28/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Mais quieto que guri cagado

Publicado em 24/06/2020 12:00 - Victor Barone

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Um dia desses, pressionado por dívidas que atingiam a casa de 3 milhões de reais, Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, queixou-se de ter sido abandonado pelos amigos. E escreveu na sua conta no Twitter que o presidente Jair Bolsonaro deveria enfiar naquele lugar a medalha que lhe conferiu no ano passado, durante viagem aos Estados Unidos. Dispensava a honraria.

Esse pode não ter sido o propósito de Bolsonaro, mas ao escolher Carlos Alberto Decotelli para ministro da Educação, ele enfiou goela abaixo do autoproclamado filósofo em apuros econômicos um nome que lhe é estranho. E logo no lugar que Olavo havia emplacado os dois últimos e desastrosos ministros – o colombiano Ricardo Vélez e o fugitivo Abraham Weintraub, de triste memória.

Ex-oficial da Marinha, professor da área de finanças na Fundação Getúlio Vargas, Dacotelli era o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) quando o órgão publicou um edital de R$ 3 bilhões que foi suspenso pela Controladoria-Geral da União (CGU) por suspeitas de fraudes. História estranha, essa, que ninguém esclareceu até hoje.

O pregão previa a compra de computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para alunos das redes públicas de ensino estaduais e municipais. Relatório de auditoria da CGU apontou que a licitação estimou um número desnecessário de computadores. Só para a Escola Municipal Laura Queiroz, em Minas, seriam 30.030 laptops educacionais. Detalhe: a escola só tinha 255 alunos.

O edital foi publicado no dia 21 de agosto do ano passado. Decotelli deixou o cargo uma semana depois. Foi substituído pelo advogado Rodrigo Sergio Dias, indicado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O episódio não manchou a biografia de Decotelli aos olhos dos ministros militares do governo. E foram eles que convenceram Bolsonaro a promovê-lo a ministro.

Duro golpe para a chamada “ala ideológica” do governo, como se fosse possível faltar ideologia às demais alas. Nas redes sociais, inspirados por Olavo e sempre obedientes a ordem de comando do vereador Carlos Bolsonaro, os bolsonaristas de raiz, os mais sinceros, são justamente os que defendem o presidente, faça o que ele o que fizer. Devem estar se sentindo traídos.

Mas não só por isso. Desde a reunião ministerial de abril último, célebre pelos rolos que produziu, Bolsonaro começou a marchar para trás com medo de não completar o mandato. O medo bateu no teto com a prisão de Fabrício Queiroz, parceiro do seu filho Flávio em negócios suspeitos. Finalmente, parece ter-se rendido aos conselhos dos generais para não criar mais turbulências.

Abandonou seus devotos no cercadinho do Palácio da Alvorada. Viajou ao Rio para o enterro de um paraquedista no domingo em que eles foram às ruas de Brasília para defender uma nova intervenção militar. Acelerou a entrega de cargos ao Centrão e a liberação de dinheiro para prefeituras controladas por deputados e senadores encantados com tanta generosidade.

Nunca mais acenou com um golpe. Deu para exaltar a harmonia entre os Poderes. E, na sua live de ontem no Facebook, lembrou os mortos pela pandemia pedindo ao sanfoneiro e presidente da Embratur, Gilson Machado, que cantasse a “Ave Maria”. É verdade que, no fim da apresentação, voltou a criticar as medidas de isolamento social. Ninguém é perfeito.

Bolsonaro reencarnado como presidente moderado antecipou-se ao Congresso e resolveu estender por mais três meses o auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres. E concordou com a passagem para reserva do general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo. Foi mais uma exigência dos generais da ativa que preferem manter distância da política.

Em 1964, quando o regime militar ainda fingia não ser uma ditadura, o jornalista Millôr Fernandes escreveu:

– Quem avisa, amigo é: se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo continuar deixando que determinados jornais façam restrições à sua política financeira; se o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que as pessoas pensem por sua própria cabeça… corremos o risco de em breve cairmos numa democracia.”

Pois é. Se Bolsonaro não atacar mais a imprensa, se não ameaçar mais o Congresso e nem marchar sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal, se desistir de enfraquecer a democracia e, principalmente, se mantiver a boca fechada… corremos o risco de em breve cairmos num governo normal.

