23/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

O sujo perdoa o mal lavado

Publicado em 20/04/2022 12:00 - Victor Barone

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O perdão concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) passa a seguinte mensagem para os seus seguidores mais radicais: podem atacar a Justiça, o Congresso, os opositores do presidente, a democracia, que vocês não serão presos. Caso Bolsonaro seja derrotado em outubro, sua turma mais exaltada poderá tentar invadir os prédios do Tribunal Superior Eleitoral, do Supremo e do Congresso, segura que de imediato, ou em dezembro, será perdoada por um indulto presidencial.

Em 2018, depois de eleito, Bolsonaro disse que o país deveria dormir descansado porque ele jamais concederia indulto a criminosos Silveira foi julgado e condenado. O presidente que retardou a compra de vacinas indultou-o 24 horas depois.

As eleições deste ano serão sobre a democracia, nada mais do que isso; se desejamos mantê-la ou se não ligamos para seu destino. Se quisermos mantê-la, Bolsonaro terá que ser derrotado, não interessa por quem. Por qualquer candidato que possa derrotá-lo. Não se enganem com os que dizem que nossas instituições são sólidas e que saberão reagir às ameaças. Do fim da ditadura para cá, elas nunca passaram pelo teste de conviver com um presidente golpista fortemente apoiado pelas Forças Armadas.

Um presidente que não se envergonha de dizer abertamente ser a favor da ditadura e da tortura aplicada aos que se opuserem ao regime. E que apenas lamenta que a ditadura militar de 64 não tenha matado e flagelado um maior número de pessoas.

Um presidente que defende armas para quem as queira, a pretexto de que assim o povo jamais será escravo do Estado. Sua primeira fala nesse sentido foi em meados de 2019 dentro de um quartel do Exército na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Jairzinho Paz & Amor veio à luz depois do fracasso do golpe ensaiado em 7 de setembro. Tinha prazo de validade curto, como se previu. Foi sepultado ontem. Deu lugar ao único Jair que existe e que na melhor das hipóteses só será morto se não se reeleger.

Aos que ainda duvidam disso, esperem para ver.

Por Ricardo Noblat

COMO BOLSONARO AMEAÇA O ESTADO DE DIREITO NO BRASIL

No último dia 14, o jornal Le Monde estampou em manchete de primeira página: “Como Marine Le Pen ameaça o estado de direito”. Le Pen é a candidata da extrema direita que disputará o segundo turno da eleição presidencial francesa com Emmanuel Macron, atual presidente, de centro-direita. Em declaração recente, Le Pen deixou claro o que pretende fazer se eleita. Ela quer governar “livre do controle constitucional, do Parlamento e de uma parte da Imprensa”. Dito de outra maneira: ignorando a Constituição, o Congresso e a imprensa que não compartilha suas ideias claramente antidemocráticas. Le Pen, pelo menos, é sincera. Não esconde que jogará fora das quatro linhas da Constituição. Quem votar nela não poderá dizer depois que votou por engano. A eleição na França será sobre a democracia, de resto como a do Brasil em outubro próximo. Quando a imprensa, aqui, estampará isso em suas manchetes?

Por Ricardo Noblat

FRONTEIRAS

Ao condenar Daniel Silveira, o Supremo Tribunal Federal fez um risco no chão. Demarcou a fronteira que separa a liberdade de expressão do crime. "Está claro que o deputado não é um bom exemplo", disse à coluna um dos ministros da Corte. "Mas ele acabou servindo como um ótimo aviso." Silveira foi usado pelo Supremo para informar aos seus semelhantes, inclusive ao presidente da República, que o bolsonarismo petulante, quando descamba para o ódio e passa a ameaçar a democracia, dá cadeia. O deputado recebeu quatro pauladas:

1) Cana de oito anos e nove meses, em regime inicialmente fechado.

2) Perda do mandato.

3) Inelegibilidade, com o consequente sacrifício de sua candidatura ao Senado.

4) Multa estimada em cerca de R$ 192 mil.

Além de insultos e xingamentos, ardiam no caldeirão em que se formaram as culpas de Daniel Silveira ameaças de agressão física a ministros do Supremo, incitação à invasão e ao fechamento do Congresso e da Suprema Corte; e 3) fabricação de animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis.

