20/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Fome de cidadania

Publicado em 20/10/2021 12:00 - Victor Barone

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Em qualquer pedaço do mapa, pessoas recolhendo alimentos no lixo é uma indignidade inaceitável. Num país como o Brasil, campeão mundial na produção de grãos e de carnes, a cena filmada defronte de um supermercado de Fortaleza é um escárnio inacreditável. O flagrante de fome foi registrado num bairro chique da capital cearense, onde muitos moradores fazem regime. O garimpo de comida na caçamba do caminhão é uma variante do mesmo flagelo que leva brasileiros à fila do osso.

Não é apenas por falta de dinheiro que o brasileiro passa fome. Num país em que o orçamento secreto que compra a fidelidade do centrão a Bolsonaro soma R$ 17 bilhões e as isenções tributárias incluídas no Orçamento de 2022 chegam a R$ 371 bilhões, faltam também vergonha na cara e prioridade.

Neste mês de outubro, o governo paga a última parcela do auxílio emergencial na sua versão mais mixuruca —mínimo de R$ 150 e máximo de R$ 375. E o bloco partidário que apoia Bolsonaro no Legislativo ainda não aprovou o Auxílio Brasil, o Bolsa Família rebatizado e anabolizado. Sem alternativa, o governo rabisca em cima da perna um remendo capaz de prorrogar o auxílio emergencial. Hoje, o benefício chega a 25 milhões de brasileiros. Cogita-se renová-lo apenas para as 14,6 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família. O que é ruim tende a ficar pior.

Na Câmara, uma comissão especial tenta retirar do limbo a proposta que pedala as dívidas judiciais, acomodando os precatórios num andar acima do teto de gastos. Coisa de um governo que trata a emergência social na base da gambiarra.

Além de amargar o improviso governamental, os famintos lidam com um fenômeno maior do que a sua fome: a ganância. Os Procons do Distrito Federal, do Paraná e de Santa Catarina divulgaram recomendações para que ossos e carcaças de bois, porcos e aves sejam doados, não vendidos. No DF, o osso vem sendo comercializado a R$ 5 o quilo. Nos Estados do Sul, a mercadoria sai por R$ 4. A infâmia não tem limites.

Por Josias de Souza

XEIQUE FANFARRÃO

Numa excursão turística, a foto de Eduardo Bolsonaro fantasiado de xeque árabe ao lado da mulher e da filha em Dubai seria apenas um caso de exibicionismo de mau gosto. No contexto de uma comitiva oficial do Brasil a um evento internacional, a imagem é uma extravagância a serviço da desmoralização.

O governo decidiu enviar a Dubai 69 pessoas entre setembro e outubro. Gente de nove ministérios e da Presidência, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão. Numa conta preliminar, que ainda deve subir, a coisa custará ao Tesouro Nacional pelo menos R$ 3,6 milhões só em diárias. O pretexto era o de vender oportunidades de turismo numa feira internacional de negócios.

O Brasil montou em Dubai um pavilhão cujo tema é floresta amazônica. Quer dizer: a mesma floresta que o descaso governamental ajuda a destruir é usada como chamariz de turistas estrangeiros. O mote turístico confundiu a cabeça de alguns integrantes da comitiva. Por exemplo: Fotografado numa praia, o secretário da Pesca, Jorge Seif, definiu a missão em Dubai como um "trabalho-passeio". É "top demais", exultou.

Eduardo Bolsonaro defendeu o tamanho da comitiva brasileira. Para ele, o gigantismo da delegação é "sinal de prestígio." Jurou que sua presença em Dubai não é custeada com dinheiro público. Será? O filho Zero Três do presidente voou para Dubai junto com outros deputados como representante da Frente Parlamentar Brasil-Emirados Árabes. Faria um bem a si mesmo se exibisse comprovantes de que pagou sua viagem e a de sua família do seu bolso. Do contrário, a foto do príncipe brasileiro posando de xeque em Dubai, um dos mais conhecidos principados dos Emirados Árabes, reforçará a impressão de que Bolsonaro e sua prole implantaram no Brasil uma espécie de monarquia. Nela, reina a esculhambação.

Por Josias de Souza

EMPATIA 0

Após o depoimento emocionado de familiares de mortos pela covid-19 na CPI da Covid, no último dia 18, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) os acusou de serem "pessoas com histórico de militância contra Bolsonaro", tendo sido escolhidas a dedo "com o compromisso de responsabilizar Bolsonaro pelas mortes dos familiares". O senador, suplente na comissão, é conhecido por suas intervenções que tumultuam o andamento dos trabalhos. Desta vez, contudo, fez isso por vídeo ao invés de encarar frente a frente os parentes dos mortos e pacientes que sobreviveram à doença. O primogênito do presidente também disse que a comissão "está entrando para a história como algo que mancha a imagem do Senado e faz com que grande parte da população olhe para cá com nojo". E afirmou que seu pai fez tudo direitinho no combate à pandemia, da compra das vacinas ao auxílio emergencial – o que não é verdade.

Após a divulgação do relatório da CPI da COVID, mais contra senso. O filho do presidente gargalhou diante de mais de 6000 mil mortos.