Duvida? Eu também.

Por Ricardo Noblat

ABATIDO

Brasília convive com uma novidade: o abatimento de Bolsonaro. Quem esteve com o presidente nos dias que se seguiram à prisão do amigo Fabrício Queiroz encontrou-o ressentido e acuado. O temperamento continua corrosivo. Irritadiço, ele capricha nos palavrões. Mas já não exibe o sentimento de invulnerabilidade que ostentava há algumas semanas. O presidente vive uma fase decisiva. Pode redirecionar o seu governo ou conservá-lo no caminho do brejo.

Na definição de um auxiliar de Bolsonaro, o futuro do governo depende de uma revolução. Seria necessário revolucionar a mentalidade do presidente. Isso passaria por duas metamorfoses. Numa, Bolsonaro teria de desenvolver uma capacidade de dialogar a sério com os Poderes Judiciário e Legislativo. Noutra, o presidente precisaria dar ao seu governo um perfil menos ideológico e mais técnico. O brasileiro não quer um mito, deseja resultados.

MUITOS AMIGOS

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub agradeceu às “dezenas de pessoas” que o ajudaram a deixar o Brasil. Ele foi exonerado oficialmente do cargo no último sábado, em edição extra do Diário Oficial da União, após ter chegado a Miami.

“Agradeço a todos que me ajudaram a chegar em segurança aos EUA, seja aos que agiram diretamente (foram dezenas de pessoas) ou aos que oram por mim”, escreveu o ex-ministro do governo Bolsonaro no Twitter.

Para viajar driblando a restrição a brasileiros imposta pelo governo norte-americano em razão do descontrole da pandemia do novo coronavírus, Weintraub fez uso do passaporte diplomático a que tinha direito como ministro, mas que teria de devolver após a exoneração.

O ex-ministro foi indicado pelo governo brasileiro para ocupar uma diretoria no Banco Mundial, que ainda precisa ser chancelada por outros oito países.

Apesar de ter deixado Brasil, Weintraub mostra que não deixou o deboche de lado. Na postagem, ele publicou ainda uma foto em que aparece em frente a uma loja da rede Taco Bell e outra de um pacote da rede KFC. “Quanto à culinária internacional, ontem fiquei tentado a comer uns tacos, acabou sendo KFC”, completou.

Equipe BR Político

QUASE NADA

Desde que o primeiro caso de covid-19 foi registrado no Brasil, a Funai só gastou R$ 6,6 milhões em medidas para proteger a população indígena, segundo o Brasil de Fato. O valor representa 1,18% do orçamento anual do órgão. Ele não engloba serviços como tratamento e assistência médica (estes ficam a cargo da Sesai, secretaria do Ministério da Saúde), mas sim gastos com cestas básicas, produtos de higiene e limpeza e equipamentos de proteção individual. Quando se divide o total pelos 800 mil indígenas que vivem no país, dá um gasto de R$ 8,35 por pessoa.

Para Luiz Eloy Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Funai poderia utilizar mais recursos com outras finalidades: “Poderiam colocar bloqueios nas terras com presença de índios isolados, combater o garimpo e desmatamento ilegal e perfurar poços nas áreas que não têm acesso à água, especialmente nos territórios dos povos Guarani e Kaiowá”. Mesmo as cestas básicas começaram a chegar muito tarde. O Outra Saúde já mostrou como indígenas precisaram se organizar autonomamente para garantir isolamento, comida e campanhas de prevenção.

Quando se trata de acesso a serviços, o panorama continua muito ruim. Na semana passada o Mato Grosso do Sul registrou a primeira morte de um indígena, em Dourados. Em sua aldeia, a Bororó, mais de 50 pessoas estão com sintomas de covid-19. E o único posto de saúde da região tem só um médico e um enfermeiro para atender a 17 mil indígenas.

De acordo com as organizações indígenas, que desde o começo da pandemia têm feito um mapeamento próprio, já são 110 os povos atingidos; houve mais de sete mil indígenas infectados e 332 mortos. Os números da Sesai, que englobam apenas os indígenas aldeados e os territórios regularizados, contam quatro mil contaminações e 117 óbitos.