O aviso do Supremo foi extensivo ao Legislativo. O Conselho de Ética da Câmara já havia aprovado uma punição para Daniel Silveira: suspensão do mandato por seis meses. O castigo mixuruca depende do aval do plenário da Casa. Caberia ao presidente da Câmara, o réu Arthur Lira, incluir a encrenca na pauta de votação. Mas Lira, movido à base de orçamento secreto e rendido às conveniências de Bolsonaro, mantém a parecer do Conselho de Ética na gaveta há nove meses.

Com sua decisão, os ministros do Supremo informaram a Lira e seus cúmplices que aqueles que dizem que alguma coisa não pode ser feita são geralmente surpreendidos por alguém fazendo a coisa. A cassação do mandato transformou em piada a ideia de premiar Silveira com uma folga hipertrofiada de seis meses.

Bolsonaro e seus devotos apostavam que o ministro André Mendonça pediria vista do processo, engavetando-o por tempo sufiente para que o réu chegasse até as urnas de outubro. Deu errado. Além de não travar o julgamento, o "terrivelmente evangélico" Mendonça compôs a maioria de 10 votos favoráveis à condenação de Silveira. Ficou isolado na dosimetria da pena. Atribuiu culpa a Silveira apenas na imputação de estimular a violência ou grave ameaça contra autoridades para favorecimento próprio. Fixou a pena em 2 anos e 4 meses, em regime aberto.

Apenas o ministro Nunes Marques, descrito por Bolsonaro como "10% de mim dentro do Supremo", votou pela absolvição de Silveira. Considerou o comportamento e as declarações do deputado inaceitáveis. Mas sustentou que tudo não passou de " ilações" e "conjecturas inverossímeis. Nessa versão, Silveira teria pronunciado "bravatas" sem "credibilidade". Coisas "incapazes de intimidar quem quer que seja". Cármen Lúcia ironizou o voto do colega. Disse que, se o Supremo aguardasse pela concretização das ameaças, o julgamento de Silveira não ocorreria, pois o deputado arguiu a suspeição de nove dos 11 ministros da Corte.

Para a defesa de Silveira, apenas André Mendonça e Nunes Marques teriam isenção para julgar o deputado. Se prevalecesse o entendimento de Nunes Marques, Silveira seria apenas um inofensivo neurótico que constrói castelos no ar. Ou um psicótico, que mora nos castelos de vento. Para azar do bolsonarismo, a maioria do Supremo optou por se comportar como o psiquiatra, que cobra o aluguel do maluco.

A certa altura, o relator Alexandre de Moraes evocou um raciocínio de Albert Einstein: 'Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta'." Por vias oblíquas, Moraes como que convidou o eleitor do Rio de Janeiro a refletir sobre as razões que levaram um pedação da sociedade fluminense a escolher a estupidez como sua representante na Câmara federal.

Daniel Silveira é um ex-PM. Passou seis anos na corporação. Nesse período, puxou 26 dias de xadrez. Colecionou 14 repreensões e duas advertências. Antes de entrar para a polícia, trabalhou como cobrador de ônibus. Valia-se de atestados médicos falsos para faltar ao serviço. Um personagem assim podia ser enviado para muitos lugares, exceto para o Congresso.

Por Josias de Souza

CHILIQUE

Conselheiro de Jair Bolsonaro (PL) e um dos principais articuladores da indicação "terrivelmente evangélica" ao Supremo Tribunal Federal (STF), o pastor Silas Malafaia teve um chilique após a condenação à prisão por 8 anos e 9 meses do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e partiu para cima de André Mendonça, que corroborou a decisão da corte.

DEBAIXO DO TAPETE

Bolsonaro mudou na prática o sistema de governo no Brasil. A República foi convertida em monarquia absolutista. Nela, reina a escuridão. Consideram-se secretas todas as decisões e atitudes do monarca que despertam interesse público pela ilegalidade, pela imoralidade ou pelo simples descaramento. No penúltimo decreto do reino do breu, o Itamaraty determinou que permaneçam no departamento das sombras por cinco anos os documentos relacionados à visita que Bolsonaro fez à Rússia uma semana antes de Vladimir Putin bombardear a Ucrânia. O único propósito da providência é evitar a exibição dos detalhes de um grande vexame diplomático.

Por Josias de Souza

VALENTE

Ao renunciar ao mandato de deputado estadual, Arthur do Val revelou que sua valentia é uma virtude fácil, porque abandona o dono no momento de maior necessidade. O ex-valente estava com a corda no pescoço desde que declarou que as mulheres ucranianas "são fáceis porque são pobres", além de comparar as filas de refugiadas da guerra às "melhores baladas de São Paulo". No Conselho de Ética da Assembleia Legislativa paulista, fez pose de corajoso. Usou o discurso de defesa para atacar os colegas. Derrotado, decidiu fugir às vésperas da cassação no plenário da Casa.

