29/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Ele é mansinho… é?

Publicado em 01/07/2020 12:00 - Victor Barone

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Acendeu a luz amarela no entorno do presidente Jair Bolsonaro. Ele está mais nervoso do que de costume, mais irritado, tanto ou mais explosivo do que sempre foi. Contraditoriamente, às vezes permanece calado quando dele se esperava uma palavra ou reação. Se antes já não dormia bem, agora dorme menos ainda. Por vezes, parece deprimido, desanimado.

São sintomas que caracterizam a síndrome de abstinência, uma vez interrompido de sopetão o consumo de determinado remédio ou droga do qual dependia o humor do paciente. No caso de Bolsonaro, sua droga era o palavrório. Ou melhor: a liberdade para dizer o que quisesse sem medir as consequências. Estava também acostumado com plateias à espera de ouvi-lo.

De repente, tudo isso lhe foi cortado. É como se tivesse perdido ao mesmo tempo dois direitos que sempre lhe foram especialmente caros: o de expressar sem medo o que pensava; e o de ir e vir livremente. Devotos no cercadinho à entrada do Palácio da Alvorada não há mais. Aparições de surpresa no comércio de Brasília, tampouco. Manifestações políticas de rua, só em sonhos.

E até quando ele suportará viver submetido a tão draconianas regras? Não que elas lhe tenham sido impostas sem a sua concordância. Sim, era necessário que parasse de esticar a corda que ameaçava romper-se – afinal, depois da saída de Mandetta e de Moro do governo e da aposta errada na “gripezinha”, Queiroz foi preso e apertou o cerco judicial aos seus três filhos zeros.

Bolsonaro sente-se como se estivesse metido numa camisa de força, e já disse.   Ministros militares, atentos a sinais de perigo, registraram os primeiros e os transmitiram aos seus antigos chefes. Em pelo menos um ministério, às escondidas do seu titular, corre um bolão sobre o número de dias que Bolsonaro resistirá à tentação de atravessar a rua para pisar numa casca de banana.

Façam suas apostas.

Por Ricardo Noblat

ERRO

Se finalmente acertou na estratégia, procurando pacificar a área de ensino ao demitir Abraham Weintraub da chefia do Ministério da Educação (MEC) e propor a retomada de diálogo com os secretários municipais e estaduais de Educação para evitar o colapso de um setor estratégico da administração pública em tempos de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro errou na escolha de seu sucessor, Carlos Alberto Decotelli.

No mesmo dia em que foi anunciado por Bolsonaro como mestre, doutor e pós-doutor e de contar com experiência no setor por ter presidido o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), surgiram as primeiras suspeitas de que Decotelli teria maquiado seu currículo Lattes. O currículo Lattes é a plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sobre a titulação acadêmica dos professores do País. As informações são autodeclaratórias e dispensam a apresentação de documentos. 

A primeira suspeita foi de que Decotelli não teria o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, o que foi confirmado no dia seguinte pelo reitor da instituição, Franco Bartollacci. Reagindo à nota, Decotelli apressou-se em revisar o currículo Lattes. Tentando remediar a situação, ele afirmou que, apesar de ter obtido os créditos para apresentar a tese de doutorado, não o fez por não ter recursos para continuar residindo na Argentina. Segundo o reitor, porém, Decotelli não fez a defesa oral da tese porque ela seria reprovada pelos examinadores. Agravando ainda mais as suspeitas com relação ao seu currículo, a segunda acusação foi de que a dissertação que Decotelli apresentou no término de seu curso de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) seria um plágio. Submetida a um programa de informática elaborado para detectar plágio, verificou-se que trechos inteiros da dissertação são cópias – sem os devidos créditos – de relatórios de órgãos governamentais e de trabalhos acadêmicos, o que é tipificado como crime contra a propriedade intelectual pela legislação penal.