MACHÃO

O secretário da Cultura de São Paulo (SP), Sérgio Sá Leitão, partiu para cima do vereador Eduardo Sallum (PT) durante reunião no último dia 19 no município de Tatuí (SP), a 130 km da capital paulista. Imagens divulgadas pela assessoria de Sallum mostram que Sá Leitão se revoltou ao ser questionado sobre cortes na pasta, que colocam em risco a sobrevivência do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, referência em produção e difusão musical no país. Só não houve agressão porque outros participantes da reunião impediram que o secretário chegasse até o vereador. Além de secretário, Sá Leitão foi ministro da Cultura no governo Michel Temer (MDB).

JOGO PESADO

Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ainda não havia nascido quando Lúcio Flávio Vilar Lírio, precursor na década de 1970, no século passado, dos assaltos a bancos no Brasil, pronunciou a frase que o tornaria famoso: “Bandido é bandido, polícia é polícia.”

Bons tempos aqueles em que bandido não se misturava com policial e vice-versa. Hoje não é assim. Mas a frase esconde outra lição: bandido, não espere ser tratado pelo que não é. E Alcolumbre poderia ter aprendido com isso. Segurou a indicação de André Mendonça para o Supremo, então pegaram um primo dele. Operação deflagrada pela Polícia Federal contra um grupo envolvido no tráfico internacional de drogas prendeu Isaac Alcolumbre, primo de Davi, cuja mulher trabalha no gabinete do senador. Isaac é dono de um aeródromo no Amapá que dava apoio logístico a aeronaves que transportavam drogas.

Outro dia vazou a gravação de uma conversa antiga de Davi com um desembargador do Amapá que lhe pediu para empregar sua amante em troca de favores. Davi atendeu ao desembargador e depois foi atendido por ele. Não deveria estranhar que logo agora tudo isso venha à tona. O jogo no poder é sempre pesado.

Por Ricardo Noblat

NÃO PASSARÃO

Parlamentares agredidos por um grupo com cerca de 40 extremistas antivacina, que invadiu a sessão da Câmara Municipal de Porto Alegre (RS,) no último dia 20, denunciaram que, apesar de pedirem a expulsão dos extremistas, a Guarda Civil Municipal só agiu no final do tumulto e tiveram que agir por conta própria e enfrentar os agressores. “Tivemos de tirar na marra os extremistas da direita fascista das galerias”, contou o vereador Roberto Robaina (PSOL).

RESPEITEM OS PALHAÇOS

Na última quarta-feira (20), o governo federal promoveu um evento em Brasília para lançar uma campanha chamada "Respeitável Circo!", destinada a artistas e produtores do ramo circense. Entre os presentes na solenidade, estavam a primeira-dama Michelle Bolsonaro, caracterizada como palhaça e identificada em uma plaqueta como "doutora Florinda", e o secretário especial da Cultura, Mario Frias.

A respeito da campanha, Frias foi ao Twitter ressaltar a importância das atividades circenses que, diz ele, são "uma área por muito tempo desvalorizada, por não servir ao glamour que movimentava a elite artística que monopolizava as verbas públicas da Cultura". As artes circenses, vale lembrar, são contempladas na política de incentivo à cultura desde 1991 sob a categoria das artes cênicas.

FRASES DA SEMANA

“Se vocês explodirem a economia do Brasil, pessoal do mercado, vocês vão ser prejudicados também”. (Jair Bolsonaro, em mais um dia de queda na Bolsa de Valores e de alta do dólar)

“Queremos ser um governo reformista e popular. Não populista. Os governos populistas desgraçam seus povos na América Latina. Somos um governo com o objetivo de ser reformista e popular. Continuaremos lutando por reformas.” (Paulo Guedes, ministro da Economia)

Quando a gente pega um tucunaré, se der linha, ele pula e se solta. Então sempre tem que manter o tucunaré no cabresto. Esse governo está no cabresto. Está fisgado. Não tem porque, depois de seis meses de trabalho, colocar tudo a perder.” (Omar Aziz, presidente da CPI da Covid)

“Estamos discutindo se o presidente Bolsonaro merece ser condenado a 50 ou a 150 anos. Convenhamos que não faz diferença. É um criminoso do mesmo jeito” (Alessandro Vieira, senador, Cidadania-SE, membro da CPI da Covid)

“Conheço a situação brasileira. Lamento a eleição de Bolsonaro. (…) Ter Bolsonaro como presidente, durante a pandemia, foi uma das piores coisas que poderiam acontecer com o Brasil. Espero muito que ele seja chutado do cargo.” (Giorgio Parisi,  Prêmio Nobel de Física de 2021)

“No relatório final tem que constar o nome do Braga Netto para que seja ouvido. Se não foi ouvido por nós, que seja pelo Ministério Público”. (Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, sobre o general, atual ministro da Defesa, que coordenou ações do governo contra a pandemia)

“Podemos dizer que a pandemia melhorou muito. Mas ela só acaba em um lugar quando acabar em todos. Lembro que tudo parecia resolvido nessa mesma época do ano passado.” (Atila Iamarino, biólogo e doutor em virologia)

“Quantas vezes eu choro no banheiro, em casa. Minha esposa nunca viu. Ela acha que eu sou o machão dos machões e, em parte, eu acho que ela tem razão”. (Jair Bolsonaro)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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