Ao justificar a fuga, Arthur do Val disse estar sendo "vítima de um processo injusto e arbitrário dentro da Assembleia Legislativa." Alega que "o amplo direito de defesa foi ignorado". Sustenta que "os deputados promovem uma perseguição política". Tolices. O personagem não nega que se portou de forma incompatível com o decoro parlamentar. Pede perdão por sua indigência mental. E escora sua defesa numa tese que o torna indefeso.

Arthur do Val recorda que o deputado Fernando Cury, filmado apalpando os seios da colega Isa Penna no plenário, foi premiado pela Assembleia com uma suspensão de seis meses. Sustenta que seria injusto que seu mandato fosse cassado apenas por ter insultado as mulheres com um machismo intolerável.

Na prática, Mamãe Falei, como o fugitivo gosta de ser chamado, insinua que há no seu caso muita forca para pouca corda. Bobagem. A punição ridícula imposta ao deputado apalpador de seios revela que o problema da Assembleia não é de escassez de forca, não de excesso.

A renúncia de Arthur do Val teve um propósito reles. O agora quase ex-deputado refugia-se na sua mediocridade para tentar salvar os seus direitos políticos. Os deputados estaduais de São Paulo estão diante de duas alternativas. Ou começam a elevar suas estaturas, impondo ao fugitivo um jejum eleitoral de oito anos, ou rebaixam ainda mais o pé direito do Legislativo paulista.

Por Josias de Souza

TORTURADORES E TORTURADOS

Oficialmente, a ditadura terminou em 1985. Mas a tortura sobreviveu a 37 anos de democracia. O general Mourão disse que tudo já passou, faz parte da história. Engano. A tortura de brasileiros desarmados submetidos à custódia do Estado durante a ditadura é uma história que tem início e meio. Mas não tem fim. Se a tortura é condenada, vira história. Quando Mourão e Bolsonaro chamam de "herói", a tortura se torna parte do presente. Pior: ela se eterniza no futuro.

Mourão não gostou das verdades expostas no vozerio recuperado pelo historiador Carlos Fico nas 10 mil horas de gravação das sessões em que o Superior Tribunal Militar revolveu o lixo dos porões militares. É natural que o general desgoste dos relatos que confirmam suplícios impostos a presos desarmados, submetidos à custódia do Estado. Mourão prefere o lixo reciclado que o coronel Ustra expôs no livro "A Verdade Sufocada." Entre risos, o vice-presidente da República tratou como piada a hipótese de investigação. "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo. Vai trazer os caras do túmulo de volta?" A anistia assegurou a impunidade de práticas como o sequestro, a tortura e o sumiço de gente. Mas não apagou os crimes.

Assisti no cinema, em 2007, ao filme "Tropa de Elite". Havia nele uma cena em que o capitão Nascimento, da PM do Rio, buscava o paradeiro de um traficante chamado "Baiano". Para obter a informação, espancava um jovem e mandava que o torturassem, asfixiando-o com um saco plástico. A plateia aplaudiu a cena. Fiquei espantado. Os aplausos ao capitão Nascimento se repetiriam em salas de cinema ao redor do país. Onze anos depois, Bolsonaro e Mourão prevaleceriam numa campanha presidencial em que aplaudiram o torturador Ustra. A tortura não virou história, como supõe Mourão. Ela se tornou método de investigação policial no Brasil. Com seu talento para o chiste, Mourão cria uma nova modalidade de suplício. A tortura convencional tritura o corpo. A tortura do deboche estilhaça a alma.

Por Josias de Souza

MAIS DITADORES E TORTURADORES

Na abertura dos trabalhos do Superior Tribunal Militar (STM), No último dia 19, o presidente da Corte militar, Luís Carlos Gomes Mattos, ironizou a divulgação dos áudios inéditos pelo historiador Carlos Fico, da UFRJ, que comprovam que os ministros do STM tinham conhecimento da prática de tortura contra mulheres grávidas que estavam presas. Em sua fala, Luís Mattos afirma que a publicação dos áudios tem por objetivo atacar as Forças Armadas. Também afirmou que ninguém teve o seu feriado da Páscoa afetado por conta da revelação do material. 

