26/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

CPI 11 x 0 Bolsonaro

Publicado em 14/10/2021 12:00 - Victor Barone

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O relatório final da CPI da Covid, a ser apresentado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) na próxima terça-feira (19), deverá pedir indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 11 crimes. Veja quais:

Crime de epidemia com resultado de morte

Crime de infração a medidas sanitárias preventivas

Crime de emprego irregular de verba pública

Crime pela incitação ao crime

Crime de falsificação de documentos particulares

Crime de charlatanismo

Crime de Prevaricação

Crime de genocídio de indígenas

Crime contra a humanidade

Crime de responsabilidade

Crime de homicídio comissivo por omissão no enfrentamento da pandemia

Às vésperas do encerramento da CPI da Covid, o grupo majoritário da comissão encontrou uma forma de evitar que caiam no esquecimento pedidos de indiciamentos e as propostas de aperfeiçoamento legislativo que constarão do relatório final. Decidiu-se compor um comitê pós-CPI, um observatório para o acompanhar os desdobramentos da investigação parlamentar. Para desassossego de Bolsonaro, as cobranças invadirão o calendário eleitoral de 2022.

Desmontado o palco da CPI, Bolsonaro espera realizar o sonho da blindagem. Conta com a cumplicidade de Arthur Lira e Augusto Aras. O comitê pós-CPI não abrirá o gavetão em que o presidente da Câmara guarda os pedidos de impeachment. É improvável que o grupo arranque do procurador-geral uma denúncia contra o presidente por crime comum. Mas os senadores podem contribuir para a realização do pesadelo eleitoral de Bolsonaro, encostando os cadáveres da pandemia no comitê da reeleição.

Costuma-se dizer que o brasileiro não tem memória. No caso da pandemia, uma construção trágica, alicerçada sobre mais de 600 mil cadáveres, é remota a hipótese de ocorrer um surto coletivo de esquecimento. Mas o país não está livre de casos pontuais de amnésia. Daí a conveniência de cutucar gente como Lira e Aras.

Via Ricardo Noblat

TELEGRAN: LIXEIRA 2022

A migração da família Bolsonaro do WhatsApp para o Telegram é o mais eloquente sinal de que o capitão e sua prole vão à disputa de 2022 à procura de encrenca. O canal do presidente no aplicativo ultrapassou a marca de um milhão de inscritos. Ao contrário do WhatsApp, que limita os grupos a 256 membros e restringe o alcance de mensagens replicadas muitas vezes, o Telegram segue a filosofia da moderação mínima. Autoriza grupos com 200 mil pessoas. Permite compartilhamento irrestrito.  Graças às suas características, o Telegram passou a ser visto por especialistas como uma espécie de terreno baldio no qual os produtores de fake news jogarão lixo eleitoral e desinformação na campanha do ano que vem.

O Telegram é uma empresa russa, sem representação no Brasil. Algo que inibe as sanções judiciais. E torna improváveis eventuais parcerias com órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral, que rala para implantar um programa de Enfrentamento à Desinformação na eleição de 2022.

Bolsonaro se equipa para o jogo sujo como um delinquente reincidente. Isso acontece, em parte, por responsabilidade do próprio TSE, que se abstém de punir o presidente pelas perversões cometidas no verão passado.

Via Josias de Souza

Essa estrutura da mentira, que distribui conteúdo via Telegram e ramifica via WhatsApp, conta com o fato que, apesar da esquerda bater bumbo de que o apoio a Bolsonaro nas redes é realizado majoritariamente por robôs, ele possui uma grande quantidade de seguidores engajados em espalhar o que ele quiser. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 15% dos brasileiros acreditam em tudo o que o presidente diz.

Bolsonaro não precisa que o Brasil esteja no Telegram, apenas que seus seguidores continuem fiéis e ativos, prontos para atuar como cabos eleitorais, levando adiante as mensagens. O que reforça a importância de o presidente manter esses 15% constantemente excitados e mobilizados, seja com ameaças de golpe de Estado, seja com ataques a instituições e jornalistas.

Após ser demandado pela Justiça Eleitoral, o WhatsApp tem retirado vídeos mentirosos do ar durante as eleições. Cada vídeo, quando postado, tem uma espécie de RG que pode ser identificado. Advogados de candidatos prejudicados levam esses dados ao juiz, que ordena a remoção – o que o leva a ser retirado de todos os celulares. Mas, até isso acontecer, passam-se horas ou dias, o suficiente para a mentira viralizar e fazer efeito. Isso sem contar que o mesmo não pode ser feito com conteúdo em texto. Sim, o presidente não quis estruturar a logística do combate à pandemia, mas está estruturando a logística da mentira para as eleições. Questão de prioridades.

Via Leonardo Sakamoto

MASCARADO

Nada mais equivocado do que afirmar que Bolsonaro não usa máscara. O presidente tornou-se o mais mascarado dos brasileiros. Usa uma máscara diferente para cada ocasião. Num culto evangélico, em Brasília, trocou a máscara de "imorrível", "imbrochável" e "incomível", que costuma usar no cercadinho, pelo disfarce de chorão.

