29/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Vai pedir voto na casa da sua mãe!

Publicado em 10/03/2021 12:00 - Victor Barone

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A semana foi profícua para a fábrica de fakenews e trapalhadas do Governo Federal em relação à pandemia. Diante do discurso do ex-presidente Lula, o presidente Bolsonaro tentou engatar um discurso pró-máscara, mas o mesmo esbarrou em suas inúmeras manifestações anticientíficas e negacionistas. O presidente continua apostando em remédios que não têm ação contra a doença, como a cloroquina. Seu chanceler, Ernesto Araújo, levou um puxão de orelhas do ministro Gilmar Mendes, do STF, ao propagar fakenews no Twitter. Para completar, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o 01, mandou que a população “enfie a máscara no rabo”. A seguir, esmiuçamos mais uma semana surreal no combate à covid-10 no Brasil do bolsonarismo ‘terra plana’.

O presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a pandemia de covid-19 a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecido como campeão da imunização dos brasileiros. Formidáveis metamorfoses, nas quais acredita quem quer. Que ninguém se engane: sua única motivação, como sempre foi, é eleitoral. Bolsonaro sequer acorda pela manhã se não for por cálculo político. Os interesses nacionais e as aflições dos eleitores são sempre secundários, ou meramente instrumentais, em seu projetos de poder.

O presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, protagonizou uma solenidade oficial usando máscara, bem como seus assessores. A imagem exótica espantou os brasileiros em geral, acostumados a ver Bolsonaro não somente sem máscara, mas promovendo aglomerações País afora e estimulando comportamento irresponsável da população em meio a uma pandemia mortal.

Mais do que isso: a solenidade se prestava à assinatura de leis que facilitam a compra de vacinas contra a covid-19. O presidente prometeu que, “até o final do ano, teremos mais de 400 milhões de doses (de imunizantes) disponíveis aos brasileiros”. Não se sabe de onde o presidente tirou esse número, uma vez que o Ministério da Saúde tem sido incapaz de determinar quantas vacinas estarão disponíveis para os brasileiros neste mês, que dirá no resto do ano.

Trata-se de uma mudança drástica de atitude, que, se mantida, aliviará um País agoniado com a sabotagem promovida por Bolsonaro e seus camisas pardas contra a vacinação e as medidas de restrição para enfrentar o vírus, em meio à escalada de mortes e o colapso do sistema de saúde. Já não seria sem tempo.

Mas não se pense que Bolsonaro de repente se conscientizou de que não é possível superar a pandemia sem imunização em massa e sem adotar ações preventivas. Ainda está fresco, na memória dos brasileiros que prezam os valores morais, o horror provocado pelas reações grosseiras e desumanas de Bolsonaro sempre que cobrado a assumir suas responsabilidades como presidente. Na mais recente delas, apenas uma semana atrás, mandou o “idiota” que lhe pedia vacinas comprá-las “na casa da tua mãe”.

É evidente que esse é o verdadeiro Bolsonaro, e não o personagem contrito que agora prega a necessidade urgente de uma vacinação nacional. O verdadeiro Bolsonaro só se preocupa com sua reeleição – agora ameaçada pela escalada da crise causada pela pandemia e, principalmente, pela ressurreição de Lula da Silva.

Por Estadão

MIMIMI

Para estimular os "maricas" a abandonar a "frescura" e o "mimimi", enfrentando o vírus de peito aberto, Bolsonaro declarou: "A própria Bíblia, em 365 citações, diz: 'Não temas'.".

Um leigo terá dificuldade para achar os 365 convites da Bíblia ao destemor. Mas todo mundo conhece os dez mandamentos. Eles nunca impediram nada. Mas deram cada ideia!!! Matar, cobiçar a mulher do próximo… O próprio Bolsonaro se inspira no decálogo cada vez que rouba a paciência dos brasileiros e usa o santo nome de Deus em vão.

O capitão se enganou quando disse que ficar em casa é coisa para afrescalhados. O que atrapalha é a obsessão que os brasileiros têm pela vida. Uma decorrência do absurdo vício de respirar. Num instante em que sobra vírus e faltam UTIs, o Brasil estaria melhor se as pessoas se convencessem do inconveniente de manter o vício por oxigênio.