Além do plágio no mestrado e do falso doutorado, Decotelli incluiu no currículo Lattes a informação de que teria feito pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha. E, como já ocorrera na Universidade Nacional de Rosário, o reitor da Universidade Wuppertal contestou a informação, afirmando que Decotelli passou três meses na Alemanha como pesquisador e que não adquiriu título algum nesse período. Na área administrativa, Decottelli também foi apontado como um dos responsáveis por um estranho edital de licitação publicado em 2019 pelo FNDE, para a compra de 1,3 milhão de laptops e notebooks para a rede pública de ensino. Ao examinar o edital a Controladoria-Geral da União descobriu que 350 colégios receberiam mais de um laptop por aluno e que a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, seria agraciada com 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Decotelli deixou o cargo e o edital foi anulado.

Quando Bolsonaro anunciou Decotelli para o MEC, sua nomeação despertou a esperança de que finalmente o governo poderia definir com os Estados e municípios uma política comum para assegurar o futuro dos estudantes brasileiros, comprometido pelo avanço da covid-19. Rápido ficou evidente que ele estava longe de ser a pessoa certa para o cargo. Como poderia transmitir algo construtivo quem não tem credibilidade nem autoridade moral? Como poderia ser levado a sério um ministro da Educação que falsifica currículo? 

Além de informação especializada transmitida com rigor metodológico, educação pressupõe formação moral e intelectual – e isso implica caráter, preparo para cidadania e integridade. Entregar a quem não tem essas virtudes a responsabilidade para conduzir a formação das novas gerações não é apenas um erro político que pode ser tolerado em nome da pacificação na gestão do sistema educacional brasileiro. Acima de tudo, é um crime contra as novas gerações.

Por Estadão (Editorial)

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) apagou de seu Twitter uma postagem do dia 25 em que elogiava o currículo do ex-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. Naquele dia, Jair Bolsonaro havia acabado de anunciar Decotelli como o novo titular da pasta, no lugar de Abraham Weintraub.  Ao repostar uma publicação de Bolsonaro em que divulgava supostos títulos do novo ministro, como um doutorado pela Universidade de Rosário (Argentina) e um pós-doutorado pela Universidade de Wuppertal (Alemanha), Zambelli elogiou o currículo de Decotelli e ainda se aproveitou do fato de o economista ser negro para atacar ações afirmativas.

BOLSONARISMO MURCHO, DEMOCRACIA EM ALTA

Em dezembro passado, pesquisa nacional do Datafolha conferiu que 62% dos brasileiros apoiavam a democracia e 12% uma ditadura. O apoio à democracia aumentou para 75%, de acordo com nova pesquisa aplicada por telefone junto a 2.016 pessoas nos últimos dias 23 e 24. E o apoio a uma ditadura caiu para 10%.

O que aconteceu de relevante no país entre dezembro e agora para que o apoio à democracia tenha batido seu recorde desde quando o Datafolha começou a medi-lo em 1989? Naquele ano, pela primeira vez, os brasileiros foram às urnas eleger o presidente da República depois de 21 anos de ditadura militar.

Os últimos seis meses foram os mais tensos do ponto de vista político por obra e graça do presidente Jair Bolsonaro. Ele afrontou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, testou os limites da democracia e compareceu a manifestações de rua em Brasília onde seus seguidores pediram uma intervenção militar.

Só recentemente, Bolsonaro começou a dar sinais de que estaria disposto a governar de acordo com as leis. Sua aparente conversão às regras do jogo democrático deve-se a derrotas que colheu em votações no Congresso, ao risco de não completar o mandato, à prisão de Queiroz e ao medo do cerco judicial aos seus filhos.

Era de 22% o contingente dos que diziam há seis meses que tanto fazia que o regime fosse democrático ou ditatorial. O contingente caiu para 12%. Foi onde se registrou a migração pró-democracia. Os apoiadores de Bolsonaro são também os que mais aceitariam a implantação no país de um regime totalitário: 15%.

Já os que rejeitam o presidente tendem a apoiar mais a democracia (85%), assim como habitantes do Sudeste (80%). O sentimento democrático cresce com o grau de instrução e com maior renda, passando de 66%, entre quem tem o ensino fundamental, a 91%, entre os com formação superior.