"Cada vez mais nós sabemos o que devemos fazer, para onde devemos direcionar as nossas forças", disse Bolsonaro aos devotos. "Quantas vezes eu choro no banheiro em casa? Minha esposa nunca viu. Ela acha que eu sou o machão dos machões. Em parte acho que ela tem razão até", acrescentou o orador, com nítida dificuldade para conter o risinho interior.

É improvável que o capitão se tranque no banheiro para chorar escondido de Michelle. Mas ainda que chorasse, Bolsonaro derramaria lágrimas sobre o leite derramado. Ele diz que sabe o que deve ser feito. O diabo é que se especializou em fazer o oposto do que é necessário.

Quando declara que o sofrimento lhe vaza pelos olhos, Bolsonaro insinua que a culpa pelas mazelas nacionais é de terceiros. E que não há muito o que ele possa fazer além de chorar no banheiro. Nessa versão compungida, o presidente se torna o inocente mais culpado da história.

A pose de gestor bem-intencionado não orna com os erros e, sobretudo, com os crimes cometidos por Bolsonaro. Alguns desses crimes serão grudados em sua biografia pela CPI da Covid. Estrela do relatório final da investigação parlamentar, Bolsonaro será apontado como principal responsável pelo leite intoxicado que foi derramado sobre os mais de 600 mil cadáveres da pandemia.

Na presidência, Bolsonaro protagonizou episódios que envergonhariam um garçom de boteco. A pose de chorão não elimina a convicção de que Bolsonaro não é o tipo de sujeito a quem se deve confiar uma bandeja com um copo de leite, mesmo que metafórico.

O choro do presidente é cenográfico. As lágrimas que ele arranca dos brasileiros são reais. E não podem ficar impunes. Está cada vez mais evidente que é preciso punir o leite derramado. Se o castigo não vier durante o mandato, virá depois.

Via Josias de Souza

SERMÃO DO BOM

Sob Bolsonaro, a exemplo do que ocorria na ditadura, alguns sacerdotes católicos levam comícios no bolso da batina. No Dia de Nossa Senhora, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, injetou política no sermão. Tratou Bolsonaro como uma espécie de fake presidente. "…Para ser pátria amada não pode ser pátria armada", disse, por exemplo, Dom Orlando, antes de defender "uma república sem fake news", "sem corrupção", "sem ódio" e "com fraternidade".

O arcebispo utilizou contra o presidente material fornecido pelo próprio Bolsonaro. Aproveitou-se do fato de que o capitão opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. O primeiro Bolsonaro cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O outro é parecido com o primeiro, só que mente um pouco.

Sem mencionar-lhe o nome, Dom Orlando beliscou todos os calcanhares de vidro de Bolsonaro. Mencionou os 600 mil mortos por covid. A certa altura, enalteceu as vacinas e a ciência. Foi como se quisesse realçar que a retórica e a prática de Bolsonaro não ornam com as sagradas escrituras. Horas depois da homilia de Dom Orlando, operou-se um pequeno milagre. Bolsonaro chegou à Basílica de Aparecida usando máscara. Ouviram-se vaias e aplausos.

Via Josias de Souza

FRASES DA SEMANA

“O que pretende Ciro Gomes com o ataque sem fundamentos a Dilma? Estamos em um cenário de barbárie e precisamos de unidade para enfrentar a política genocida que o bolsonarismo representa.” (Mônica Benício, vereadora, PSOL-RJ, viúva de Marielle Franco)

“Para ser pátria amada seja uma pátria sem ódio, uma república sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção. E pátria amada com fraternidade. Todos irmãos, construindo a grande família brasileira”. (Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida)

“Qual país não morreu gente? Qual país não morreu gente? Qual país não morreu gente? Responda! Olha, não vim me aborrecer aqui, por favor”. (Bolsonaro, no feriadão em Guarujá, ao irritar-se com uma jornalista que lhe perguntou sobre os 600 mil mortos pela Covid)

“Nós temos um bosta de um presidente, mas uma Pabllo Vittar. O que é ser careta? É o atual governo? O atual governo é criminoso. Estamos vivendo num momento mais sério e mais profundo do que isso. Estamos vivendo um pré-golpe, não enxerga quem não quer”. (Bruno Gagliasso, ator)

“Eu tenho dito, sem exagero, que, com todos esses arroubos de Bolsonaro, na verdade, nós nunca estivemos vizinhos, tão vizinhos de uma ditadura como com Sérgio Moro e Deltan Dallagnol em Curitiba”. (Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal)

“Somente um Estado forte é capaz de acabar com a miséria, de não ter medo de fazer casa subsidiada para o povo desempregado e que ganha pouco. Quero um estado capaz de manter o SUS e melhorar o SUS, que cuide das pessoas sem se preocupar com o gasto de cuidar das pessoas”. (Lula)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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