Não só resolveria o problema da falta de vacinas como pouparia o país do horroroso espetáculo da degradação moral e física, causada pelo hábito de respirar sem ter leitos equipados com respiradores. É impossível assistir à TV, ouvir o rádio, folhear o jornal sem tropeçar em dependentes químicos do ar, muitos já transformados em cadáver.

Bolsonaro seria um extraordinário presidente não fosse o vício pela vida que torna os brasileiros inconvenientes. São eles os responsáveis pelas quase 2 mil mortes diárias, pelas mais de 260 mil covas abertas em um ano. E pela carência de vacinas, que envergonha o país no exterior. Tudo porque os viciados são incapazes de controlar sua obsessão e abandonar a vida sem tanto "mimimi".

Bolsonaro pede apenas que os brasileiros sejam mais patriotas. Como ainda não conseguiu melhorar a pátria, sonha com o instante em que milhares de brasileiros inspiradores renunciarão ao oxigênio, parando de respirar voluntariamente. Pela pátria.

"Só se for na casa da tua mãe", declarou Bolsonaro para os "idiotas" que exigem a compra de mais vacinas, recusando o passaporte para um futuro melhor, num ambiente eternamente esterilizado. Assim como os dez mandamentos, o arroubo do capitão não impede nada, muito menos as mortes por Covid. Mas oferecem uma grande ideia para os brasileiros que sobreviverem ao vírus e à estupidez.

Em 2022, quando Bolsonaro pedir votos para a reeleição, esses brasileiros sobreviventes poderão evocar o capitão: "Votos? Vá pedir na casa da tua mãe!"

Por Josias de Souza

MAIS VEXAME

A advertência feita pelo cerimonial da chancelaria de Israel para que Ernesto Araújo, nosso ministro das Relações Exteriores, colocasse a máscara para fazer uma foto ao lado de Gabi Ashkenazi, seu homólogo naquele país, é só mais um vexame internacional protagonizado pelo governo brasileiro. Sim, o ocorrido nos cobre de vergonha, mas chega a ser um evento menor, dado o tamanho da tragédia que vivemos por aqui. Deus do céu! O que fazem aqueles dez patetas na "Missão Borat em Busca do Spray Milagroso"?

Oficialmente, trata-se de uma missão científica. Só que não há cientistas no grupo. Além de Araújo, integravam a comitiva:
– Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal;
– Hélio Lopes (PSL-RJ), o "Hélio Negão", também deputado;
– Fábio Wajngarten, assessor especial da Presidência:
– Filipe Martins, também assessor da Presidência;
– Max Guilherme Machado de Moura, outro assessor, ex-policial do Bope (RJ);
– Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, do Itamaraty;
– Hélio Angotti Neto, do Ministério da Saúde;
– Marcelo Marcos Morales, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação;
– Pedro Paranhos, também do Itamaraty.

Dessa turma, há apenas dois que sabem a diferença entre um vírus e um fardo de alfafa: os médicos Angotti e Morales. Precisamos recorrer à Lei de Acesso à Informação para conhecer os supostos acordos que estariam sendo firmados. A Lei da Improbidade Administrativa existe também para punir gastos inúteis.

Por Reinaldo Azevedo

GOLPISTAS

Presidenta nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann enquadrou os generais Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar, e Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro do Conselho da Comissão de Anistia do ministério de Damares Alves, por artigos publicados no site da agremiação de reservistas das Forças Armadas em que sugerem a morte de Lula e um novo golpe após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular as condenações impostas pela Lava Jato ao ex-presidente.

“Justiça a Lula incomodou generais do Clube Militar. Em notas destemperadas, sugerem sua morte e insinuam com ruptura. Deviam estar cobrando explicações do colega Pazuello e do capitão sobre as mais de 270 mil mortes que deixaram acontecer. Vocês não são tutores nem donos do país. Contenham-se”, tuitou Gleisi na quarta-feira (10).

