20/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

O fedor das palavras do presidente começa a ficar insuportável

Publicado em 23/06/2021 12:00 - Victor Barone

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O governo de Jair Bolsonaro está se decompondo. E o mau cheiro começa a ficar insuportável.

Na quarta-feira (23), mesmo dia em que o escândalo da estranha negociação para a compra da vacina indiana Covaxin ganhou componentes explosivos, anunciou-se a saída do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cujo passivo judicial é quase tão vistoso quanto os prejuízos ambientais e de imagem que ele causou ao País.

Espíritos céticos dirão que não se trata de simples coincidência. Sempre que irrompe um novo escândalo com potencial para danificar a fantasia de campeão anticorrupção que Bolsonaro vestiu desde a campanha eleitoral, o presidente se livra de algum dos seus ministros ditos “ideológicos” – isto é, ventríloquos do bolsonarismo mais estridentes – para tentar desviar a atenção.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o notório Abraham Weintraub, colocado por Bolsonaro no Ministério da Educação para destruir o sistema de ensino do País. Estava sendo muito bem-sucedido em sua missão até a manhã do dia 18 de junho do ano passado, quando foi preso Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro, pivô do escândalo das rachadinhas. À tarde, Weintraub – que havia defendido a prisão dos “vagabundos” do Supremo Tribunal Federal – foi demitido.

No caso de Salles, o ministro perdeu o emprego não por liderar o maior processo de desmonte da proteção ambiental de que se tem notícia no País, pois o fazia a mando de Bolsonaro, e sim porque o cerco judicial em torno do chefe do Executivo poderia piorar ainda mais a crise política do governo.

O problema é que o descarte de ministros aloprados não tem sido mais suficiente para compensar o volume de denúncias contra o governo, em particular como resultado de sua conduta criminosa na pandemia de covid-19.

O caso da vacina Covaxin é especialmente grave. Os irmãos Luís Cláudio e Luís Ricardo Miranda – o primeiro, deputado federal; o segundo, servidor do Ministério da Saúde – informaram pessoalmente ao presidente Bolsonaro em março passado sobre as supostas irregularidades no contrato para a aquisição do imunizante. Segundo ambos, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar a denúncia.

Não há notícia de qualquer investigação sobre o assunto, e o contrato, eivado de suspeitas, foi mantido. Nele, o governo Bolsonaro topou comprar 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo unitário de US$ 15, num processo marcado pela celeridade – a negociação com os indianos durou apenas 3 meses, um espantoso contraste com o processo para a compra da vacina da Pfizer, que levou 11 meses. O servidor Luís Ricardo Miranda, responsável pela área de importação no Ministério da Saúde, relatou ter sofrido “pressões anormais” para liberar o contrato.

Ademais, a vacina da Covaxin foi adquirida mesmo sem ter sido liberada pela Anvisa, contrariando a condição imposta por Bolsonaro para a compra de qualquer imunizante, e por um preço superior ao praticado pela Pfizer – que, para o governo, era muito alto, conforme se queixou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Por fim, o negócio com a Covaxin envolvia um intermediário com várias pendências judiciais e o pagamento para uma empresa em Cingapura – que tem tudo para ser de fachada, como desconfia a CPI da Pandemia.

A comissão parlamentar agora vai se debruçar sobre esse caso, que provavelmente se tornará o centro das investigações dos senadores. Diante disso, o governo Bolsonaro fez o que faz de melhor: em vez de demonstrar interesse em apurar o escândalo, partiu para a intimidação de quem fez a denúncia.

Aos brados, em nome do presidente, o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, anunciou que Bolsonaro mandou a Polícia Federal investigar os irmãos Miranda, especialmente o deputado Luís Cláudio, um conhecido bolsonarista. “Deus está vendo”, disse Lorenzoni, e acrescentou, menos sutil que Don Corleone: “Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também”.

Como acontece com os cadáveres, a luz do sol acelera a putrefação moral do governo. Mais do que nunca, é preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder.

