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Artigo da Semana

Ativismo pró-empresa põe em risco fiscalização do trabalho sob Bolsonaro

Publicado em 15/11/2018 12:00 -

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Ao nomear o juiz federal Sérgio Moro como xerife, Jair Bolsonaro diz que seu governo vai aumentar a fiscalização contra a corrupção. Ao mesmo tempo, vem criticando a fiscalização tanto de crimes ambientais quanto aquelas que identificam violações a direitos trabalhistas, demanda de empresários que apoiaram sua campanha.

O presidente eleito defendeu, durante o período eleitoral, a necessidade de combater o ''ativismo''. Na maioria das vezes em que empregou esse termo, não se referiu à atuação de organizações da sociedade civil, mas do que ele vê como ''militância'' de setores do funcionalismo público em prol de determinadas pautas, o que – em sua opinião – causaria problemas ao setor produtivo.

Por exemplo, o absurdo de fiscais do Ibama multarem quem desmatou sem autorização e além do limite permitido. Ou ainda o disparate de auditores fiscais do trabalho resgatarem pessoas escravizadas. Ou ainda a inimaginável atuação da Funai, ao defender o direito de povos indígenas, muitos dos quais vivendo na miséria, a seus territórios.

Diante disso, é grande a expectativa sobre o que ele pretende fazer não apenas com as áreas responsáveis pela fiscalização na Esplanada dos Ministérios, mas também com as normas regulamentadoras e instruções normativas, que guiam a fiscalização e podem ser alteradas sem passar pelo Congresso Nacional.

Essa foi a razão do bafafá sobre o ministério da Agricultura e Pecuária ter engolido o ministério do Meio Ambiente. Por conta da pressão social (inclusive de agricultores que estão no século 21 e não em 1968 e entendem o tamanho do problema que isso causaria à imagem de nossos produtos no exterior), o MMA foi devolvido. Por enquanto.

A expectativa é a mesma sobre a autonomia da fiscalização do trabalho. O novo governo vai garantir apoio e recursos para que essa área continue verificando as condições de saúde, segurança e dignidade dos trabalhadores ou ela será desidratada para atender às demandas por ''flexibilização'' de setores econômicos e empresários que apoiaram sua candidatura vencedora?

Durante a campanha, Bolsonaro criticou o enfrentamento ao trabalho escravo, citando dados equivocados sobre a fiscalização. Disse que qualquer irregularidade trabalhista configura o crime e não a omissão do empregador em garantir um mínimo de dignidade, citando o caso de uma mulher grávida que, exposta à aplicação de agrotóxico, teria sido considerada como submetida à escravidão. O que não procede. De acordo com a área de fiscalização do Ministério do Trabalho, um caso como esse não configura esse crime.

Com a perda do ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços no braço de ferro com o novo czar da Economia, Paulo Guedes, organizações setoriais que ficaram órfãs solicitaram à equipe de Bolsonaro que lhes entregue o ministro do Trabalho, convertido em uma pasta de Produção, Trabalho e Comércio. Claro que seu comando não ficaria na mão de um representante de trabalhadores – a menos que fosse pelego.

Entregar a chefia da fiscalização a um ministério com esse viés será o réquiem dos direitos trabalhistas no Brasil. Uma das primeiras medidas tomadas, aliás, seria a instalação da instância superiora de recursos de autos de infração com a presença de representantes empresariais, governamentais e de trabalhadores. Ou seja, o resultado tenderia a ser um eterno 2 a 1 contra os trabalhadores. Fiscalizações de trabalho escravo ou infantil, por exemplo, seriam derrubadas e empresas nunca teriam punição.

Em tese, o respeito ao contrato de trabalho estabelecido entre patrões e empregados é uma das bases do capitalismo. Mas, no Brasil, estufa-se o peito e enche-se a boca para defender liberalismo econômico quando, no íntimo, sonha-se com um estado autoritário que ofereça subsídios e mantenha o mercado de trabalho no cabresto, fazendo desaparecer reclamações de trabalhadores. Como era há 100 anos, quando a questão trabalhista era caso de polícia.

Vale lembrar que a fiscalização não objetiva apenas garantir direitos a quem está vivendo à margem da legislação, mas também aumentar a arrecadação do Estado, pois leva ao pagamento de tributos e contribuições sociais e previdenciárias. Em momentos de crise de orçamento, portanto, reduzir o poder arrecadatório é um contrassenso.

Em sabatina a industriais em julho, Bolsonaro afirmou que ''o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego''. A depender de suas decisões sobre a fiscalização, o trabalhador nem precisará chegar nesse dilema porque saberá que não vai ter quem zele por sua qualidade de vida. O que indica que a prática de ''ativismo'' não vem de quem fiscaliza, mas de quem impede que isso aconteça.

Leonardo Sakamoto – Jornalista e cientista social. Edita o Blog do Sakamoto no UOL


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