Em nota publicada no site do Clube Militar, o general Eduardo José Barbosa, que substituiu Hamilton Mourão (PRTB), atual vice de Jair Bolsonaro, na presidência da instituição, e afirmou que “novos processos em outras varas são uma artimanha grotesca para que o meliante fique definitivamente impune” e, em tom de ameaça, indagou: “alguém acredita que algum desses processos chegará a transitar em julgado (depois de centenas de recursos) com o “paciente” vivo?”.

Um dia depois, Luiz Eduardo Rocha Paiva, que foi indicado por Jair Bolsonaro para o Conselho da Comissão de Anistia e é autor do prefácio da biografia do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, disse que “o STF feriu de morte o equilíbrio dos Poderes, um dos pilares do regime democrático e da paz política e social”.

“A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas (FA) serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”, diz trecho da nota.

SILAS DOIDÃO

Indignado, dedo em riste e voz alterada, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, postou vídeo nas redes sociais pedindo que a justiça divina entre em ação para reverter o “canetaço” do ministro Luiz Edson Fachin anulando atos processuais da Lava Jato contra Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a ser elegível.  Alterado, o pastor pergunta na postagem: “Cadê a OAB, imprensa, Congresso? Dólar dispara, esculhamba tudo”, como se o dólar não tivesse disparado quando o presidente Jair Bolsonaro trocou o comando da Petrobras! 

FASE ANAL

Visivelmente irritado, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) mandou a população brasileira enfiar as máscaras de proteção contra a covid-19 “no rabo”. Em uma aparição ao vivo que fez em seu perfil pelo Instagram, o filho “03” de Bolsonaro criticou o uso do principal item de proteção contra a contaminação do vírus que, dia após dia, causa recordes de mortes no País. 

Apelidado pelo vice Hamilton Mourão de Eduardo Bananinha, o filho 03 de Bolsonaro dá tolices com a mesma naturalidade com que a bananeira dá bananas. "Enfia no rabo gente, porra!", declarou Bananinha ao criticar "essa imprensa mequetrefe", que não teve olhos senão para as máscaras na viagem da comitiva que Bolsonaro enviou a Israel para perscrutar um spray nasal anticovid. "Acho uma pena que essa imprensa mequetrefe que a gente tem aqui no Brasil fique dando conta de cobrir apenas a máscara", ralhou Bananinha.

Ele prosseguiu: "Ah a máscara, está sem máscara, está com máscara. Enfia no rabo gente, porra! A gente está lá trabalhando, ralando."

Quem sai aos seus não endireita. Dias atrás, incomodado com a notícia de que seu governo gastara R$ 15 milhões em leite condensado, Bolsonaro, o Bananão, declarou: "É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa…"

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril do ano passado —aquela em que os insultos prevaleceram sobre as ideias—, Bolsonaro reclamou: "O que esses caras querem é a nossa hemorroida!". Referia-se a processos estrelados por bolsonaristas no Supremo.

Vivo, Freud diria que a família Bolsonaro ainda não saiu da "fase anal". Infelizmente, ainda não invertaram vacina contra esse tipo de retardo. O spray israelense tampouco deve ajudar. Resta recomendar aos Bolsonaro a literatura infantil. Há na praça um livro muito bom sobre a "fase anal". Chama-se "O Que Tem Dentro da sua Fralda". Foi escrito por Guido Van Genechten. Fala de um ratinho curioso. Seu desejo é saber o que tem dentro da fralda de todos os filhotinhos que ele encontra pelo caminho. Ao final, o ratinho mostra que não há nada em sua fraldinha, porque ele já fez cocô no piniquinho. Depois, todos os bichinhos também querem usar seus peniquinhos. Nem todo mundo gosta de ler. Mas o livrinho do ratinho está no nivelzinho dos Bolsonarinhos. Lendo-o, Bananinha e Bananão talvez aprendam a sentar no piniquinho sempre que quiserem produzir alguma caquinha. Ou uma declaração oficial

BIA FAKE

O Youtube retirou do ar um vídeo publicado pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) em que ela entrevista o médico Alessandro Loiola por propagar desinformação. Loiola é autor do livro Covid-19: a fraude. Ele nega a gravidade da pandemia e diz, sem apresentar comprovação científica, que as vacinas podem provocar mudanças genéticas e até câncer. Veja a manifestação da deputada sobre o assunto:

As plataformas sociais têm intensificado o combate às fake news, principalmente aquelas referentes à pandemia, como as que se baseiam em teorias conspiratórias e contrárias ao conhecimento científico.