O Datafolha perguntou como os entrevistados definem o regime que existiu no Brasil entre 1964 e 1985. Para 78%, foi uma ditadura, enquanto 13% não o veem assim. Os que responderam não saber, 10%. De todo modo, o país está dividido entre quem vê risco de uma nova ditadura (46%) e quem descarta isso (49%).

Por Ricardo Noblat

Nas últimas duas semanas, Jair Bolsonaro teve uma atuação muito mais discreta do que o normal. Faz parte da operação de “pacificação” colocada em marcha depois da prisão de Fabrício Queiroz na casa do seu ex-advogado, Frederick Wassef, e do andamento de inquéritos sobre atos antidemocráticos e fake news. Segundo interlocutores, ele teria dito que está “cansado dos confrontos” com Judiciário e Legislativo. Mas em relação à pandemia, a tática irresponsável de confronto com a realidade parece continuar.

No fim de semana passado, o presidente provocou aglomerações em Araguari, município de Minas – justamente um dos estados mais afetados pela covid-19 no momento. Em evento fora da agenda, ele saiu sem máscara a cumprimentar apoiadores e segurar crianças no colo. Por falar em máscara, a Advocacia-Geral da União cumpriu o prometido e, na sexta, recorreu da decisão judicial que obriga Bolsonaro a seguir o decreto de Ibaneis Rocha (MDB) e usar máscara no Distrito Federal – ou, do contrário, pagar multa de R$ 2 mil. A AGU argumenta que a fiscalização está sendo “mais rígida e onerosa” para o presidente em relação aos outros cidadãos. 

Aliás, nos EUA – de onde Bolsonaro importa parte do seu arsenal político –, o vice-presidente Mike Pence resolveu sustentar que não usar máscara é questão de liberdade de expressão. Sabemos que Trump tem dito por lá que as pessoas usam máscara somente para irritá-lo.

No último dia 28, manifestações contrárias e favoráveis a Bolsonaro aconteceram em 24 países. O lema? “Stop Bolsonaro”. Por aqui, um ato em Brasília fincou mil cruzes brancas em frente ao Congresso Nacional para criticar a condução criminosa do governo federal da pandemia. Em número reduzido, apoiadores do presidente marcaram presença em frente ao quartel-general do Exército pedindo intervenção militar

Representam um pensamento minoritário, prevalente em apenas 10% da população, apontou o Datafolha. O instituto divulgou no fim de semana uma pesquisa que indica que o apoio à democracia bateu recorde no Brasil, chegando a 75%. Na última pesquisa que conteve essa pergunta, feita em dezembro do ano passado, o apoio à democracia estava num patamar de 62%. O crescimento se deveu à diminuição do contingente que declara que “tanto faz” o regime político, que caiu de 22% para 12%. Para efeito de comparação, o apoio ao regime democrático chegou ao pior patamar (42%) da série histórica em fevereiro de 1992, depois de medidas como o confisco das poupanças e dos primeiros escândalos de corrupção do governo Collor.  Meses depois, com o afastamento do ex-presidente, o apoio à ditadura chegou ao ápice (23%). 

Ainda segundo a pesquisa, 68% dos brasileiros considera que as manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo, além dos ataques a integrantes desses poderes com fake news, ameaçam a democracia.

E um levantamento feito por O Globo em 16 unidades da federação traz outro indício positivo. O jornal conversou com ex-comandantes, ouvidores dos órgãos de segurança e promotores que cuidam do controle externo da atividade policial  de locais que, juntos, detêm 88% do efetivo das polícias militares na ativa. Apesar de relatarem que o apoio a Bolsonaro continua prevalecendo, essas fontes afirmam que as tropas percebem que “medidas extremas” não teriam eco no conjunto da sociedade brasileira. “Não temo o risco de adesão institucional. Há risco de envolvimento individual, de segmentos que aderiram a propostas radicais e populistas. Estes precisam ser controlados pelas instituições, zelosas com a disciplina e o uso de arma de fogo”, ponderou o ex-secretário nacional de Segurança Nacional, Ricardo Balestreri. 

