26/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Bolsonaro planta violência

Publicado em 07/07/2022 12:00 - Victor Barone

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O atentado que feriu de morte o ex-premiê japonês Shinzo Abe num ato eleitoral no interior do Japão deveria inspirar a reflexão dos brasileiros. Abe discursava num evento do Partido Liberal Democrata, em apoio a um candidato a deputado nas eleições que ocorrerão no domingo no Japão. Levou tiros pelas costas. Segundo a TV estatal japonesa, a arma foi apreendida e o assassino está preso. Seria um ex-integrante da Marinha. O atual premiê japonês, Fumio Kishida, que é do mesmo partido conservador de Shinzo Abe, formou um "gabinete de crise" para apurar o atentado. Atentados políticos são raros no Japão. A democracia japonesa é muito estável e cultiva um rigoroso no controle de armas de fogo. O episódio precisa mexer com a sensibilidade dos brasileiros porque a campanha eleitoral de 2022 exala um incômodo cheiro de enxofre. Episódios desagradáveis se repetem.

Vestido com um colete a prova de balas, Lula participou de comício na noite de quinta-feira (7) na Cinelândia, no centro do Rio. Um artefato caseiro, feito com um pavio ligado a uma garrafa cheia de fezes foi detonado do lado de fora dos tapumes que cercavam a área destinada ao público espalhando excrementos.

Horas antes, o juiz federal Renato Borelli, que emitiu a ordem de prisão contra o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, foi alvo em Brasília de um ataque com fezes e ovos enquanto dirigia seu carro.

Dias atrás, durante evento político que reuniu Lula e o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, um drone lançou esgoto sobre militantes petistas. No mês passado, bolsonaristas tentaram cercar o carro de Lula em Campinas. Outro grupo hostilizou Ciro Gomes numa feira agropecuária.

Se os japoneses, famosos pelo temperamento glacial, estão sujeitos a atentados fatais contra políticos, imagine-se o que pode acontecer no Brasil se a atmosfera eleitoral não for desintoxicada.  O pior ainda pode ser evitado. Mas é preciso que os líderes políticos ajudem. O primeiro passo é a recuperação do bom senso. Um presidente que foi esfaqueado na campanha passada talvez devesse levar a língua na coleira e receitar suco de maracujá aos seus apoiadores. Até outro dia, a insensatez vadiava pelas redes sociais. Agora, circula pelas ruas à procura de encrenca. O cadáver japonês informa que convém deter a falta de juízo enquanto é tempo.

Por Josias de Souza

O presidente Jair Bolsonaro, que sofreu um abominável atentado, em setembro de 2018, deveria ser o primeiro a condenar ações como essas, pedindo à sua militância que não use de violência no processo eleitoral. Infelizmente, ele age no sentido oposto, alimentando a intolerância. Essa não é uma violência em que um político diz: "vá e jogue uma bomba", mas em que cria o ambiente para que isso seja feito. Bolsonaro e apoiadores, como políticos, religiosos fundamentalistas e comunicadores, dizem que não incitam a violência contra outras pessoas. Podem não ser suas mãos que lançam a bomba ou seguram a arma, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce a visão de mundo das pessoas comuns e torna o ato de atirar, esfaquear e espancar banal. Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é moralmente aceitável, visão que depois será consumida e praticada por seus seguidores. Estes acreditam estarem fazendo o certo, agredindo e matando, quase em uma missão civilizatória. Ou divina.

E o que seus discursos afirmam? Basicamente, a somatória deles nos últimos anos fez com que seus seguidores acreditassem que 1) há um complô da Justiça Eleitoral e da esquerda para fraudar as eleições; 2) caso ele não seja declarado vencedor, o povo deve fazer de tudo para que ele permaneça no poder; 3) Armas são o último recurso para o "cidadão de bem" fazer valer a sua vontade; 4) TSE e STF representam o mal e precisam ser combatidos.

O senador Flávio Bolsonaro, coordenador da campanha de seu pai à reeleição, já avisou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, no dia 30 de junho, que eles não teriam controle sobre um hipotético levante de seguidores contra o resultado das eleições. Mais do que tirar o seu da reta, é um aviso de que isso pode acontecer. Defendeu que Donald Trump não empurrou seus seguidores a invadir o Congresso (apesar de ele ter, de fato, empurrado) e que Bolsonaro não dará um "comando" nesse sentido. E, logo depois, lançou mais dúvidas sobre o processo eleitoral.