Por Estadão

ESTUPIDEZ

Fora de si, Bolsonaro voltou a mostrar o que tem por dentro: destempero e desqualificação. De passagem por Guaratinguetá (SP), o presidente escalou os cascos ao ser questionado sobre o fato de ter chegado à cidade sem máscara. "Cala a boca", disse a uma repórter. Chamou-a de "canalha". Desancou a TV Globo. "Essa Globo é uma merda de imprensa. Vocês são uma porcaria de imprensa", Atacou a cobertura da CNN às manifestações anti-bolsonaristas do último sábado. "CNN? Vocês elogiam a passeata né? Jogaram fogos de artifício em vocês e vocês elogiaram ainda."

Bolsonaro ainda não se deu conta. Mas o papel da imprensa numa democracia não é o de apoiar ou de se opor aos governos. Sua tarefa é a de levar à opinião pública tudo o que tenha interesse público. E interessa muito à plateia um presidente que briga com a máscara depois de ter sancionado, em julho de 2020, a lei número 14.019, que torna obrigatório o uso de apetrecho durante a pandemia. Bolsonaro adoraria que a imprensa ajustasse a realidade ao Brasil paralelo em que decidiu viver. Mas a ausência dos 500 mil mortos por covid intima os repórteres a informar constantemente que o país paralelo do presidente leva à morte.

O presidente da República está acuado por uma CPI e pelo ronco do asfalto. Mas nada debilita mais Bolsonaro do que a sua própria língua. No relacionamento entre a imprensa e os políticos, não há perguntas embaraçosas, apenas respostas constrangedoras. As entrevistas do capitão sempre foram marcadas pelo constrangimento. Constrangem não pelas perguntas que o personagem é obrigado a ouvir, mas pelas respostas que ele não é capaz de fornecer. Na falta de respostas para as perguntas incômodas, Bolsonaro perde a linha.

Já questionou a sexualidade de um repórter, ofendeu a mãe de outro, fez gracejos sexistas em relação a uma jornalista que fez reportagem que não saiu ao seu gosto, chamou outra profissional de "quadrúpede". O presidente ameaçou "encher de porrada" a boca de um repórter que ousou indagar sobre a origem dos R$ 89 mil que o operador de rachadinhas Fabrício Queiroz depositou na conta da primeira dama Michelle.

O comportamento de Bolsonaro não é normal. É absurdo. Bolsonaro acha que desmerece a imprensa com seus ataques. É um engano. O presidente já não compromete apenas a sua reputação, da qual resta muito pouco. Incapaz de elevar a sua estatura, Bolsonaro rebaixa o teto da Presidência. O presidente não é apenas uma faixa. É preciso que por trás da faixa exista uma noção qualquer de honra. O Brasil não merece ser presidido pela desonra e pela estupidez.

Por Josias de Souza

IMPEACHMENT?

Bolsonaro vai terminar o mandato? Eis a pergunta que flutua na atmosfera junto com o vírus que infecta manifestantes pró e contra o presidente da República. As manifestações do último sábado deixaram claro que o monstro, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek se referia à opinião pública, está solto. Dizia-se que Bolsonaro não sofreria impeachment porque as ruas estavam em silêncio. Não estão mais. Em 23 dias, o asfalto roncou duas vezes. E o barulho foi bem maior do que o ronco das motocicletas que desfilaram três vezes por Bolsonaro. A despeito disso, o presidente ainda dispõe da blindagem do centrão. Os chefões do centrão regem o sistema político em Brasília como maestros de orquestra, de costas para a plateia. Significa dizer que o impeachment depende do imponderável.