E os baques da semana retrasada parecem ter sido sentidos por gente ligada ao partido que Bolsonaro quer criar, o Aliança pelo Brasil, e a movimentos e influencers bolsonaristas. Porta-vozes já trabalham para se descolar de pautas golpistas.  “Não podemos ser confundidos com os mais radicais e intervencionistas”, disse Newton Caccaos, do Avança Brasil, ao Estadão. “Sou contra fechar o Supremo”, afirmou, por sua vez, Adilson Dini, um dos youtubers investigados pela Justiça. Mais de três mil vídeos contendo defesa de pautas extremistas foram apagados desde a prisão de Sara Geromini.

POLOGLOTA E SANFONEIROUm vídeo com o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, falando inglês viralizou nas redes sociais. O executivo, chefe da principal agência promotora do turismo no país, demonstra dificuldade com a língua inglesa ao convidar turistas estrangeiros para visitar o Brasil. Machado Neto comete erros de pronúncia e foi comparado ao técnico de futebol Joel Santana por alguns internautas. O treinador também virou assunto por cometer erros na língua inglesa enquanto comandava a seleção da África do Sul, em 2009. No vídeo, Machado Neto, visivelmente desconfortável, fala sobre as belezas e atrativos turísticos do Brasil.

O humorista Marcelo Adnet compartilhou o vídeo e comentou que o presidente da Embratur "demonstra outros talentos" além de tocar sanfona. Na semana passada, o executivo apareceu em uma live do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tocando sanfona para "homenagear" as vítimas do coronavírus e as festas de São João, que, por causa da pandemia, não serão realizadas este ano. Em resposta a Adnet, Machado Neto afirmou que fala "inglês com sotaque nordestino com muito orgulho", e questionou se o humorista teria algo contra os nordestinos.

No último dia 25, Jair Bolsonaro decidiu abrir sua já tradicional live prestando um tributo às vítimas do coronavírus de uma maneira nunca antes vista neste país. Aproveitando o ensejo para também homenagear as festas de São João do Nordeste –que não poderão ser realizadas neste ano por conta da pandemia–, o presidente convocou um “sanfoneiro” para apresentar uma versão de “Ave Maria” que, aparentemente, não empolgou.

APOIADORES FAKES

Jair Bolsonaro divulgou nas redes sociais um vídeo criado para falar bem de si mesmo e do seu governo. Na peça, brasileiros de aparência ordinária conversam por telefone com um presidente extraordinário sobre um Brasil pujante, repleto de obras e realizações. Quem assistiu ficou tentado a pedir para viver no país extraordinário do vídeo, seja ele onde for.

Antes que uma multidão se aglomerasse defronte do Planalto para exigir a localização do Éden, descobriu-se que os diálogos eram falsos. As fotos dos supostos interlocutores do presidente estão disponíveis, a preços módicos, num conhecido banco de imagens.

Um dos retratos, vendido por R$ 45, exibe uma "mulher idosa feliz", que na conversa com Bolsonaro foi identificada como "dona Maria Eulina", da cidade cearense de Penaforte.

Outra fotografia, baixada gratuitamente do banco de imagens como "trabalhador" com uma "fábrica ao fundo", virou na conversa com o presidente "Francisco Valmar", do município potiguar de Parnamirim. A mesma imagem havia estrelado outra propaganda oficial.

Pilhado no contrapé, Bolsonaro mandou retirar o vídeo de suas redes sociais. A assessoria do Planalto divulgou nota para informar que o vídeo não passa de "uma peça piloto inacabada que não deverá ser veiculada, não possuindo, portanto, caráter oficial." Hã, hã.

A lambança foi encenada num dia em que Bolsonaro queixou-se do projeto de lei sobre fake news, que criminaliza notícias falsas. Já passou no Senado. Se vingar na Câmara, restará o veto, ameaçou o presidente.

"A fim de sanar qualquer tipo de distorção dos fatos, o vídeo foi retirado do ar", informou a assessoria do Planalto. Ah, bom! Numa hora dessas, gastar dinheiro com a construção de um Brasil hipotético presidido por um estadista presumido é uma variante do velho hábito de jogar o suor do contribuinte pela janela.

