25/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Filho de fascista, fascista é

Publicado em 07/04/2022 12:00 - Victor Barone

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Jean-Paul Sartre ensinou que família é como varíola: "A gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida." Na organização familiar dos Bolsonaro, quem sai ao patriarca não endireita. O deputado Eduardo Bolsonaro, terceiro filho da linhagem presidencial, abespinhou-se porque Míriam Leitão anotou na sua coluna de domingo que "Bolsonaro é inimigo confesso da democracia." Em reação, o Zero Três correu às redes sociais para debochar da tortura sofrida pela jornalista durante a ditadura militar.

Presa num quartel do Exército no Espírito Santo em 1972, Míriam foi levada para um pátio. Nua, levou chutes e tapas de soldados. Depois, trancaram-na numa sala escura com uma jiboia. Estava grávida. Eduardo Bolsonaro escreveu que ainda sente pena da cobra. Ele imita o presidente, que também já ironizou o suplício imposto à jornalista. Pai e filho carregam na personalidade uma mistura tóxica de ignorância pessoal com autoritarismo político.

A ignorância impede que percebam que alguém que sofreu a truculência da tortura e exerce o jornalismo com a dignidade e a coragem que caracterizam o trabalho de Míriam Leitão não se intimidará com ameaças ou gracejos ordinários. O autoritarismo não permite que notem o quão abjeto é o comportamento de gente que elogia torturadores e defende a volta do AI-5 escondidos atrás de mandatos obtidos numa democracia que foi conquistada à custa do sofrimento alheio. O distúrbio dos Bolsonaro não é político. O caso é de psicopatia.

Por Josias de Souza

Em abril do ano passado, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara decidiu arquivar um processo movido por Rede, Psol, PT e PCdoB contra Eduardo Bolsonaro. Foram 12 votos pelo arquivamento e cinco pela continuidade. O processo, referente às representações 10/19 e 11/19, será arquivado, a menos que haja recurso ao Plenário contra a decisão. Os quatro partidos acusavam o parlamentar de quebra de decoro e de atentado contra a democracia por sugerir, durante uma entrevista, a adoção de um novo AI-5, instrumento que, em 1968, endureceu o regime militar, permitindo o fechamento do Congresso Nacional, entre outras medidas.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) era um deputado federal do baixo clero em 17 de abril de 2016, quando a Câmara aprovou o início do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Naquele dia, Bolsonaro se destacou dos colegas por louvar, em plenário, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, declarado torturador pela Justiça. Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército condenado em 2008 pela Justiça brasileira como torturador durante a Ditadura Militar (1964-1985), foi elevado ao posto de marechal. / Comissão Nacional da Verdade/ Agência Brasil Em novembro daquele ano, o Conselho de Ética da Câmara arquivou, por 9 votos a 1, um processo disciplinar aberto para apurar se Jair Bolsonaro havia quebrado o decoro parlamentar.

OUTRO REBENTO ENCRENCADO

Jair Renan Bolsonaro se diz "revoltado" com o inquérito aberto contra ele na Polícia Federal. A revolta do Zero Quatro revela que, a exemplo do pai e dos irmãos, ele também acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. O filho do presidente é protagonista de inquérito sobre tráfico de influência e lavagem de dinheiro na administração pública. O processo foi aberto em março do ano passado, a pedido de parlamentares da oposição. O depoimento deveria ter ocorrido em dezembro. Mas o investigado não apareceu. Alegou que estava doente. Pesa contra ele a acusação de que usou sua empresa dele para aproximar do Ministério do Desenvolvimento Regional um grupo empresarial do setor de mineração e de construção civil.

Apurou-se que o grupo presenteou o filho do presidente e o parceiro comercial dele, Allan Lucena, com um carro avaliado em R$ 90 mil. Um mês após a doação, representantes da empresa, acompanhados de Jair Renan, tiveram um encontro com o ministro Rogério Marinho. O rapaz admite que esteve na reunião. Mas diz que entrou mudo e saiu calado. Investiga-se o uso gratuito de uma produtora de vídeos que presta serviços ao governo para fazer a cobertura —com fotos e vídeos— de evento da empresa criada por Jair Renan.

A revolta de Jair Renan contrasta com seu padrão de vida. Meses atrás o buliçoso rapaz, 23 anos, mudou-se com a mãe para uma mansão no bairro mais chique de Brasília avaliada em R$ 3,2 milhões. O valor de mercado do aluguel do imóvel elegante —coisa de R$ 15 mil.

Segundo o advogado de Jair Renan, o notório Frederick Wassef, o filho do presidente é vítima de mentiras produzidas pela oposição comunista para prejudicar o pai presidente. A tese do complô dos comunistas é reconfortante. Ou é mais um complô para embaraçar o presidente ou o país está diante de um fabuloso mal-entendido, de uma sequência impressionante de coincidências maliciosamente interpretadas que acabou fazendo um filho modelo de um pai exemplar parecer um malandrão.