Investigada em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) – um que apura sua participação em um esquema de fake news movimentado por bolsonaristas e outro por incitação aos atos pró-intervenção militar.

A deputada, por incrível que pareça, é a nova presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

CRISE SANITÁRIA E O GOVERNO TERRAPLANISTA

O Palácio do Planalto prevê que o Brasil vá passar as próximas seis semanas com média diária de óbitos por covid-19 acima de dois mil, segundo uma apuração do Valor. Mas, por aqui, imaginamos quanto tempo deve levar até chegarmos às três mil: ontem foram mais 2.207 e a média móvel bateu seu 13º recorde seguido, ficando em 1.705. Foram quase 12 mil mortes em apenas uma semana.

A maior fila por leitos para covid-19 no país é a do Paraná, que tem mais de mil pessoas. Mas o governador Ratinho Jr. (PSD) anunciou o fim do lockdown de 12 dias, autorizando a volta do comércio e das escolas em modelo híbrido. O detalhe é que todos os indicadores estão piores do que quando o lockdown começou, o que claramente indica a necessidade de mais tempo. Na vizinha Santa Catarina, o Ministério Público e a Defensoria Pública precisaram ir à Justiça para pedir lockdown de pelo menos duas semanas no estado, que também tem a saúde em colapso. O governador Carlos Moisés (PSL) decretou que vai manter abertos shoppings, academias e piscinas de uso coletivo em dias úteis…

No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) estendeu o lockdown da capital para todo o estado. Começa a valer amanhã

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) decidiu colocar o estado em “fase emergencial” por duas semanas, a partir de segunda-feira. Finalmente vai ser suspensa a realização de missas e cultos, mas as igrejas podem ficar abertas para atendimento individual. Também ficam vetadas atividades esportivas, retirada de comida nos restaurantes e o funcionamento presencial de lojas de construção e de eletrônicos. O home office deve ser adotado para todas as atividades administrativas não-essenciais, e o comércio só pode funcionar por delivery. Quanto às escolas, seguem autorizadas, mas os recessos de abril e outubro vão ser antecipados, para que na prática elas fechem.

Felizmente, as associações de empresas do comércio, serviços e alimentação desistiram de pressionar pela reabertura imediata. 

Não foi o que aconteceu na capital do Rio, onde o Sindicato dos Bares e Restaurantes conseguiu reverter uma decisão do prefeito Eduardo Paes (DEM) de “só” mantê-los abertos até as 17h. Paes deu meia-volta. O horário desses lugares, que são sabidamente focos de superespalhamento, foi estendido para 21h. 

Aliás, Doria e o governador do RJ, Claudio Castro, se estranharam ontem. O paulista criticou o chefe do Executivo fluminense por não assinar o pacto em que governadores se comprometem com medidas contra a covid-19. “Lamento que o Rio de Janeiro, onde vivi parte da minha vida e conheci a minha esposa e tenho tantos e tantos amigos, ao invés de ter medidas que restrinjam – e com isso protejam a sua população – façam exatamente o caminho oposto”, disse Doria. Castro respondeu pelo Twitter: Recomendo a ele um chá de camomila e que cuide de SP, porque, do Rio, cuido eu.”

Enquanto isso… O presidente Jair Bolsonaro não só voltou a atacar os governadores pelas novas quarentenas como acusou os gestores de inflarem o número das mortes com o intuito de prejudicá-lo. 

PRESSÃO PELA CPI

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) acionaram o Supremo para obrigar o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a instaurar a CPI que tem o objetivo de investigar a condução do governo federal da crise sanitária. No mandado de segurança protocolado ontem, eles lembram que Pacheco, eleito com apoio do Planalto, já se manifestou contra a abertura da comissão, taxando-a de “contraproducente” em entrevista ao Roda Viva. Para os senadores, a fala evidencia a “resistência pessoal” do presidente do Senado em abrir a CPI. “Não há qualquer justificativa plausível para a não instalação da CPI”, criticam.