Por Josias de Souza

PREMONIÇÃO

O presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo em suas redes sociais que mostra um encontro dele com uma mulher evangélica no Palácio da Alvorada. Ela, que é do Rio Grande do Norte, viajou três dias de ônibus para dizer ao ex-capitão que teve uma “visão” sobre seu impeachment.

INDÍGENAS VÃO AO STF

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos políticos tiveram que entrar com uma ação no STF para obrigar o governo federal a proteger essa população durante a pandemia, já que, até agora, as ações de prevenção e enfrentamento estão sendo feitas em grande parte localmente, pelas prefeituras, estados ou, muitas vezes, pelas próprias comunidades organizadas. Há pouco tempo contamos por aqui como a Funai vem gastando pouco (e mal) seus recursos no combate ao coronavírus. 

Até agora, organizações indígenas contabilizaram 403 mortes e 10.341 infectados. Um estudo da Fiocruz divulgado no início do mês mostra que 48% dos indígenas que procuram atendimento hospitalar com covid-19 morrem, e esse percentual é pior do que o de qualquer outro grupo étnico no país: 28% dos brancos, 36% dos pretos e 40% dos pardos morrem. “O governo federal vem agindo de maneira absolutamente irresponsável no controle da pandemia do coronavírus em relação aos povos indígenas. As ações e omissões do poder público estão causando um verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”, alertam os autores.

A primeira solicitação é que a União isole e mantenha barreiras sanitárias nas terras isoladas e de recente contato, algo tão básico que é incrível precisar da Justiça para isso. “Fomos obrigados a recorrer à instância máxima do Judiciário porque, enquanto permanecemos isolados, nossos territórios estão sendo invadidos e nossa saúde, negligenciada. Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a taxa de mortalidade pela doença por 100 mil habitantes entre indígenas da região é 150% maior que a média nacional, e ao menos 30% dos territórios analisados no estudo têm potencial elevado de contágio “por causa do desmatamento e da ação de grileiros e garimpeiros“, escreve Eloy Terena, assessor jurídico da Apib, na Folha

Entre outras demandas, a ação pede a retirada dos invasores de seis terras indígenas (Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá); exige que a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde passe a atender em áreas ainda não demarcadas e os indígenas que vivem nas cidades (hoje isso não acontece e é uma fonte antiga de preocupação); e que se crie, em 20 dias, um plano de enfrentamento de covid-19 para os povos indígenas. 

COROAÇÃO DO DESCASO

A tragédia do coronavírus nas aldeias – com comunidades ameaçadas por grileiros, aldeados que se expõem nas cidades para conseguir dinheiro e comida, indígenas não afastados de seus trabalhos que espalham involuntariamente a doença nas comunidades, ausência de proteção pelas autoridades – é obviamente fruto de um processo histórico muito mais grave. Um jovem de 15 anos do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, falou ontem sobre o descaso do Brasil com a saúde indígena no encontro anual sobre os direitos das crianças do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O grande problema de fundo, denunciou ele, é o do acesso à terra.

“O meio ambiente afeta diretamente os direitos de meninos e meninas. Para a infância indígena, a proteção do território é a forma de garantir nosso estilo de vida tradicional, sobrevivência, nosso desenvolvimento como ser humano e o exercício de todos os nossos direitos humanos” disse, criticando a paralisação das demarcações no governo Bolsonaro. E completou: “Nossas crianças sofrem com taxas elevadas de desnutrição. Somos mais de duas mil famílias – 60% crianças –, sobrevivemos em barracas de lona sem acesso à água, saúde, educação, alimentação, em uma verdadeira crise humanitária”.