LULA LÁ

Uma imagem divulgada no Instagram do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) viralizou. Nela, um grupo de operários que posaram para uma foto com o presidente Jair Bolsonaro fazem um L com a mão. O gesto costuma ser usado por apoiadores do ex-presidente Lula e logo foi compartilhado nas redes sociais por internautas que, ironicamente, interpretaram o gesto como uma pegadinha para o presidente. A foto foi tirada durante visita de Bolsonaro ao estado do Rio Grande do Norte, na quinta (24), durante uma parada que ele fez na cidade de Jucurutu. De acordo com a postagem, a agenda foi para liberação de R$ 38,2 milhões para obras da barragem de Oiticica que deve ser concluído até dezembro deste ano.

NAZISTA

O grupo Judeus pela Democracia denunciou nas suas redes sociais, na noite de quinta-feira (24), a nova frase usada pela campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para 2022. De acordo com o grupo, coincidência ou não, após “Brasil acima de tudo” e “trabalho liberta”, a nova frase de bolsonaristas à campanha de 22 é: “Uma nação, Um povo, Um líder”. Mais um slogan “livremente inspirado” no nazismo?, pergunta o grupo. Junto à postagem, ainda foi publicada uma foto do ex-líder nazista Adolf Hitler e a tradução da imagem: “Um povo, uma nação, um líder”.

FILHINHA DO PAPAI

Heloisa de Carvalho, 51, era chamada de "anjinho" pelo pai, o escritor e guru bolsonarista Olavo de Carvalho, com quem mantinha uma boa relação até 2017, quando pararam de se falar. Na época, ela tentava interceder em nome do diretor de fotografia de um documentário sobre Olavo, que afirmava ter sido deixado de lado após a estreia da obra.

"Estávamos no telefone quando ele disse: 'era tudo que me faltava, uma puta vagabunda se unir a um vigarista maconheiro para me f****'. Desligou na mesma hora e, ali, eu já vi que não me procuraria mais", conta Heloisa, de sua casa em Atibaia, no interior de São Paulo. "Sempre tivemos conflitos de posicionamento político, mas nunca foi a ponto de nos afastarmos."

Heloisa se filiou ao partido na segunda-feira (21). Formada em direito, professora de artesanato e prestadora de serviços de editoração eletrônica, é também autora do livro "Meu Pai, o Guru do Presidente" (Kotter Editorial), lançado em 2019.

Para o ano que vem, pretende se candidatar a deputada estadual. Mas, ressalta, essa não é uma afronta ao pai, e sim ao que ele prega. "Minha bandeira é contra a 'olavosfera', o negacionismo e o obscurantismo". Alfabetizada adolescente porque o pai não achava necessário frequentar uma escola, também quer lutar pela educação, por projetos de combate à violência contra a mulher e de igualdade de gênero.

Depois do rompimento, diz, viu o pai tendo um comportamento cada vez mais machista em seus comentários e ataques. "Ficou mais descarado. Eu era a queridinha dele e acho que romper comigo soltou as bruxas nele para atacar mulheres", avalia. Ela afirma discordar das ideias de Olavo, principalmente em relação às críticas à esquerda, mesmo antes de se afastarem. Hoje, não tem contato com mais ninguém da família: mãe, sete irmãos e 15 sobrinhos. "Só sinto falta das crianças."

Por UOL

O HORROR

CENTRO DAS ATENÇÕES
O caso da Covaxin ganhou cores mais intensas ontem depois que o nome de Jair Bolsonaro foi citado textualmente. O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) – irmão de Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor da Saúde que afirmou ao Ministério Público Federal ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato – disse ter alertado o presidente sobre indícios de irregularidade na negociação.

Ele mostrou à imprensa conversas de março em que ele pede a um auxiliar de Bolsonaro que o presidente seja avisado sobre “um esquema de corrupção pesado“, do qual ele teria “provas e testemunhas”. Afirmou também ter se reunido horas depois com o presidente, que prometeu acionar a Polícia Federal. E disse ter continuado emitindo alertas e documentos ao auxiliar, mas sem retorno. De acordo com ele, um desses documentos mostra tentativa de garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um primeiro lote de apenas 300 mil doses, o que não estava previsto no contrato com a Precisa Medicamentos, responsável pela importação.