PSICANALISTA

Candidato à presidência em 2018 pelo PSOL, Guilherme Boulos viralizou nas redes sociais após participação no programa GloboNews Debate. Isso porque em um determinado momento do programa o líder do MTST recomendou um psicanalista ao deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), que também participava do debate.

“O deputado Bibo Nunes me surpreende, não consegue fazer uma fala sem falar da Venezuela e da esquerda. É uma coisa impressionante, é quase uma obsessão. Acho que não vamos resolver isso aqui no debate, talvez ele possa procurar um psicanalista, resolver isso no divã, porque é uma coisa que passou da política, é uma obsessão. Sugiro isso de uma maneira muito humilde e serena para que o deputado faça essa procura de ajuda para que ele consiga falar de outros temas. Ele tá falando de economia e fala de Venezuela, ele tá falando de politica ele fala de Venezuela, falando de covid e fala de esquerda. Seria interessante para ele até como parlamentar que ele buscasse essa ajuda”, disparou Boulos, que é psicanalista de formação.

Outro momento do debate que chamou a atenção de espectadores e internautas foi quando Bibo Nunes falou que não há “toma lá, dá cá” entre o governo e o centrão no Congresso, que os deputado do grupo político que faz negociatas na Câmara trabalham “por amor ao Brasil” e que “não há corruptos” no PSL. A expressão que Boulos fez enquanto o bolsonarista proferia as declarações também viralizou nas redes.

CELULAR

O escritor Paulo Coelho publicou uma mensagem comentando sobre a chegada do celular do ex-secretário geral da Presidência, Gustavo Bebianno, no Brasil. Coelho disse que é possível vazar conversas entre os dois.

“Não se surpreendam se encontrarem conversas minhas com Bebianno no celular dele, que chegou ao Brasil. Falávamos com frequência depois q ele foi covardemente afastado. Um homem de bem que deixou-se enganar pelos obsessores do Planalto”, disse o escritor.

“Vou deletar em 2 hr. Printem se quiserem cobrar”, escreveu ainda, dando um tom de mistério para a revelação.

De acordo com a colunista Thaís Oyama, do UOL, o celular de Bebianno, que estava sob os cuidados da irmã dele desde a morte do ex-aliado do presidente, chegou já ao país. Segundo a jornalista, a revelação desses diálogos seria “destruidora” para Bolsonaro.

Antes de morrer, Bebianno revelou ter guardado um material, “inclusive fora do Brasil”, para ser usado caso algo lhe acontecesse.

NA PF TAMBÉM

A Polícia Federal decidiu abrir uma investigação paralela sobre a organização e o financiamento dos atos antidemocráticos, depois de divergências em relação às medidas pedidas pela Procuradoria-Geral da República. Ainda na semana passada, a delegada Denise Ribeiro se manifestou contrariamente à operação que mirou bolsonaristas envolvidos nos atos, pedindo ao ministro do STF Alexandre de Moraes o recolhimento dos mandados de busca e apreensão, ou o adiamento da operação. Ele disse não, mas autorizou que ela começasse uma diligência paralela. Segundo O Globo, isso é incomum. Pela PF, vão ser investigados três crimes, dois relativos à Lei da Segurança Nacional e um sobre associação criminosa, previsto no Código Penal.

ARAS

O subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, que ficou em primeiro em 2019 na lista tríplice do Ministério Público Federal para comandar a Procuradoria-Geral da República, mas foi esnobado pelo presidente Jair Bolsonaro, que preferiu nomear Augusto Aras – que nem entre os três mais votados estava -, comemorou uma pequena vingança. Com 645 votos, ele foi o mais votado para ocupar uma das duas cadeiras no Conselho Superior, o mais importante órgão do Ministério Público, que tem dez integrantes. A outra vaga ficou com Nicolao Dino (608 votos), irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Aras apoiava os outros dois candidatos derrotados: os também subprocuradores-gerais da República Carlos Frederico Santos (190 votos) e Maria Iraneide Facchini (121). Julieta Fajardo Albuquerque (61 votos) completou a lista dos candidatos. A votação foi considerada uma derrota interna de Aras, que já havia sido alvo este ano de um abaixo-assinado com quase 600 assinaturas de procuradores criticando a sua gestão, considerada muito próxima a Bolsonaro e muito distante da Operação Lava-Jato.