E nem a demarcação garante segurança, como sabemos. Pelo menos 12 denúncias de garimpos em unidades de conservação e terras indígenas da Bacia do Xingu foram protocoladas só entre dezembro de 2018 e maio deste ano, segundo um levantamento da Rede Xingu+. É uma verdadeira “pandemia de garimpo na região”, que ajuda a explicar o crescimento da covid-19 na área. A terra mais vulnerável é a Yanomami, onde mais de 20 mil garimpeiros ilegais ameaçam o território. Em junho, dois jovens indígenas foram mortos a tiros por garimpeiros no meio da floresta.

Ontem, militares realizaram uma operação em Roraima que incluiu atendimento médico a yanomamis. Distribuíram máscaras e fizeram testes rápidos – que são menos confiáveis e só dão resultado positivo pelo menos uma semana após o surgimento de sintomas. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve lá. Disse que a pandemia em terras indígenas está “sob controle“. Quanto aos assassinatos, afirmou que “não é um fato corriqueiro e normal”. 

ARMAMENTISMO

A sociedade brasileira tem até o próximo domingo (5) para contribuir com um regulamento de extrema importância: o de como o governo deve rastrear armas e munições. O prazo está chegando, mas a verdade é que ele mal começou: a consulta pública foi aberta pelo Exército na última-segunda-feira. 

Essa história começa em abril, quando Jair Bolsonaro pediu e o Exército atendeu, revogando três portarias que continham normas de rastreamento. Todos lembram da frase do presidente na reunião ministerial do dia 22 de abril: “Eu quero todo mundo armado”. Foi dita cinco dias depois da revogação das portarias.

O Ministério Público Federal apontou o problema, e moveu uma ação na Justiça Federal, assim como dois partidos, PDT e PSOL, que recorreram ao Supremo. A reação teria convencido o Exército da necessidade de elaborar uma nova norma. Agora, a consulta pública seria apenas um ‘faz de conta’ para que a flexibilização ganhe um ar de participação civil. Detalhe: segundo o Datafolha, 72% dos brasileiros discordam da visão de Bolsonaro de que seja ‘preciso armar todo mundo’.

“Essa perda de controle claramente beneficia a qualquer tipo de crime organizado, de tráfico ou milícias, que com menos rastreamento e menos marcação, tem mais chances de se abastecerem com armas e munições e menos chances de verem seus crimes esclarecidos”, resumiu Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, para o El País.

GENTE DE BEM 1

A bolsonarista Ana Paula Brocco já viajou por vários países e está de casamento marcado no Caribe. Mesmo assim, ela conseguiu receber o auxílio emergencial de R$ 600,00 do governo. Ela foi descoberta pela reportagem da RBS TV, que trata da concessão irregular do abono emergencial, que foi veiculada pelo Fantástico, da Rede Globo.

Mesmo assim, ela conseguiu com o juiz Daniel da Silva, da comarca de Espumoso, no Norte do estado, no último dia 15, uma liminar que impedia “publicar”, “vincular” ou trazer à tona matérias que envolvessem o nome Ana Paula Brocco.

A liminar foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na noite do último dia 26, pois se tratava de censura prévia, o que é proibido pela Constituição Federal. A decisão é da desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, da 19ª Câmara Cível do TJ-RS.

O programa Fantástico, da TV Globo, apresentou a reportagem neste domingo (28), revelando que 620 mil pessoas receberam o auxílio emergencial do governo sem ter direito, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Ana Paula é uma delas.

Ainda de acordo com o TCU, os pagamentos ilegais podem gerar um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos, caso não sejam interrompidos.

Em nota, entidades e associações de imprensa repudiaram a censura prévia e disseram ainda que a decisão privilegia o interesse individual em detrimento do direito da coletividade. E que as matérias jornalísticas investigativas são serviço indispensável à população.

GENTE DE BEM 2

O último dia 28 foi o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Uma data que seria de comemorações e debates se transformou em tragédia para o jovem João Victor da Silva Pedroso, de 22 anos. O morador da cidade de Lucas do Rio Verde (MT) foi vítima de agressão homofóbica em seu trabalho.

João é agente bilheteiro na empresa Verde Transporte, que fica na rodoviária da pequena cidade de apenas 65 mil habitantes. No começo da tarde de domingo, uma mulher de 42 anos entrou no local e ultrapassou a barreira permitida que foi determina no espaço por conta da Covid-19. João então alertou a senhora, que se recusou a sair.