O assunto tem aparecido com força na reunião de líderes do Senado há algumas semanas, segundo o Valor. E o senador Renan Calheiros (MDB-AL) é quem articula boa parte da pressão. Ele argumenta que o presidente do Senado não tem poderes para decidir se a comissão é válida ou não, apenas julga se o requerimento protocolado contém um “fato determinado” que justifique sua existência.

No plenário, foi a vez de Tasso Jereissati (PSDB-CE) cobrar, usando como gancho a quinta revisão feita por Eduardo Pazuello no número de doses que chegará aos estados em março. “Já está falando de 22 milhões a 25 milhões de doses, ou seja, não há a mínima transparência ou confiabilidade nas informações prestadas pelo ministro. Eu queria fazer um apelo, novamente. Vamos fazer – não é nada de impeachment – uma CPI para que o ministro ou qualquer autoridade que venha aqui, seja de farmacêutica, seja do governo, tenha responsabilidade e juramento sobre o que diz porque o que está sendo dito aqui não é verdadeiro“, criticou. Para o senador, somente com a criação da CPI o Congresso terá condições de recomendar a punição de qualquer autoridade que “omita” ou “minta” sobre as doses contratadas. 

Além de atuar pelo engavetamento da CPI, a base do governo quer emplacar um caminho alternativo, que retire do Ministério da Saúde a centralidade no combate à pandemia (e dilua sua responsabilidade). O vice-líder do governo no Congresso, senador Marcos Rogério (DEM-RO), elaborou um projeto para criar uma coordenação nacional de combate à pandemia, que teria liderança da União, mas contaria com a participação dos estados e municípios. Para nós, é difícil entender como isso seria diferente da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), fórum com esses mesmos atores responsável pela articulação interfederativa do SUS. 

O requerimento que solicita a criação na CPI é assinado por 32 senadores, tendo cinco assinaturas a mais do que o mínimo necessário. Também pesa o clima na casa o fato de haver, no momento, três senadores internados com covid-19: Major Olimpio (PSL-SP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Lasier Martins (Pode-RS).

CAIXA-PRETA

Falando em falta de transparência e vacinas, uma pesquisa da Open Knowledge Brasil e outros parceiros concluiu que mais de 70% dos dados que saem do Ministério da Saúde a respeito deste assunto são incompletos, indisponíveis ou inconsistentes. Além da confusão sobre as doses em si, existem falhas no monitoramento dos estoques de insumos necessários para tirar a campanha nacional de vacinação do papel, como a quantidade de seringas e agulhas disponíveis nos estados, que não tem sido discriminada pelo governo federal.

VERGONHA DO BRASIL

“Depois de passar semanas em silêncio para evitar um choque com a Índia sobre as vacinas contra a covid-19, o governo brasileiro voltou a se opor à ideia apresentada pelos países em desenvolvimento para suspender as patentes dos produtos. O governo foi o único entre os países emergentes a assumir tal postura.” O relato é do jornalista Jamil Chade, e já diz tudo. Ontem, na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) para debater a suspensão temporária de patentes, ideia apoiada por mais de 100 nações, o Itamaraty se alinhou aos países ricos, que sediam grandes farmacêuticas, a favor da manutenção das regras de propriedade intelectual intactas mesmo durante a pandemia. O assunto voltará a ser discutido em abril

PEDINDO FAVORES

O Ministério da Saúde precisou passar por cima de todas as besteiras que Jair Bolsonaro já falou sobre as “vachinas” e bater à porta do país asiático pedindo ajuda. O secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, enviou à embaixada chinesa uma carta solicitando 30 milhões de doses do imunizante da Sinopharm, de preferência ainda neste semestre, com possibilidade de compra de mais ao longo do ano.