FOME

A volta do Brasil ao Mapa da Fome parece não ser mais uma ameaça. “O Brasil já está dentro do Mapa da Fome. Vamos ter que fazer todo um esforço de reconstrução”, diz ao Brasil de Fato Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). A crise gerada pela pandemia tem peso inegável nisso, mas não é o único fator para o desastre, como lembra ele. Não foi só a verba para merenda escolar que diminuiu: o enfraquecimento das políticas de segurança alimentar e nutricional, o desmonte do Consea e os cortes no orçamento para a agricultura familiar são anteriores ao coronavírus e amplificam muito os problemas da pandemia.  

Se mal dá para comer, imaginem estudar. Segundo uma pesquisa do Conselho Nacional da Juventude divulgada ontem, três em cada dez jovens brasileiros pensam em deixar a escola durante a pandemia, e 49% dos que planejavam fazer o Enem cogitam desistir. E olha que foi uma enquete virtual, de modo que os 33 mil jovens ouvidos são os que têm algum acesso à internet. Entre eles, 70% disseram que seu estado de saúde mental piorou; 50% disseram que as famílias perderam renda; 40% indicaram ter diminuído ou perdido seu sustento mensal, e 33% relataram ter buscado alguma maneira de complementar esse buraco.

Em tempo: já comentamos que escolas e universidades privadas estão enfrentando altos índices de inadimplência e evasão. Pois a Universidade Nove de Julho, em São Paulo, decidiu lidar com isso da pior forma possível. Não apenas demitiu professores, como avisou a eles por meio de uma mensagem automática na plataforma de aulas online. Eles entravam para lecionar e liam o recado.

MASCARADO

Falando em contrariar Bolsonaro, o juiz Renato Borelli determinou que o presidente use máscara de proteção em todos os espaços e vias públicas do Distrito Federal, onde isso é lei. Caso contrário, será multado em R$ 2 mil. A Advocacia Geral da União (AGU), que parece não ter nada melhor para fazer, vai recorrer da decisão. A justificativa é ótima: “preservar a independência e a harmonia entre os poderes da República”. 

É AGORA QUE A NOVELA COMEÇA

“Até 1 milhão de empregos”. “Investimentos de até R$ 700 bilhões”. “Corrigir uma situação do século 19”.  Essas frases otimistas foram escritas ou enunciadas por veículos da mídia brasileira ontem, e dizem respeito à aprovação do novo marco legal do saneamento básico. A votação foi concluída pelo Senado, com um placar de 65 votos favoráveis e 13 contrários. O projeto de lei segue diretamente para sanção presidencial – o que deve acontecer bem rápido, já que Jair Bolsonaro disse que essa é a questão “mais importante no momento”

Essa história é longa e cheia de lapsos de memória convenientes. A agenda começou a ser tocada como prioridade do governo federal assim que Michel Temer assumiu a Presidência. Isso aconteceu de duas formas. A partir de uma medida provisória editada assim que se sentou na cadeira, Temer instituiu o Programa de Parcerias em Investimento (PPI), que tinha como objetivo no saneamento que o BNDES operacionalizasse a privatização das companhias estaduais. Em paralelo, a Casa Civil começou a articular, em afinada sintonia com entidades que representam o setor privado, a criação de um “mercado de saneamento” – expressão presente em uma apresentação feita no longínquo setembro de 2016. Na época, o governo criticava a lei do saneamento, aprovada em 2007, por “favorecer a assunção dos contratos por empresas públicas” e “dificultar a entrada de empresas privadas”. 

O governo Temer estudou mexer no marco legal de várias formas, sempre tendo como interlocutores apenas entidades que concordavam com e advogavam pela privatização do saneamento, como o Instituto Trata Brasil, think tank que tem entre seus apoiadores empresas como Aegea, Braskem, Tigre, Amanco, Coca-Cola. Foi uma denúncia de corrupção que deu um breque nessa movimentação: tudo mudou quando a conversa entre Temer e Joesley Batista veio a público e o governo precisou usar todo o seu poder de fogo para evitar um impeachment. Mas foi ele quem introduziu o assunto no Congresso Nacional, via medida provisória (844) enviada em 9 de julho, que caducou em novembro. No apagar das luzes da gestão, Temer ainda fez uma última tentativa, em 28 de dezembro de 2018, com a MP 868. 