A mulher, então, perguntou se João era “viado”. Assim que confirmou a sua homossexualidade, o jovem começou a ser agradido. “Eu sou uma serva de Deus. Por que você é viado, nasceu sem pinto? Você sabe que viado vai para o inferno? Eu tenho nojo de viado”, disse a mulher enquanto segurava João pela roupa.

“Eu tentei procurar ajudar, corri para a frente da agência porque tinha muita gente lá. Pensei: as pessoas vão me ajudar e acabou que ninguém me ajudou. Ninguém se chocou com o que estava acontecendo. Todo mundo com o celular na mão, todo mundo queria ter o melhor ângulo, o melhor vídeo para postar”, relata João.

O agente bilheteiro não reagiu em nenhum momento, apenas segurou as mãos da mulher para se defender enquanto aguardava a polícia chegar. Em uma tentativa de se proteger, já que ninguém prestou socorro ao jovem, João correu para dentro da loja. Nesse momento, a mulher pegou um pedaço de ferro e começou a quebrar todos os computadores do local.  “Ela ficou descontrolada quando falei que era gay. Se ela pudesse, me matava ali”, conta João.

O jovem até então não era assumido para todos de seu trabalho, pois sempre foi muito reservado. Com o ocorrido, João foi exposto para seus amigos e familiares, mas conta que foi acolhido por todos.

A empresa Verde Transporte prestou apoio a João. Além de disponibilizar advogados para defender o jovem, ele passará por psicólogos. “Eu achei que ela seria responsabilizada pelo acontecido. Estou com medo de ter uma recaída, porque fico pensando isso toda hora, de que eu estou fazendo mal para todo mundo. Estou tentando manter minha sanidade mental”, diz.

“Estou com medo de sair de casa. Mas sei que se eu ficar com isso na cabeça eu não vou viver mais, vou ficar acuado. Vou ter que enfrentar”, concluiu João.

FRASES DA SEMANA

“Não me permito debater com quem tem tanto a explicar, mas como você me convidou para seu suplente, fica uma dica: melhor não pagar de “gostosão” com os investigadores porque você e eu sabemos o que você fez no verão de 2018.” (De Paulo Marinho, empresário, para Flávio Bolsonaro)

“Aos 74 anos, eu pensei que ia parar de brigar (…). Mas eu quero provar que o Moro é um canalha, eu quero provar que o Dallagnol é um cara que montou uma quadrilha na força-tarefa, eu quero provar“. (Lula, ex-presidente da República) 

“Eu quero convidar a partir de agora Alcolumbre e Maia numa próxima viagem minha, como tive o prazer de estar em Araguari e, ao retornar, pousamos em um pequeno vilarejo. Tinha umas 30 casinhas lá e vimos muita gente humilde.” (Jair Bolsonaro, encantado por descobrir a pobreza)

“Quando o Judiciário chega ao mesmo patamar dos outros Poderes, alguns não aceitam e querem entender que harmonia é apatia. Harmonia também é tensão, acaba sendo tensão entre os poderes porque cada um tem que cumprir suas competências”. (Alexandre de Moraes, ministro do STF)

“O papai voltou!”. (Luiz Felipe, 5 anos, ao reencontrar o pai, Felipe Augusto de Lima, que passou um mês internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, vítima do coronavírus.

“Podemos ter muitas controvérsias em relação ao governo Bolsonaro, mas agora acho que podemos ter dois consensos. Ele deu uma grande contribuição ao Brasil quando tirou Moro de Curitiba e, agora, quando o tirou do Ministério da Justiça.” (Gilmar Mendes, ministro do Supremo)

“As Forças Armadas ocupam no Executivo, através de uma presença maciça, um papel estratégico, porque funcionam como substitutos à inexistência de um partido que dá sustentação ao Bolsonaro e lhe forneceria os cargos dirigentes.” (Dilma Rousseff, ex-presidente da República)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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