“A principal estratégia brasileira para conter a pandemia e, em particular, essa variante P.1 é intensificar a vacinação. (…) A campanha nacional de imunização, contudo, corre risco de ser interrompida por falta de doses, dada a escassez da oferta internacional”, diz ele. Não chamaríamos exatamente de “principal estratégia”, já que o plano é todo furado e, ainda por cima, não há nenhuma outra além dessa “principal”. 

A vacina da Sinopharm ainda não tem dados de fase 3 publicados, mas um comunicado à imprensa do fim do mês passado relatou uma eficácia global de 72,51%. A segurança foi demonstrada na fase 2. Seu uso foi autorizado na China, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Argentina e Peru, entre outros. 

Em paralelo, o general Eduardo Pazuello se reuniu com representantes da GAVI Alliance (que lidera o consórcio Covax Facility junto com a OMS) para pedir “atenção” ao Brasil na distribuição dos imunizantes. Vários países de média e até alta renda entraram no consórcio, mas ficou claro que, num primeiro momento, a iniciativa deveria priorizar o envio de vacinas para as nações mais pobres. O presidente da aliança, José Manuel Barroso, disse que fará “o que for possível” para atender ao pedido, mas não deu detalhes. Pelo acordo com a Covax, o Brasil vai ter direito a 42,5 milhões de doses ao todo, mas só 2,9 milhões devem chegar este mês, e mais 6,1 milhões em abril.

Os governadores do Nordeste também pretendem conversar com a OMS para ver se antecipam as entregas da Covax, diz a colunista da Folha Monica Bergamo. Ainda de acordo com ela, esses gestores querem pedir aos Estados Unidos que liberem 10 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca que estariam estocadas no país (uma informação ainda não confirmada). Bergamo escreve que “as doses não estariam sendo ainda aplicadas porque os EUA ainda não teriam treinado profissionais para aplicar especificamente a vacina de Oxford”, mas na verdade esse imunizante ainda não foi autorizado pela FDA.

Enfim, pode ser que os governadores tenham sorte, mas Joe Biden já avisou recentemente que não mandará vacinas para ninguém antes de ter coberto toda a sua população.

SEM PERSPECTIVAS

Pazuello e Bolsonaro têm mil motivos para atirar para todos os lados: já está claro que, como o Brasil escolheu não fazer nada para deter o vírus, a única coisa capaz de acabar com o caos (permitindo alguma normalidade econômica e, quiçá, resgatando um pouco a popularidade do presidente) é vacinar a população muito rapidamente. O governo Bolsonaro não foi o único a deixar toda a salvação por conta dos imunizantes, só que até nisso errou. Donald Trump, seu ídolo negacionista, também fez de tudo para encrencar com as medidas de prevenção, mas pelo menos investiu rios de dinheiro em vacina. 

Os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL), cobraram que Pazuello informe em 24 horas sobre o calendário de vacinação – que, como temos visto, está mais bagunçado do que nunca, com mudanças quase diárias no cronograma. Do jeito que as previsões estão, com cerca de 25 milhões de doses em março, este mês só vai haver vacina suficiente para 15% das pessoas nos grupos prioritários tomarem as duas doses. 

MAIS DO QUE PÁRIAS

O colunista do UOL Jamil Chade, que vive na Suíça, narra uma série de situações em que estrangeiros demonstram insegurança diante da presença de brasileiros. “De tanto usar a nacionalidade chinesa para deliberadamente designar a doença, Jair Bolsonaro e sua milícia digital passaram a ter de engolir de seu próprio veneno ao ver o nome do Brasil, agora, qualificar um vírus ainda mais perigoso”, escreve, referindo-se ao pânico de autoridades ao redor do mundo em relação à P.1. Conclui: 

“A ideia de que somos pária no mundo não é verdade. Isso já está ultrapassado. Hoje, somos uma das ameaças e o novo epicentro da crise global. (…) A ameaça que alimenta a desconfiança vem de quem está no poder. Um dos alertas feitos por cientistas nas reuniões internacionais se refere ao ‘apagão’ de dados no Brasil sobre a circulação da variante encontrada em Manaus. Para outros, o que existe no país é o equivalente a um grupo de bombeiros cegos enviados a combater um incêndio“. 