O assunto ganhou um novo fôlego quando o relator da 868, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) resolveu botar a mão na massa 48 horas depois desta MP também caducar. Ele basicamente transpôs seu conteúdo para o projeto de lei 3.261. Sempre com muitas dificuldades, o tema não prosperava. Com o assunto em alta novamente, o governo federal entrou em campo e apresentou outro PL, o 4.162 – que foi aprovado com festa ontem. 

Os defensores do novo marco dizem, basicamente, que o Brasil não tem recursos para investir em saneamento e que esse dinheiro precisa vir da iniciativa privada. Na época do PPI, o BNDES topava emprestar recursos para empresas privadas, mas colocava um milhão de obstáculos no empréstimo às estatais. Sempre fica a dúvida sobre quem, de fato, catapulta os investimentos em infraestrutura. 

Os críticos do novo marco, por seu turno, apontam que basicamente a concessão à iniciativa privada dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto nunca foi proibido. Existem, aliás, em vários municípios. O que a nova regra faz é dificultar que municípios e estados assinem contratos entre si, como sempre aconteceu sem a necessidade de abertura de licitação. Eles também apontam que a iniciativa privada quer o “filé” – cidades populosas, ricas – não se interessando pela maior parte das cidades do país, que definitivamente não têm essas características. Há um exemplo bastante importante – e sempre esquecido nas análises de grande parte da mídia – no Tocantins.   

O Joio e O Trigo foi um dos poucos veículos a contar essa história: “As ações da Saneatins foram vendidas em 1998, por R$ 2 milhões, para a Empresa Sul-Americana de Montagens. Em 2010, sem ter interesse em 78 dos 139 municípios, a concessionária devolveu-os ao governo do estado, que criou a Aquatins, responsável também por cuidar das áreas rurais, exatamente onde é mais dispendioso realizar obras. Ou seja, o poder público ficou com aquelas municípios deficitários. Naquele ano, apenas 12 cidades contavam com serviços de coleta de esgoto”.

O líder do PDT no Senado, Weverton (MA), voltou a expressar essa preocupação: “Sabemos que, infelizmente quanto às cidades pequenas, principalmente do Norte e do Nordeste, esses investimentos não vão chegar, como foi aqui falado. É um projeto que vai beneficiar os grandes centros, claro, onde as grandes empresas têm interesse de investir, mas no entorno nós vamos continuar ainda à margem, ainda na dificuldade e, quem sabe, não sabemos ainda nem mensurar o prejuízo que vamos ter quanto à questão da tentativa de levar a política de saneamento de água para essas cidades menores e menos assistidas no país”. 

Outra observação, esta feita pela bancada do PT no Senado, que votou fechada contra o projeto, é sobre o ‘timing’. Por que votar um assunto tão controverso agora, em plena pandemia? Há argumentos contrários: uma doença que exige lavagem de mãos sistemática desvela a realidade brutal de que 35 milhões de pessoas não têm água tratada no país, e mais de cem milhões não são atendidos por coleta de esgoto.

O onipresente Tasso Jereissati – que é dono de uma empresa chamada Solar, que detém todo o engarrafamento e distribuição dos produtos da Coca-Cola no Nordeste e parte do Centro-Oeste –, relator do PL aprovado,  tem dito que o poder público poderá fazer um “amarrado” e negociar a concessão de um ‘filé’ junto com outras cidades deficitárias. É muito confuso isso, já que a titularidade do serviço de saneamento é, constitucionalmente, dos municípios. A novela, apesar de ter sido cheia de reviravoltas, parece estar só começando.

