28/03/2024 - Edição 540

Brasil

A justificável paranoia antifascista tem deixado muita gente em alerta pelas ruas

Publicado em 15/11/2018 12:00 -

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Durante a campanha de Jair Bolsonaro (PSL) para a presidência, vimos e revimos declarações ofensivas do militar da reserva aos gays, às mulheres, aos negros, aos esquerdistas, aos petistas (basicamente como ele chama todos que não votaram na sua chapa), a jornalistas e a quem mais se opusesse a ele. No fim, sua tática agressiva de se posicionar “para maioria, não para minorias” foi eficiente. Nem mesmo suas frases que atentavam contra a democracia pareceu grande coisa para quem o elegeu.

O discurso de Bolsonaro parece ter liberado o lado sombrio de muita gente. Acompanhamos casos de violência, agressões e mortes logo após o resultado que mostrou que o candidato de extrema-direita era a preferência de grande parte da população. Descobrimos, assim, que 55 milhões de pessoas são coniventes a declarações como “não merece ser estuprada porque é muito feia” e “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”.

Penso nisso a todo momento. Sempre imagino que a pessoa que está no mesmo vagão do trem que eu pode pensar coisas parecidas com as de Bolsonaro. Sei que não estou só nessa. A todo momento meus amigos (muitos deles negros e LGBT+) comentam isso pra mim. Formamos uma espécie de paranoia coletiva que, mesmo sem querer, faz com que deixemos de sentar em um lugar no ônibus, mudemos o trajeto de casa ou fiquemos mais atentos às coisas ao redor.

Mesmo que você não tenha a menor ideia das opiniões políticas do desconhecido ao lado, o medo dele ser um bolsonarista e apoiar ações que vão contra ao que você é, é bem maior do que ter a leve consciência de que pode compartilhar com seus ideais.

Conversei então com a psicóloga social e professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Jaqueline Gomes, para saber como surgiu essa insegurança urbana e como ela age na cabeça das pessoas que se sentem o tempo todo vulneráveis. Para ela, é muito claro que isso é fruto da própria lógica da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e como ela foi traçada.

Segundo a psicóloga, a paranoia é totalmente justificável e, nesses tempos, é super importante elaborar terapeuticamente essas questões, para ir de embate a “estratégia fascista de aterrorizar”. “Ele fez uso de estratégias de operações psicológicas para fragilizar o oponente, no caso adversário político, tratando como inimigo”, completa.

A especialista classifica este tipo de estratégia como “psicologia militar”. Ela funciona no sentido de gerar no sujeito uma desvinculação com seu grupo, aumentando a vulnerabilidade. “A estratégia dessa lógica é que as pessoas se desvinculem de seus grupos e fiquem isoladas para um melhor controle social.”

Isso não gera transtornos mentais diretamente, mas causa situações de angústia e sofrimento que podem levar a algo maior em função do tempo de exposição e da predisposição de cada pessoa.

Jaqueline aconselha que é muito importante o acompanhamento de um profissional da área para elaborar e resolver essas questões. Para quem não tem aquele dinheiro sobrando no fim do mês, existem serviços gratuitos de Psicologia Aplicada em algumas universidades pelo país. Além disso, muitos profissionais atendem à distância, facilitando a vida de quem está sempre na correria ou mora em lugares afastados do centro.

A barreira criada com o próximo desconhecido, vale dizer, está diretamente ligada à cultura do medo. Segundo o estudo antropológico feito em 2004 por Mauro Guilherme Koury, da Universidade Federal da Paraíba, “a cultura do medo constrói uma barreira invisível que separa as pessoas e as isolam e as fazem temer tudo e todos e nunca confiarem no outro”. Entre os jovens, esse embaraço é muito maior, já que eles estão em uma fase de relações interpessoais mais intensas.

Nesse sentido, a violência, ou o medo dela, acaba ocupando um espaço social muito mais profundo no âmbito comportamental. “Isso vai caminhando para um individualismo 'selvagem' como modo de vida, já que as devidas regras sociais do novo momento da sociabilidade brasileira não se encontram de todo claras, ou sequer esboçadas”, interpreta Koury. Ao que parece, catorze anos depois, estamos numa sociabilidade ainda pior.


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