MENSAGEM-BOMBA

A situação dos militares aboletados no Ministério da Saúde piorou sensivelmente desde ontem, com a revelação de que há mais uma prova material da negligência da pasta na crise de falta de oxigênio de Manaus. No dia 11 de janeiro, a empresa White Martins pediu o apoio logístico da pasta para deslocar o insumo de vários locais até Manaus. O apelo aconteceu em uma reunião convocada pelo próprio Eduardo Pazuello, e foi formalizado em um e-mail enviado horas depois. 

A mensagem é direcionada ao coronel Nivaldo Alves de Moura Filho, que tem cargo na Secretaria Executiva da pasta, e lista quatro itens com necessidade imediata de apoio logístico. Detalhe: dois desses pedidos já estavam sendo tratados com outro militar ocupante do ministério, o tenente-coronel Alex Lial Marinho que é coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos. 

“O item 1 do e-mail eram 350 cilindros de oxigênio gasoso, oriundos de Campinas (SP) e Belo Horizonte. A carga tinha um peso de 24,5 toneladas e deveria ser transportada por via aérea. O item 2 eram 28 tanques de oxigênio líquido, que deveriam percorrer a rota Guarulhos (SP)–Manaus, em cinco voos distintos. O peso total da carga era de 53,5 toneladas. Duas remessas já estavam de prontidão naquele momento. Outras três remessas estavam prontas para serem transportadas nos dias 12 e 13. O e-mail ainda registra o pedido por ajuda para levar sete isotanques a Belém (PA) e para deslocar 11 carretas da capital do Pará a Manaus”, descreve o repórter Vinicius Sassine, que teve acesso ao e-mail. 

O ministério teria dado conta apenas do item 1 antes da falta de oxigênio que estouraria três dias após o e-mail, em 14 de janeiro. O caso é investigado em um inquérito da Polícia Federal aberto pelo STF a pedido da Procuradoria-Geral da República. 

MEDO 

Parece não ser coincidência o vazamento da semana passada de que o Ministério da Saúde não age diante do recrudescimento da pandemia “porque Bolsonaro não deixa”. De acordo com a coluna Painel, Eduardo Pazuello tem dito a governadores e secretários estaduais que precisa de ajuda – e tem participado ou dado força a uma articulação para passar o comando do combate à pandemia do Executivo para um grupo com parlamentares e gestores.

“Depois de quase dez meses obedecendo todas as diretrizes do presidente, Pazuello passou a indicar a gestores nos últimos dias que não consegue tomar as medidas que lhe são cobradas por não ter respaldo no Palácio do Planalto. (…) Para pessoas que falaram com o general nos últimos dias, a impressão é a de que a sinalização dele agora é reflexo da preocupação com a investigação de que é alvo em meio ao crescente número de mortes, que não para de bater recordes”, escreve Camila Mattoso.

O embrião do tal grupo surgiu na reunião que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teve com governadores na semana passada. Dentre outras coisas, o grupo se concentraria na fabricação e compra de vacinas, leitos de UTI e equipamentos para hospitais. Mas é importante notar que uma das iniciativas discutidas – medidas de restrição para frear a transmissão do vírus –, está sendo tocado pelo próprio Fórum Nacional dos Governadores, como você leu no início da newsletter, de modo que o esforço pode ser menos o de instituir um espaço formal e mais o de fortalecer uma articulação política paralela ao Planalto. O Supremo também teria sido convidado para dar força à iniciativa. “A costura tem sido feita nos bastidores e com cuidado para não provocar a ira do presidente”, diz a colunista da Folha.

Por Outra Saúde

NAZISTAS

A advogada Doris Denise Neumann, militante bolsonarista e presidenta da secretaria da mulher do partido Patriota no Rio Grande do Sul, usou um lema nazista durante protesto realizado contra o isolamento social rígido decretado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) na quarta-feira (11). A militante, que já foi ao Palácio do Planalto encontrar Bolsonaro, foi candidata à Prefeitura de Nova Petrópolis pelo Patriota em 2020. Ela era do PSL no período em que o mandatário ainda estava na legenda e chegou a trabalhar pela fundação do Aliança Pelo Brasil – partido que o presidente tentou criar. A frase Arbeit macht frei era afixada em alguns campos de concentração do período nazista, incluindo o campo de Auschwitz – conhecido o mais cruel de todos. A Polícia Civil já abriu procedimento para investigar o caso.