Nas redes sociais, a campanha bolsonarista diz que Lula não pode sair às ruas. Quando há atos públicos com a presença do líder petista, contudo, ataques são perpetrados por simpatizantes do presidente. Logo depois, postam nas redes que isso é a prova de que Lula não é bem quisto pela população. Ou seja, criam a "profecia" e fazem questão de cumpri-la para provar seu ponto.

Com ou sem tentativa de golpe por parte do presidente da República se perder as eleições, o mês de outubro já é uma tragédia anunciada pela escalada de violência. O temor é que, além de ataques ao próprio candidato petista e à militância, teremos outros como o do músico Moa do Katendê, que votou em Fernando Haddad e foi morto no dia do primeiro turno de 2018 após uma discussão sobre política em Salvador. Para evitar isso, líderes políticos precisam melhorar o ambiente tóxico. E Bolsonaro deveria frear aqueles que atiçou, adotando um discurso de paz, não de guerra. O que, claramente, não deve acontecer. O presidente quer e precisa dessa violência para manter o engajamento de seus seguidores.

Essa violência, disseminada, também ataca com fezes e ovos o carro do juiz que ordenou a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro no curso da investigação da Polícia Federal sobre corrupção na pasta de Educação de Bolsonaro. Mesmo que as instituições façam o seu papel, punindo, com rigor, todo caso de violência política e publicizando os envolvidos, a intolerância já foi semeada em grande escala pelo bolsonarismo. E ele fará orgulhosamente a colheita dela daqui até o outubro.

Por Leonardo Sakamoto

O APOCALIPSE ELEITORAL

Quando se imagina que o centrão está conseguindo transferir os holofotes da língua de Bolsonaro para a sua caneta, o presidente esclarece em sua live que a PEC eleitoral com benesses de mais de R$ 40 bilhões não o fez abandonar sua opção preferencial pelo Apocalipse. Ao contrário, o presidente já não se contenta em apregoar o caos internamente. Ele agora quer convencer o mundo de que o sistema eleitoral brasileiro é mequetrefe. Convocou os chefes de embaixadas estrangeiras em Brasília para uma exposição na qual pretende demonstrar que as urnas eletrônicas brasileiras são absolutamente inconfiáveis.

As urnas eletrônicas operam há 26 anos. Nesse período, contabilizaram as vitórias de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e do próprio Bolsonaro. Na reunião com os embaixadores, o capitão se arrisca a convencer os interlocutores de que as urnas são, de fato, viciadas. Elas adquiriram o vício da alternância no poder. Com sorte, os embaixadores deixarão o encontro convencidos de que a implicância de Bolsonaro não é com as urnas, mas com o risco de ser convertido pelos eleitores no primeiro presidente da história a a não obter a reeleição.

Bolsonaro fez referência em sua live a uma palestra feita horas antes, nos Estados Unidos, pelo ministro Edson Fachin. Nela, o presidente do TSE disse que o Brasil pode enfrentar um ataque às instituições mais grave do que a invasão do Capitólio, sede do Congresso americano, por devotos de Donald Trump. Bolsonaro segue a trilha de Trump. Ele também questionou o resultado da eleição antes da contagem dos votos. Derrotado, atiçou seus apoiadores.

Nos Estados Unidos, as Forças Armadas tomaram distância do golpista e as instituições reagiram com firmeza. Joe Biden tomou posse. No Brasil, o vice do arruaceiro é fardado e o general que comanda a pasta da defesa participa da coreografia do caos. Na sua palestra para americano ver, Fachin declarou que "o Judiciário brasileiro não vai se vergar a quem quer que seja." O mundo observa o esforço de Bolsonaro para provar que o Brasil é uma república de bananas e se pergunta: "Será que a democracia brasileira resiste?" A esse ponto chegamos.

Por Josias de Souza

DEBAIXO DO TAPETE

“O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, disse o embaixador Rubens Ricupero em setembro de 1994 quando era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. Foi um Deus nos acuda. Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), em campanha para suceder Itamar, voltou às pressas a Brasília para junto com ele escolher um novo ministro. Foi Ciro Gomes. Pedro Guimarães, ou Pedro Maluco, ou Pedro Garagem assinou um artigo na Folha de S. Paulo onde suplica que mostrem tudo supostamente de ruim que existe contra ele. Obrigado a pedir demissão da presidência da Caixa Econômica Federal, ele duvida da existência de provas de que assediou sexualmente funcionárias sob seu comando.