Segundo a Folha, a Precisa tentou obter esse adiantamento duas vezes. Como a Anvisa não autorizou a compra na época – devido à falta de documentos básicos sobre a qualidade e segurança da vacina – os depósitos não foram feitos. 

Folha e o Estadão falaram com o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde que depôs ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a pressão que sofreu durante as negociações pela Covaxin. Segundo Miranda, o caso “é bem mais grave” do que a pressão: “Tem coisa mais grave, bem mais grave. Inclusive erros no contrato. Formas irregulares na apresentação do contrato. Datas de vencimento das vacinas incompatíveis com a importação, sem tempo de ser vacinada a população”, narrou. De acordo com ele, seu irmão chegou a ser exonerado após denunciar um esquema de corrupção no processo de compra, mas o então ministro Pazuello reverteu a situação.

O MPF identificou indícios de crime na aquisição das 20 milhões de doses do imunizante e, por isso, pediu que ela seja investigada na esfera criminal. Antes, o caso estava sendo apurado em um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. “A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa PRECISA e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, escreveu a procuradora Luciana Loureiro, em despacho do dia 16. Ou seja, antes mesmo de o preço original da vacina vir à tona, o caso já cheirava mal.

O TCU diz que tanto a área técnica do Ministério como a Advocacia-Geral da União (AGU) questionaram a pasta sobre a aceitação, por parte do governo, de um valor tão caro sem qualquer negociação ou fundamentação sobre a razoalidade do preço praticado.

Já comentamos diversas vezes sobre a pressão do governo federal para apressar a compra da Covaxin. O Globo lembra que o líder do governo na Câmara Ricardo Barros (PP-PR) agiu muito diretamente para facilitar a importação. Na Medida Provisória que permitiu a compra e distribuição de imunizantes mesmo sem aprovação da Anvisa, desde que autorizados por um rol de países, ele fez uma emenda para incluir a Índia na lista. Na época, só o governo indiano havia autorizado o uso da vacina (para sermos justas, é preciso dizer que a senadora de oposição Jandira Feghali também apresentou emenda de mesmo teor à MP 1.026). Barros já é investigado por, quando ministro da Saúde do governo Temer, ter favorecido a Global Saúde –, sócia da Precisa Medicamentos. Ele criticou publicamente a Anvisa por demorar a aprovar a Covaxin e a Sputnik V.

E vale lembrar que não foi só o governo federal que se mobilizou pela aquisição da Covaxin. Esse imunizante sempre foi o grande objeto de interesse do setor privado

QUAIS SERÃO OS RUMOS?

Apesar dos indícios apontados e das investigações em curso, ainda há que se confirmar o superfaturamento. Em nota, a Precisa garantiu que a Covaxin na Índia custa, atualmente, US$ 2 para o governo federal e US$ 16 para os hospitais privados na Índia.

Recentemente, a Bharat Biotech emitiu um comunicado à imprensa para tratar dos diferentes preços praticados no país – como já dissemos aqui, há um grande polêmica por lá devido a isso. O comunicado afirma que os US$ 2 cobrados ao governo indiano são “um preço não competitivo e claramente não sustentável no longo prazo. Portanto, um preço mais alto nos mercados privados é necessário para compensar parte dos custos”. Será que o valor cobrado de outros governos seria o mesmo do setor privado? O documento não diz. Mas, nesse caso, ainda seria preciso explicar por que o telegrama diplomático obtido pelo Estadão estimava o preço de cada dose em US$ 1,34.

De todo modo, nada justifica o governo Bolsonaro ter jogado contra as vacinas da Pfizer, da Janssen e da Sinovac enquanto se esmerava para fechar rapidamente a compra de um imunizante mais caro que os outros, sem registro na Anvisa e até mesmo sem os resultados finais do ensaio de fase 3 divulgados. 

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) disse que o colegiado vai “aprofundar” e ter “um olhar especial” sobre a negociação da Covaxin. O empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, teve os sigilos telefônico, bancário e fiscal quebrados e deveria prestar depoimento hoje. Não vai mais: ele alega ter voltado recentemente da Índia e precisar cumprir quarentena obrigatória de 14 dias. 