A Polícia Federal realizou nesta sexta-feira (12) a Operação Shalom, que tem como principal alvo um pastor investigado por supostas ofensas à comunidade judaica. A PF cumpre dois mandatos de busca e apreensão expedidos pela 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. As investigações tiveram como ponto de partida a publicação de vídeos publicados pelo pastor Tupirani da Hora Lores onde o líder religioso pede um novo holocausto. Os vídeos publicados pelo pastor tiveram repercussão internacional e alimentaram “o ódio e a intolerância racial”, segundo a Polícia Federal.

Tupirani da Hora Lores responderá pela prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, quando o discurso de ódio é proferido por meios de comunicação. A pena pode chegar a cinco anos de prisão e também o pagamento de multa. De acordo com a Polícia Federal, essa não é a primeira vez que o pastor responde por tais crimes, ele já havia sido condenado por prática e incitação à discriminação religiosa.

Em outro vídeo, Tupirani aparece pregando contra homossexuais. “Homossexualismo é possessão demoníaca. Fica essa mentalidade de que é normal dentro dos colégios, que não pode discriminar. Pode e deve discriminar. Se eu tivesse uma empresa, eu não admitiria um homossexual”, afirma.

GENTE DE BEM

Uma cidadã foi agredida por um médico em Piracaia (SP) depois que chamou a atenção do profissional que circulava pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) sem máscara. Eduardo Portieri e é funcionário da CS II José F. Rosas, unidade de saúde de Piracaia. O caso teria acontecido no dia 9 de março. A mulher que aparece no vídeo e que tem o celular tomado pelo psiquiatra, é Lia Costa, professora e tatuadora na cidade. Segundo os relatos, ela acompanhava uma família que precisava de atendimento com um psiquiatra. Costa alega que ele se negou a realizar o atendimento e quando ela pediu para que ele colocasse a máscara, também se recusou e depois partiu para cima dela. A prefeitura de Piracaia (SP) emitiu uma nota informando que está averiguando a situação.

FRASES DA SEMANA

“O senador Tasso Jereissati tem razão: ou há um basta aos desatinos de Bolsonaro ou dará Lula nas eleições. Basta comparar e ver o vazio de lideranças. Estamos entre o trágico e o que já se viu. Sem horizontes animadores.” (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República)

“É estranho que o mercado não goste de Lula que presidiu alguns dos tempos mais felizes do Brasil. Não creio que sua volta seja necessariamente ruim para o mercado. Acho que ele aprendeu a lição, no que diz respeito à corrupção.” (Mark Mobius, megainvestidor mundial)

“Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia. Calcem as sandálias da humildade”. (Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal, durante o julgamento do pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro)

“Gostaria que o Lula concorresse. No momento que nós vivemos, precisamos de uma grande lição de democracia na próxima eleição. Defendo que todas as correntes ideológicas participem”. (Tasso Jereissati, senador pelo PSDB-CE) 

“Bolsonaristas loucos tentam me intimidar com novas ameaças. Agora ameaçam minha casa e minha família. Além de pedir apoio policial e tomar medidas legais, registro meu repúdio a este comportamento. Onde vai parar o Brasil com tanta conflagração?” (João Doria, governador de SP)

“Na semana mais letal da pandemia, de norte a sul do país o atendimento ultrapassou o limite, com caos na triagem, médicos exaustos e falta de leitos, remédios e insumos. Há escassez no desfecho trágico: faltam covas e, sem necrotérios, corpos ficam em contêineres”. (GLOBO)

“A pior coisa é você não ter escolha. Ao não ter, permite o que aconteceu: a eleição do Bolsonaro. Teria sido melhor algum outro? Provavelmente, sim. Olhando o que aconteceu com o Bolsonaro, me dá um mal-estar não ter votado em alguém contra ele”. (Fernando Henrique Cardoso)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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