DITADORES DE FARDA

A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou uma moção de repúdio à atitude da Polícia Militar que interrompeu uma festa na residência do jornalista Sylvio Costa, fundador do Congresso Em Foco, por considerar a manifestação dos convidados uma ameaça à ordem pública.  A moção teve como autor o deputado distrital Chico Vigilante (PT). Sylvio Costa foi ameaçado de ser conduzido à delegacia e teve de assinar um termo circunstanciado de ocorrência após ser acusado de perturbar a ordem pública, ao comemorar o seu aniversário em um evento privado, na sua residência – localizada no setor Noroeste. Segundo a PMDF, a ação se deveu única e exclusivamente ao incômodo de alguns vizinhos com o barulho causado pela festa. Os policiais chegaram ao local, porém, pouco depois de convidados e o próprio anfitrião gritarem #ForaBolsonaro. O distrital classificou esse tipo de atitude como “absurda” e disse que tal prática “não pode acontecer”.

ENGAVETADOR

O procurador-geral da República, Augusto Aras, foi abordado no último dia 18 enquanto passeava com a família em Paris por um grupo de brasileiros que cobraram investigações sobre suspeitas de corrupção no Ministério da Educação (MEC). Veja o vídeo abaixo.

VÃO PERMITIR A DEMOCRACIA?

Em meio à revolta dos militares com a divulgação da farra das licitações, com compras de picanha, prótese peniana e Viagra, Lula escalou o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, para indagar à cúpula das Forças Armadas se conseguirá tomar posse, caso seja eleito. Segundo informações de Vera Rosa, no jornal O Estado de S.Paulo, os generais teriam dito que "nada impedirá o vencedor, qualquer que seja ele, de assumir a cadeira no Palácio do Planalto". “A impressão que fico, nessas conversas, é a de que as Forças Armadas são totalmente legalistas”, disse Jobim ao Estadão.

Em discurso à cúpula militar no último dia 19, Dia do Exército, Jair Bolsonaro (PL) incitou a caserna a entrar na disputa eleitoral, citando inclusive o tuite de Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército que estava presente na cerimônia, com ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera do julgamento que poderia colocar Lula em liberdade, em 2018 – assista ao vídeo. Além de Jobim, Lula escalou o pré-candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o senador Jaques Wagner (PT-BA) para fazer a interlocução com os militares.

FRASES DA SEMANA

“O Brasil nunca teve um presidente tão desqualificado moralmente. Um cara que não fala em emprego, em educação, em cultura, em ciência e tecnologia, em escola técnica. Ele não fala nada. Ele se alimenta do ódio que ele e a família dele transmitem todos os dias“. (Lula, hoje)

“A Constituição não garante a liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, para discurso de ódio, discurso contra as instituições”. (Alexandre de Moraes, ministro do STF que condenou o deputado Daniel Silveira a 8 anos de prisão)

Simplesmente ignoramos”. (Luis Carlos Gomes Mattos, general e presidente do Superior Tribunal Militar, sobre os áudios onde ex-ministros do tribunal reconhecem que a ditadura de 64 torturou e matou presos políticos. A divulgação dos áudios “não estragou” a Páscoa dele)

“Anitta não vai poder falar mais ‘fora Bolsonaro’, tem que falar ‘fora Bolsonaro e volta Lula, volta PT’. Só tem Bolsonaro e o PT, não tem 3ª via.” (Fábio Faria, ministro das Comunicações, que no passado votou em Lula e Dilma, e que se prepara para entrar no ramo da internet 5G)

“Sobretudo em sessões secretas, os ministros sentiam-se muito confortáveis. Há falas muito pesadas, grotescas, piadas com vítimas de tortura”. (Carlos Fico, historiador, que teve acesso aos áudios de sessões do Superior Tribunal Militar na época da ditadura de 1964)

“A estratégia precisa ser citar o nome dele o menos possível. Eu trocaria o slogan ‘Fora fulaninho’ para ‘Muda Brasil’. Vocês não me verão falando ‘Fora fulaninho’ até as eleições acabarem. E sugiro a quem for contra ele fazer o mesmo”. (Anitta, sobre… Você sabe quem.)

“Ô, Paulinho, não é muito melhor tratar comigo do que tratar com a porra da Gleisi? Vem para cá. Aqui, você vai ser só festa, alegria e bons amigos cuidando de você”. (Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, tentando convencer Paulinho da Força Sindical a trocar Lula por Bolsonaro)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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