moraes surge a 80 dias da eleição presidencial, num instante em que Bolsonaro prepara manifestações para o feriado de 7 de Setembro. Coincide também com o anúncio de uma reunião de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros para expor hipotéticas fragilidades do sistema eleitoral.

Em outubro do ano passado, Moraes declarou que "irão para a cadeia" os membros de milícias eletrônicas que ousarem repetir em 2022 a propagação de desinformação que marcou a sucessão de 2018. A partir de agosto, o desafeto de Bolsonaro acumulará a relatoria do inquérito no Supremo com a presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

GENTE DE BEM

Um entregador do iFood foi agredido por policiais do 2º Batalhão de Polícia do Exército, em Osasco, em frente a um estabelecimento comercial, no centro da cidade. O Exército informou que os envolvidos, que não tiveram os nomes divulgados, foram suspensos e serão investigados. A cena foi filmada por populares que estavam dentro do estabelecimento. No vídeo, o homem conversa com um dos policiais quando outro chega de moto e o atropela e ordena que ele deite no chão. Imobilizado, o entregador abordado ainda recebe um chute de um dos agentes, que saca a arma na sequência. "Eu estou trabalhando, não sou ladrão, não", fala o entregador ao final do vídeo.

FRASES DA SEMANA

“Quero que Joãozinho seja Joãozinho a vida toda, Mariazinha seja Maria a vida toda, que constituam família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula.” (Bolsonaro, que há 11 anos disse preferir que um filho seu morresse num acidente do que aparecesse com um bigodudo)

“Não sabia da ligação, achei um absurdo. Acredito que Bolsonaro está preocupado apenas com a repercussão política, pois na ligação aos irmãos do Marcelo disse que estão tentando colocar a culpa nele”. (Pâmela Suellen Silva, viúva de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT assassinado)

“Nós acabamos com a fome, eles a trouxeram de volta e nós vamos acabar outra vez. As pessoas precisam comprar alimento, roupa, muita coisa útil, e não armas”. (Lula)

“Estamos sem chão. O que aconteceu tem a ver com extremismo e intolerância política. Eles não se conheciam, e nada mais explica essa tragédia”. (Dalvalice Rosa, mãe do policial bolsonarista Jorge Guaranho que matou Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Paraná)

“O assassinato do companheiro Marcelo Arruda é resultado do incitamento à intolerância e à violência por um governo que está armando seguidores e criando um ambiente de terrorismo político para intimidar o povo.” (Dilma Rousseff, ex-presidente da República)

“Ele quer dar 600 reais ao povo até dezembro. Não recuse o dinheiro. Mas na hora do voto é preciso votar em quem vai cuidar desse país. Se esse dinheiro cair na conta de vocês, peguem e comprem o que puderem para comer. E na hora de votar deem uma banana pra ele.” (Lula)

“Quando falam mal de mim, não falam: ‘Fora, Pazuello’. Eles falam: ‘Fora, Bolsonaro’. E eu falo: ‘Obrigado!’. Se o cara diz que sou Bolsonaro, tenho que agradecer”. (Eduardo Pazuello, general, ex-ministro da Saúde, agora candidato a deputado federal no Rio)

Leia outros artigos da coluna: Ágora Digital

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *