19/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Bolsonarices da semana

Publicado em 28/04/2022 12:00 - Victor Barone

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Bolsonaro considera que dispõe de uma conexão direta com o divino. Já declarou que cumpre na Presidência uma "missão divina". Exibida involuntariamente pela estatal TV Brasil, convertida em TV do Capitão, a queda de Bolsonaro com os glúteos no chão ao final do seu discurso num encontro de vereadores pode ter sido um sinal enviado da atmosfera celeste.

Aconteceu no momento em que Bolsonaro se julga mais forte. No caso Daniel Silveira, submetido à sensação típica de quem vive aquela fração de segundo em que o sinal muda de verde para amarelo, Bolsonaro decidiu atravessar o sinal vermelho ao se autoconverter em instância revisora do Supremo. Sentindo-se invulnerável, volta a jogar as Forças Armadas contra a Justiça Eleitoral.

Em 2018, Bolsonaro chegou ao poder. Decorridos três anos e cinco meses de sua posse, ainda não se deu conta de que só faltou o governo. A lição contida na queda testemunhada pelos vereadores é singela: Ninguém está livre de cair sozinho.

Por Josias de Souza

AS FALÁCIAS SOBRE O TSE

Nada é mais falso do que as verdades de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral. Ele serve rotineiramente ao país um sanduíche de distorções. As torradas são o STF e o TSE. O recheio é feito de farda moída. Na sua live semanal das noites de quinta-feira, o presidente insinuou que a Justiça Eleitoral resiste em aceitar às sugestões das Forças Armadas, que "continuam trabalhando", segundo ele, para "convencer o TSE".

Na véspera, Bolsonaro já havia insinuado que as as eleições de 2022 só serão limpas se houver uma apuração paralela dos votos feita pelas Forças Armadas. Algo que teria sido solicitado pelos militares. Numa troca de telefonemas, o chefe do TSE, ministro Edson Fachin, convenceu Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara a defenderem as urnas eletrônicas. Pacheco e Lira fizeram as declarações protocolares nas redes sociais. Foram ignorados por Bolsonaro.

É preciso mais do que palavras. Fachin precisa expor à luz do Sol as reais sugestões feitas pelas Forças Armadas e o encaminhamento que foi dado a cada uma delas. O ministro da Defesa, general Paulo Sergio Oliveira, que tachou de "grave ofensa" a declaração de Luís Roberto Barroso de que as Forças Armadas "estão sendo orientadas para atacar o processo" eleitoral, precisa se reposicionar em cena.

Bolsonaro deixou as Forças Armadas numa situação muito parecida com a do McDonald's. Notificada pelo Ministério da Justiça para explicar a suspeita de que o novo McPincanha não é feito de picanha, a rede de lanchonetes teve de retirar o sanduíche do cardápio. Não havia nos sanduíches nada além de molho aromatizado de carne. O ministro da Defesa precisa esclarecer se o McMilico que Bolsonaro serve ao país tem militar ou apenas um molho com aroma de empulhação.

Por Josias de Souza

PIADISTA SEM TALENTO

Num país engraçado como o Brasil, quando um deputado como Eduardo Bolsonaro reivindica o direito de fazer piada, é sinal de que até o humor perdeu o sentido. O Conselho de Ética da Câmara instaurou dois novos processos contra o engraçadinho Zero Três. Num, pede-se a cassação do mandato do filho do presidente por mandar "enfiar no rabo" as máscaras de proteção contra a Covid.

Noutro processo, o deputado responde por escrever nas redes sociais que a Comissão de Constituição e Justiça parecia, mas não era "a gaiola das loucas". Ele comentava um bate-boca entre deputadas de esquerda e o deputado bolsonarista Éder Mauro. Escreveu coisas assim: "São só as pessoas portadoras de vagina na CCJ sendo levadas a loucuras pelas verdades do deputado."

Numa rara concessão ao óbvio, Eduardo Bolsonaro admitiu que "exagerou nas tintas" no comentário ginecológico. Disse ter lido num artigo de jornal a expressão "portadoras de vagina", usada, segundo ele, para não discriminar transexuais. Absteve-se de comentar o conselho para que os brasileiros enfiassem a máscara em local diferente do rosto. Preferiu reincidir no desatino de ironizar a tortura sofrida pela jornalista Miriam Leitão durante a ditadura militar, tema de outro processo, ainda não instaurado.

Eduardo Bolsonaro lamentou que os deputados desperdicem tempo com processos que serão arquivados. A certeza da impunidade deveria servir como estimulo para que os paulistas que votaram no personagem—ele teve 1,8 milhão de votos— não repitam o desatino em outubro. Sem mandato, o Zero Três morrerá de fome se tentar a sorte como humorista. É fácil distinguir humoristas profissionais de políticos amadores. Ambos ambicionam o humor. A diferença é que os profissionais matam de rir. Os amadores matam de raiva.

Por Josias de Souza

POPSTAR DE FASCISTA

Em menos de uma semana, Daniel Silveira migrou da condição de ameaça à democracia para a de popstar do Legislativo. Com a pena de quase nove anos de cadeia perdoada por Bolsonaro, o deputado foi escolhido como membro de cinco comissões na Câmara. Entre elas a de Constituição e Justiça. O problema não é que os deputados qualificam um malfeitor. A questão é que o destaque concedido a Daniel Silveira desqualifica o Legislativo.

Além da vaga na CCJ, o colegiado mais importante da Câmara, Daniel Silveira foi acomodado por seu partido, o PTB de Roberto Jefferson, em outras quatro comissões: Cultura, Educação, Esporte e Segurança Pública. Nessa última, o absurdo ganhou uma dose de escárnio, pois Silveira foi eleito vice-presidente da comissão.

Tanta coisa já aconteceu com Daniel Silveira que as pessoas esquecem quem é o personagem. Trata-se de um ex-PM. Passou seis anos na corporação. Puxou 26 dias de xadrez. Colecionou 14 repreensões e duas advertências. Antes de entrar para a polícia, trabalhou como cobrador de ônibus. Valia-se de atestados médicos falsos para faltar ao serviço. Foi eleito na aba do bolsonarismo depois de destruir uma placa com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco.

Uma democracia em que um sujeito como Daniel Silveira é prestigiado no Parlamento é um regime com a cabeça a prêmio.

Por Josias de Souza

ANNITA JOGA O FINO

Numa democracia saudável, magistrados se pronunciam em sentenças. E comandantes militares falam para os quarteis. No pântano em que Bolsonaro transformou o sistema político brasileiro, magistrados mordem iscas fora dos autos e militares saracoteiam dentro da política. Essas distorções não existiriam se togas e fardas reagissem às provocações e às manobras de Bolsonaro com o comentário que a cantora Anitta dirigiu ao presidente ao ser cutucada nas redes sociais: "Vai catar o que fazer!". Fez bem. Pressintiu que Bolsonaro faturava politicamente reagindo às suas postagens, deu um block e mandou o espertalhão procurar o que fazer.

Por Josias de Souza

SINUCA DE BICO

Com um único lance —o decreto de indulto do deputado Daniel Silveira—, Bolsonaro deu um nó no Supremo Tribunal Federal, despertou no Congresso o instinto de sobrevivência, calou o rival Lula e pautou a imprensa. É como se o presidente tivesse transformado o Brasil numa República terapêutica para tratar das suas loucuras.

Em 2018, Eduardo Bolsonaro causou frisson ao dizer que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Seu pai precisou apenas de um decreto para anular a supremacia da Corte. Se Bolsonaro é maníaco, os ministros do Supremo são depressivos. A Corte piscou. Alguns de seus ministros querem reabrir canais de diálogo com o presidente, que desautorizou a negociação de qualquer armistício.

Relatora de quatro ações contra o perdão do presidente ao aliado condenado a quase nove anos de cadeia, a ministra Rosa Weber não se animou a suspender o decreto com uma liminar. Concedeu 15 dias para explicações. Em teoria, serão dez dias para Bolsonaro e cinco para a Advocacia-Geral da República. Na prática, é um prazo que o Supremo dá a si mesmo para decidir como lidar com Bolsonaro.

Alheio às hesitações, o presidente já armou o próximo bote. Insinuou que pode descumprir futura decisão do Supremo sobre o marco temporal para terras indígenas.

Tudo enlouquece Bolsonaro, exceto a inflação, o desemprego e a anestesia econômica. Os brasileiros têm cinco meses para decidir se darão alta ao presidente ou se renovarão a internação por mais quatro anos.

Por Josias de Souza

CORTINA DE FUMAÇA

E o escândalo dos pastores recomendados por Bolsonaro que cobravam propinas a prefeitos em troca de acesso às verbas do Fundo Nacional de Educação? Saiu de cartaz por quê?

E o escândalo da compra superfaturada de ônibus escolares para distribuição a municípios rurais às vésperas de eleições? Não se fala mais disso? Foi resolvido? Ou em que pé está?

E o escândalo da compra pelo Ministério da Defesa de milhares de comprimidos de Viagra para satisfação dos militares velhinhos que o general Hamilton Mourão pediu que fossem deixados em paz?