A Comissão de Ética da Presidência da República, segundo a revista Veja, recebeu uma denúncia de assédio contra Guimarães em 17 de março de 2020. Em janeiro último, sepultou-a. As vítimas de assédio parecem dispostas a atender ao apelo de Guimarães para mostrarem tudo. Quanto a ele, espera continuar contando com a proteção do alto.

Por Ricardo Noblat

PIRILAMPO

A decisão de Rodrigo “Pirilampo” Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, de deixar para o fim do ano a instalação da CPI da Educação, significa: investigar roubalheira no governo só depois das eleições. Quanto à aprovação do Pacote de Bondades para salvar Bolsonaro da derrota, essa tem que ser já. CPI quer dizer: Comissão Parlamentar de Inquérito, direito da minoria no Congresso previsto na Constituição. A CPI da Pandemia só foi instalada porque o Supremo Tribunal Federal mandou. Contrariado, Pirilampo então criou uma nova forma de CPI, que quer dizer: Comissão Protelatória de Investigação. Aliado de Bolsonaro, Pirilampo pôs em votação no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida pela alcunha de Kamikaze, a maior pedalada jamais dada na Constituição, na Lei de Responsabilidade Fiscal e na legislação eleitoral. E o Senado aprovou-a por 70 votos a um, do senador José Serra (PSDB-SP).

Pirilampo acende, apaga, acende, apaga. Quando Bolsonaro põe em dúvida a lisura das eleições, ele a defende e brilha por alguns instantes. Afinal, se vingasse a pregação de Bolsonaro contra o voto eletrônico e o sistema de apuração, o mandato de todos os políticos perderia a legitimidade, abrindo caminho para o golpe.

Uma vez que Bolsonaro para de atacar a democracia, Pirilampo apaga e passa a defender os interesses do governo a pretexto de defender os superiores interesses nacionais. Tem a vigiá-lo o tempo todo o senador David Alcolumbre (União Brasil-AP), fiador junto a Bolsonaro de sua eleição para presidência do Senado.

Arthur Lyra (PP-AL) dispensou fiador para se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Em troca de cargos no governo e de administrar uma gorda parcela do Orçamento Secreto, jurou fidelidade a Bolsonaro e cumpriu sua palavra. Irá com ele para o céu ou o inferno. A segunda hipótese é a mais provável hoje.

Por Ricardo Noblat

CORRE QUE O MARIDO DA ZAMBELLI TÁ BRABO!

VIDA DIFÍCIL

MARIO NUMA FRIA

A CARA DO BOLSONARISMO

FRASES DA SEMANA

“Insistir na agenda de pressão sobre a Justiça Eleitoral, em clara atitude de vassalagem em relação a Bolsonaro, é sinalizar ao mundo que o Brasil caminha para um golpe de Estado”. (Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF, para o ministro da Defesa,  general Paulo Sérgio Nogueira)

“Nenhum sistema informatizado é totalmente inviolável, sempre haverá riscos, até mesmo em bancos que gastam milhões [de reais] em sistemas de segurança. Não se trata de qualquer dúvida em relação ao sistema eleitoral.” (Paulo Sérgio Nogueira, general e ministro da Defesa)

“Se houver um governo Lula, eu espero que não, será uma tragédia para o país, e eu vou me posicionar na oposição”. (Sérgio Moro, ex-juiz.  Indagado se presenciou algo errado no governo Bolsonaro, respondeu: “A gente não pode ser ingênuo e pensar que a corrupção acabou”)

“Eu queria dizer para ele (Bolsonaro) o que o povo baiano está dizendo: ‘Bolsonaro, aprove as suas leis, porque a gente vai pegar todo o dinheiro que você mandar, mas a gente não vai votar em você. A gente vai votar em outras pessoas’”. (Lula)

“Minha mãe me bate e meu pai faz terror psicológico. Eu prefiro que me bata do que faça minha cabeça, falar no meu ouvido aquilo que eu fico duas semanas pensando no que ele falou”. (Jair Renan, o Zero Quatro de Bolsonaro, obrigado depois a desdizer-se e a culpar a imprensa)

“Declaramos que esta nação é santa, edificada, liberta, curada pelo sangue precioso de Jesus, e as portas do inferno não prevalecerão contra a nossa família”. (Michelle Bolsonaro, na Marcha para Jesus, em Brasília. Desta vez faltaram os saltinhos e os gritos em línguas estranhas)

“Quem convida pra almoçar é que decide se quer ou não. Se o presidente do Brasil entende que não pode, não quer… Eu respeito quem convida deixar de convidar pelas razões que queira.” (Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, desconvidado porque se encontrará com Lula)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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