A QUEDA DE SALLES

Ricardo Salles se uniu a outros 15 ministros que caíram no governo Bolsonaro. Foi ele quem pediu para sair do Meio Ambiente, mas há algumas semanas havia rumores de que seria demitido após se tornar alvo de investigações sobre a suspeita de favorecimento a madeireiros. A Polícia Federal estava quebrando seus sigilos bancário, telemático, telefônico e fiscal.

Agora, os dois inquéritos que correm no STF a respeito dele devem ser encaminhados para a primeira instância

A saída de Salles é a típica notícia que só é boa até a página 2, pois não há nenhum indício de mudança na política ambiental do governo. Muito pelo contrário. No seu lugar foi nomeado Joaquim Álvaro Pereira Leite, que já ocupava o cargo de Secretário da Amazônia e Serviços Ambientais na pasta e, por mais 20 anos, foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira. O Globo diz que, “segundo interlocutores da pasta, auxiliares de Salles serão mantidos em seus postos com a justificativa de que fazem um trabalho técnico dentro da ‘nova visão ambiental’ implementada por Salles”. O novo ministro, assim como seu antecessor, defende que é preciso “um olhar econômico para a Amazônia”.

Sob este olhar, em 2020 a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira foi a maior em 12 anos, de acordo com um levantamento divulgado ontem pelo Instituto Socioambiental. 

A propósito: Leite vem de uma tradicional família de fazendeiros de SP que está em disputa por um pedaço da Terra Indígena Jaraguá. “Segundo um documento da Funai, capatazes a serviço da família chegaram a destruir a casa de uma família indígena ao tentar expulsá-la do território reclamado”, diz a matéria da BBC.

E por falar em terra indígena, ontem a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou que o PL 490/2007 tramite no plenário. O texto traz mudanças no reconhecimento da demarcação das terras: prevê que, para conseguir uma demarcação, os povos precisam comprovar a posse da terra em 1988, quando a Constituição foi promulgada. Além disso, proíbe a ampliação de terras já demarcadas e abre espaço para flexibilização do contato com povos isolados. Por duas semanas, representantes de várias etnias protestaram em Brasília para evitar o avanço da proposta, mas não foram sequer ouvidos pelos deputados.

OSMAR NA CPI

A presença Osmar Terra (MDB-RS) na CPI da Pandemia não poderia ter rendido outra coisa que não uma coleção de fake news, uma vez que o deputado é um negacionista de carteirinha. A exaltação à Suécia (ainda…) e declarações de que lockdowns não têm efeito no controle da pandemia são apenas alguns exemplos. Senadores ressaltaram a evidente influência que as posições declaradas de Terra têm sobre Jair Bolsonaro, mas ele negou que exista um gabinete paralelo: “As opiniões ali são opiniões pessoais. Ele [Bolsonaro] julga as opiniões do jeito que quer, ele não é teleguiado por ninguém“, disse. O que, no fim das contas, não faz mais do que apontar para o grande responsável pelas decisões erradas do país na pandemia. 

500 MIL MORTES

No sábado passado, o Brasil chegou à revoltante marca de meio milhão de mortos por covid-19. É como se a população de Florianópolis tivesse sido dizimada. Ou, contabilizou a Folha, como se o país tivesse vivido em 15 meses o equivalente a oito genocídios, indo do cometido por forças sérvias na Bósnia na década de 1990 ao massacre da minoria muçulmana que vive no oeste de Mianmar em 2016.

Com 2,7% da população do planeta, registramos 12,9% dos óbitos pela doença — e, se considerados apenas os últimos dias, 30%. Partindo dessa constatação, o epidemiologista Pedro Hallal calcula quantas mortes teriam ocorrido por aqui se tivéssemos um desempenho na média mundial. Não ótimo, não perfeito – só na média. A diferença entre esse número e o número real de mortes é atribuída por ele ao “mau desempenho” do Brasil no enfrentamento da pandemia. O mundo registrou 3,8 milhões de mortes pela doença no sábado, e 2,7% dessas mortes corresponderiam a 104 mil. Conclusão: 396 mil vidas poderiam ter sido poupadas.