Já deu o que tinha de dar a discussão sobre os áudios onde ministros do Superior Tribunal Militar nos anos 1970 admitem que presos políticos da ditadura foram torturados e alguns mortos?

O perdão da pena do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), um acinte ao Supremo Tribunal Federal, parece ter sepultado tudo o que antes causava profundo incômodo ao governo Bolsonaro.

Nos porões do Palácio do Planalto, outras crises estão sendo testadas para explodirem quando necessário.

P.S. E a compra de próteses penianas? Quase ficou de fora.

Por Ricardo Noblat

ATO FALHO

Num evento realizado no Palácio do Planalto na noite de quarta-feira (27), o presidente Jair Bolsonaro, não se sabe se num ato falho (mais um) ou num exercício de sinceridade, resolveu admitir que mente. “Se um militar mente, acabou a carreira dele… O cabo não sai sargento, o subtenente não sai tenente, o coronel não sai general… Não tem prescrição pra isso! E temos um chefe do Executivo que mente!”, disse o líder radical de extrema direita. Para que não reste dúvidas, o chefe do poder Executivo é o presidente da República.

Jair Bolsonaro é, talvez, o governante mais mentiroso do mundo de que se tem notícia na história. Um relatório batizado de The Global Expression Report 2021, produzido pela organização Artigo 19, que atua na área de defesa da liberdade de expressão em nível planetário, mostrou que apenas em 2020 o chefe de Estado brasileiro deu 1682 declarações falsas ou enganosas. Não há qualquer outro nome que sequer chegue perto de uma marca tão absurda quanto a dele.

CIRO TÁ CERTINHO

O pré-candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, bateu boca com bolsonaristas na tarde de quinta-feira (28). O presidenciável participou da Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação (Agrishow), em Ribeirão Preto, em São Paulo. O evento foi aberto, nesta semana, pelo presidente e pré-candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e conta com um setor importante de sua base: o agronegócio.  “Não teve bate boca. Meia dúzia de nazistinha [gritaram] ‘Nordestino, cearense, vai embora, Bolsonaro, mito’. E eu digo: ‘Ladrão da rachadinha’. Só isso”, disse Ciro à imprensa no evento. 

GENTE DE BEM

Resgatada de trabalho análogo à escravidão na BA chora ao tocar em mão de repórter: 'Receio de pegar na sua mão branca'. Madalena, doméstica que trabalhou 54 anos sem receber salários, emocionada, desabafou com jornalista.

FRASES DA SEMANA

“O que Bolsonaro fala gera notícia. Consegue dominar a pauta, o que o torna um grande comunicador. Mas isso me atrapalha um pouco porque quero vender o governo e muitas vezes a palavra dele é tão forte que fica acima de qualquer entrega”. (Fábio Faria, ministro das Comunicações)

“Ele [Bolsonaro] vive de favor, fazendo decreto lei, fazendo indulto fora de hora, transformando qualquer coisinha que os filhos dele façam em sigilo de 100 anos. Tudo é sigilo de 100 anos. Mas, se preparem que nós vamos dar um jeito nisso.” (Lula)

“Sergio Moro é um bandido que traiu a toga, botou político na cadeia, foi ministro de outro político, depois foi trabalhar para multinacional vendendo informação privilegiada; inclusive, é o cara que garantiu a impunidade do Lula, que não tem nada de inocente”. (Ciro Gomes)

“A Justiça Eleitoral é um patrimônio democrático imprescindível. Atacar a Justiça Eleitoral é atacar a democracia”. (Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral)

“A democracia se encontra sob pressão. A desinformação é um problema com o qual precisamos lidar com seriedade e as instituições têm resistido, mas, parodiando o Legião Urbana, não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas”. (Luís Roberto Barroso, ministro do STF)

“A gente tá (na) guerra e o cara me falando em precedente, como se nunca um corrupto tivesse recebido indulto e agora o instrumento tenha sido utilizado para seu fim: soltar um inocente. São uns filhos de uma p*!” (Eduardo Bolsonaro, sobre Abraham Weintraub e eu irmão)

“Lamentável termos, no Brasil, ministros cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão, pelo cheiro de podre que exalam”. (Eduardo Barbosa, general da reserva e presidente do Clube Militar)

“O Brasil nunca teve um presidente tão desqualificado moralmente. Um cara que não fala em emprego, em educação, em cultura, em ciência e tecnologia, em escola técnica. Ele não fala nada. Ele se alimenta do ódio que ele e a família dele transmitem todos os dias“. (Lula, hoje)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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