“GENTE DE BEM” 1

Um mulher apoiadora do presidente Jair Bolsonaro arrancou uma série de faixas colocadas por manifestantes na praia de Camburi, em Vitória (ES), onde ocorreram protestos antifascistas e antirracistas contra o ex-capitão em diversas cidades. As mensagens lembravam os 1.300 mortos por coronavírus no estado. Na gravação, a bolsonarista aparece andando com as faixas debaixo do braço afirmando que os manifestantes “mamam nas tetas” e chamando o grupo de “petistas”. Um deles respondeu: “com muito orgulho”. Em seguida, o grupo conseguiu reaver as faixas, deixando a mulher mais irritada. “Vocês são doentes, isso aqui é o meu imposto. Comunistas, filhos duma puta”, disse. Segundo o Mídia Ninja Espírito Santos, a mobilização foi organizada pela Plenária Contra o Covid no ES, que congrega várias organizações, entre conselhos de classe, movimento social e sindicatos.

“GENTE DE BEM” 2

Ganhou repercussão nas redes sociais o vídeo de um homem que afirma ser um bombeiro tentando convencer funcionário do metrô a deixá-lo andar sem máscara de proteção no transporte público. O homem é alertado pelo funcionário que não pode permanecer na estação sem usar máscara e diz: “Eu sou bombeiro, eu tenho noção, cara”. A resposta não convence o funcionário, que reforça que a utilização de máscara é prevista em lei. O homem é levado até uma cabine para conseguir uma máscara, senão é alertado que terá de sair do metrô.  “A lei não permite que você esteja aqui sem máscara, a lei é para todos”, diz o funcionário após o homem dizer “eu sou militar”. “Parceiro, eu sou concursado, tô no Estado, faço Direito”, completou o homem, que teve que ir atrás de uma máscara para não ser retirado da estação.

“GENTE DE BEM” 3

A TV Bandeirantes decidiu afastar o apresentador bolsonarista Luís Ernesto Lacombe, assim como Nathália Batista e o diretor-geral do “Aqui na Band”, Vildomar Batista. De acordo com o Notícias da TV, a decisão seria por consequência de uma briga interna na emissora por conta do excesso de pautas “tendenciosas” em favor do presidente Jair Bolsonaro. No último dia 23, o Aqui na Band escalou o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, um dos principais alvos do inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), como “especialista” em conservadorismo.

FRASES DA SEMANA

“Minha vida foi negociar. Sou um cara que sempre conversou, ouviu, dialogou. Mas não vou fazer papel de palhaço. Quem quiser falar em democracia tem que defender o impeachment do Bolsonaro”. (Lula, ao criticar a formação de uma frente ampla de partidos que não leve isso em conta)

“Para meu partido, a democracia é valor inegociável. Vamos estar ao lado de todos que estejam ao lado dela e vamos estar contra todos os que estejam contra ela. Se estivermos com PT, PSOL, PCdoB, PDT para defender a democracia, contem conosco”. (ACM Neto, presidente do DEM) 

“Estranho, não é? Vai ser a primeira vez na história que alguém diz que está exilado e tem o apoio do governo. Geralmente é o contrário. As pessoas fogem porque estão sendo perseguidas por um governo.” (Rodrigo Maia, presidente da Câmara, sobre a fuga de Abraham Weintraub)

“Queiroz foi colocado no gabinete de Flávio pelo Jair. É uma pessoa que articulava as campanhas da família, principalmente em áreas de milícia. […] Ele tinha relação com as milícias e fazia campanha em áreas de milícia para a família Bolsonaro.” (Marcelo Freixo, deputado)

“O país atingiu 50 mil mortos, enquanto o presidente acobertava a fuga do país do seu pior ministro e bolava justificativas para um miliciano que pagou despesas de seu filho. Estamos sem ministro da Saúde, mas sem presidente também”. (Felipe Santa Cruz, presidente da OAB)

“Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só, todos estão empenhados em atingir minha vida, em destruir minha vida, minha imagem, minha reputação. Vão cair do cavalo, que eu nunca fiz nada de errado.” (Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro)

“Infelizmente, o Ministério da Saúde, hoje, não exerce uma função de gestão da saúde, é um ministério sob ocupação militar e de números militares. […] Os médicos não sabem fazer guerra e os generais não sabem fazer saúde”. (Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde)

Com informações de Leonardo Sakamoto, Josias de Souza, Ricardo Noblat, Reinaldo Azevedo, Carta Capital, Outra Saúde, Sul 21, o Globo, Fórum, Veja, Dora Kramer, BRPolítico, Vera Magalhães, Marcelo de Moraes e Radar

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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