E quantas mortes teriam sido evitadas em 2021 caso o governo federal tivesse comprado vacinas quando Butantã e Pfizer ofereceram acordos, garantindo dois milhões de doses por dia a partir de 21 de janeiro? A resposta é 251 mil mortes, levando em conta a projeção de 395 mil óbitos por covid este ano.

O Brasil é o segundo país do mundo a perder meio milhão de pessoas para a covid-19. Quando os Estados Unidos dobraram essa trágica esquina, em fevereiro, já tinham conseguido remover o negacionismo da Presidência. Se antecipando à marca, Joe Biden mandou abaixar todas as bandeiras a meio mastro e pediu que a população fizesse homenagem as vítimas com um minuto de silêncio. Por aqui, Jair Bolsonaro nada fez ou falou. 

Seu ministro das Comunicações, Fábio Faria – que planeja um telejornal na EBC “só com boas notícias”, no caso, notícias ao gosto do presidente –, reclamou de “políticos, artistas e jornalistas ‘lamentando’ o número de 500 mil mortos”

No governo, o ministro da Saúde foi o único a lamentar o meio milhão de mortes. O fato foi destacado. Mas Marcelo Queiroga está longe de ser um ponto fora da curva bolsonarista, e suas digitais na tragédia estão cada vez mais visíveis: documento obtido pela CPI junto ao Itamaraty mostra que em uma reunião com a OMS em abril, o ministro quis que a organização abrisse um diálogo com o Brasil sobre o “tratamento precoce” que ele mesmo admite não ser eficaz. Além disso, afirmou que Jair Bolsonaro é o “principal ativo” para o Brasil avançar no combate à pandemia.

Celso Rocha de Barros, na Folha, nos lembra que a única coisa capaz de pôr um fim a esse descalabro é a ação: “Bolsonaro deixou essa gente toda morrer por três motivos. O primeiro foi ideologia: uma desconfiança populista dos especialistas, aversão ao ‘globalismo’ da Organização Mundial de Saúde, ódio visceral dos chineses, a influência ideológica de Donald Trump e da direita radical americana, a dificuldade de encaixar problemas complexos do mundo real na retórica paranoica do bolsonarismo. (…) O segundo motivo foi cálculo eleitoral. Bolsonaro temia que as medidas de contenção da pandemia derrubassem a economia e ameaçassem sua reeleição em 2022. (…) Se os brasileiros se mostrassem um rebanho recalcitrante, Bolsonaro lhes ofereceria a falsa esperança de cura pela cloroquina. Mas o terceiro motivo pelo qual Bolsonaro mandou tantos brasileiros para a morte por asfixia é o que realmente deve nos preocupar como país. Foi porque nós deixamos.”

FORAM MAIORES

Justamente no dia em que o país atingiu 500 mil mortes confirmadas por covid-19, brasileiros ocuparam as ruas de novo contra Bolsonaro. Os atos foram nitidamente mais volumosos do que os de maio. Segundo os organizadores, foram 750 mil manifestantes em cerca de 400 cidades – no #29M, haviam sido 600 mil pessoas em 200 cidades.

Só na Avenida Paulista, 100 mil pessoas ocuparam 12 quarteirões, nas estimativas da organização. Já a Secretaria de Segurança Pública – que fez as contas de 12 mil motos na última manifestação pró-governo – não contabilizou os manifestantes neste sábado.

O Brasil teve ontem sua maior média móvel de novos casos de covid-19 dos últimos 2,5 meses: 73,2 mil. Já os óbitos diários completaram cinco dias acima de dois mil – e nada menos que 150 dias acima de mil.

Por Outra Saúde

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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