Por Josias de Souza

A DITADURA, LOGO ALI

A vida não está fácil pra ninguém. Na noite do último dia 1º, por volta das 22h30, o jornalista Silvio Costa, editor do site Congresso em Foco, comemorava seu aniversário na companhia de dezenas de amigos quando a polícia chegou sem ser convidada. Costa mora em um prédio do Noroeste, região administrativa de Brasília. A festa era privada. A certa altura, um dos participantes gritou “Fora Bolsonaro”. Os demais aderiram, e o coro se fez ouvir por alguns minutos, não mais do que 5, se tanto. Foi tempo suficiente para que moradores de um prédio vizinho, alguns deles eleitores de Bolsonaro, acionassem a polícia a pretexto de que a ordem pública, àquela hora, estava sob ameaça. Policiais do 3º Batalhão Militar foram despachados para o local.

Interrompida a festa, o sargento que comandava a operação ouviu do aniversariante que “todas as pessoas têm o direito de se manifestar, independentemente de posição política”. A resposta foi que Costa seria levado para depor na delegacia mais próxima. Os convidados rebelaram-se e não o deixaram ir. Uma advogada acusou os policiais de “abuso de autoridade”. Então, o aniversariante foi obrigado a assinar “um termo circunstanciado” onde se comprometeu a ir depor, hoje, na delegacia. E sem que mais se ouvissem gritos de “Fora Bolsonaro”, a ordem pública, afinal, foi restabelecida naquele pedaço do setor Noroeste de Brasília, a poucos quilômetros de distância do Palácio da Alvorada, residência do presidente da República, de emas e antas. Foi uma ocorrência banal, se comparada com os atos quase diários de agressão de Bolsonaro à ordem constitucional — essa, sim, gravemente ameaçada.

Por Ricardo Noblat

GENTE DE BEM

Uma moradora de um prédio de luxo foi flagrada agredindo uma cozinheira após chamá-la de “negra esquisita”, na rua Oscar Freire, no bairro Jardins, área nobre de São Paulo. A mulher acusada de agressão e injúria racial é Patrícia Brito Debatin. Pelas imagens, é possível ver ela empurrar a vítima até a porta de vidro da recepção para entrar no prédio e retornar ao apartamento. A vítima se chama Eliane Aparecida de Paula. Ela esperava sentada no hall de entrada a chegada de um transporte para retornar para casa quando foi chamada de “negra esquisita” e agredida com puxões de cabelo, joelhadas e teve a cabeça batida contra a parede.

O caso aconteceu em 22 de outubro de 2021, mas a investigação só foi iniciada na última quinta-feira (31). Eliane havia pedido as imagens da câmera da portaria imediatamente, mas elas só foram liberadas agora, cinco meses depois, por ordem da Justiça. O advogado de Eliane vai entrar com uma ação criminal contra a agressora por injúria racial e lesão corporal.

Injúria racial é ofender alguém com base na sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. O Código Penal, em seu artigo 140, descreve delito de injúria na conduta de ofender a dignidade e prevê pena de 1 a 6 meses de reclusão ou multa.

FRASES DA SEMANA

“Bolsonaro, ao se aliar ao Centrão, transformou um sonho que a gente tinha de mudanças no país num pesadelo. Porque hoje ou é com Lula ou vai continuar piorando. […] O segundo mandato de um presidente é pior do que o primeiro.” (Abraham Weintraub, ex-ministro de Bolsonaro)

“Verbo não é verba. Lorota de dizer que vai ter lá previsto, ou está previsto, mas não acontecido. A verba é que garante a execução de políticas públicas”. (Carmen Lúcia, ministra do STF, sobre ações que acusam o governo federal de omissão no combate ao desmatamento da Amazônia)

“O Brasil vive a naturalização da mentira. Há uma nova atividade no país: a de traficante de notícias falsas. Vivemos uma decadência ética profunda”. (Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal)

“E a esquerda quer botar a culpa em mim [do aumento do preço dos combustíveis]. Me desculpa aí… Os caras botam a culpa em mim em tudo. Até quando o cara broxa em casa, ele me culpa”. (Bolsonaro, o boca suja, que joga a culpa de tudo nas costas dos outros)

“O que era possível fazer, o time fez. Temos que ter orgulho de ter chegado até aqui. Não é dia de caçar culpados. Temos que entender as diferenças e precisamos evoluir. Isso se faz necessário”. (Rogério Ceni, técnico do São Paulo, goleado pelo Palmeiras na final do Paulistão)

“A elite brasileira gosta de ostentar privilégios. Acha lindo escola e saúde pública na Europa, o estado de bem-estar social, mas apoia o bolsonarismo. Acha fofo os europeus respeitarem a faixa de pedestre, mas comporta-se como selvagem no trânsito”. (Lira Neto, historiador)

“Eu não saio, eu me apresento. Apresento-me para cumprir meu papel como cidadão, como representante de uma Nação que não se conforma como uma armadilha política que se montou contra o próprio Brasil”. (Eduardo Leite, o próximo a ser feito de bobo pelos órfãos da terceira via)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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