25/04/2024 - Edição 540

Poder

A torta noção de direitos humanos do General Heleno

Publicado em 02/11/2018 12:00 -

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Apontado como futuro ministro da Defesa no governo de Jair Bolsonaro (PSL), o general Augusto Heleno afirmou que a transição já começou, que o País está deixando a desejar no combate à criminalidade e que há certa inversão na discussão sobre direitos humanos hoje no Brasil.

O general comentou que, no Brasil, não há progresso na redução da criminalidade nem na contenção do crime organizado. Em sua opinião, é fundamental respeitar os direitos humanos na resolução desses problemas, mas diz que há "inversão de valores nessa história". "Direitos humanos são basicamente para humanos direitos. Essa percepção muitas vezes não tem acontecido. Estamos deixando a desejar nesse combate à criminalidade", disse. 

Ele ressaltou, no entanto, que o assunto dos direitos humanos é de "alta relevância" e disse que a necessidade de existir um ministério é discutível. "Se mudar a estrutura, não vai mudar sua importância", pontuou. Segundo Heleno, é preciso mudar a visão estratégica do problema da segurança.

Heleno afirmou que o Brasil vive hoje uma crise moral, ética, econômica e social e está na beira do abismo, com a economia caótica, e que, para sair da situação, é preciso que os governantes também deem bons exemplos. "O governo tem que se pautar em três pilares: honestidade, transparência e austeridade. E esses precisam se apoiar no exemplo". 

Não é a primeira vez que o general tropeça nos conceitos sobre o tema. Em março passado, em entrevista ao portal de direita O Antagonista, o ex-comandante das Forças brasileiras no Haiti afirmou que os direitos humanos foram um entrave para ação militar.

Para Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal, o posicionamento de Heleno é aterrador. “Vejam o que diz o general, que será o futuro Ministro da Defesa: quem ele julgar que não é uma pessoa de bem, não terá seus direitos humanos respeitados. Nas suas palavras, disse o General Heleno: ‘direitos humanos apenas para quem se comportar bem’. Isto caracteriza um frontal desrespeito ao que está expresso em nossa Constituição da República e está expresso em diversos tratados e convenções internacionais. Enfim, uma vergonha!”.

Direito de todos os humanos

Ao contrário do que pensa o general, direitos humanos são direitos de todos os humanos. Dizem respeito à garantia de não ser assaltado e morto, de professar a religião que quiser, de abrir um negócio, de ter uma moradia, de não morrer de fome, de poder votar e ser votado, de não ser escravizado, de poder pensar e falar livremente, de não ser preso e morto arbitrariamente pelo Estado, de não ser molestado por sua orientação sexual, identidade, origem ou cor de pele. Mas devido à deformação provocada por políticos escandalosos, líderes espirituais duvidosos e formadores de opinião ruidosos, a população acha que direitos humanos dizem respeito apenas a ''direito de bandido'', esquecendo que o mínimo de dignidade e liberdade do qual desfrutam estão neles previstos.

O mundo, ainda em choque com os horrores da Segunda Guerra Mundial, produziu a Declaração Universal dos Direitos Humanos para tentar evitar que esses horrores se repetissem. De certa forma, com o mesmo objetivo, o Brasil, ainda olhando para as feridas de 21 anos de ditadura militar, sentou-se para escrever a Constituição Federal de 1988 – que não é um documento perfeito, longe disso. Mas, com todos seus defeitos, ousa proteger a dignidade e a liberdade de uma forma que se hoje sentássemos para formula-lo, não conseguiríamos.

É depois de grandes momentos de dor que estamos mais abertos para olhar o futuro e desejar que o sofrimento igual nunca mais se repita. Desde então, não vivemos uma guerra como aquela entre 1939 e 1945, muito menos um período de exceção quanto 1964 e 1985. Acabamos nos acostumando. E esquecendo. E banalizando.

Quase 70 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, há quem grite contra os direitos humanos. Ou peça a volta da ditadura.

“O problema é que parte da geração que ajudou a escrever a Declaração Universal bem como a Constituição de 1988 se esqueceu por completo dos debates que levaram até elas, em nome do poder”, diz o cientista social Leonardo Sakamoto.


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