23/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro recua de novo sobre fusão de ministérios

Publicado em 02/11/2018 12:00 -

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O presidente eleito, Jair Bolsonaro, do PSL, indicou na quinta-feira (1.º), que a fusão dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura deve ser revista. “Pelo que tudo indica, serão dois ministérios distintos”, disse. “Pretendemos proteger o meio ambiente sim, mas não criar dificuldades para o nosso progresso.”

A declaração foi dada durante entrevista coletiva a emissoras católicas dois dias depois de a fusão ter sido anunciada pelos futuros ministros Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e Paulo Guedes, da Economia. A decisão recebeu críticas do agronegócio, que teme prejuízos no comércio internacional, já que países que compram do Brasil vêm aumentando a pressão por preservação ambiental.

Bolsonaro disse ainda que, se mantiver o Ministério do Meio Ambiente, a pasta será comandada por “alguém voltado para a área, sem ser xiita”. A expressão é a mesma usada por ele na semana passada, quando em transmissão ao vivo para redes sociais havia dito que poderia desistir da fusão do órgão com a Agricultura. Para o presidente eleito, o País é o que “mais protege” o meio ambiente. “O que a gente defende é não criar dificuldade para o nosso progresso”, comentou.

Mais tarde, em coletiva a emissoras de TV, Bolsonaro confirmou que ainda não está certa a fusão dos ministérios, pensada para “pacificar” atritos entre as áreas. “Temos mais dois meses para discutir sobre junção da Agricultura com o Meio Ambiente”, afirmou. O presidente eleito lembrou ainda que não existe unanimidade entre ruralistas sobre a questão, por conta de possíveis “pressões internacionais”. “Estou pronto para voltar atrás, não tem problema nenhum. Não vai ter ninguém com pressão de ONGs, um trabalho xiita. Queremos preservar o meio ambiente, mas não da forma que vem sendo feito ultimamente.”

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que o objetivo da fusão era “acabar com a briga entre as duas pastas”. Ele ressaltava, porém, que quem ditaria as regras no novo ministério, resultado da união dos dois, seria a Agricultura. Também afirmou em diversas ocasiões que poria fim à “indústria de multas” e à “fiscalização xiita” imposta aos produtores rurais por autoridades ambientais, como Ibama e ICMBio.

O anúncio da fusão no início da semana provocou protestos na Frente Parlamentar da Agricultura, a chamada bancada ruralista, que é resistente à ideia. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, chegou a criticar a decisão. Um dos argumentos de Maggi é que o Meio Ambiente trata de questões que não são ligadas ao agronegócio, como energia, infraestrutura, mineração e petróleo, assuntos que seriam de difícil conciliação com a fusão. “Como um ministro da Agricultura vai opinar sobre um campo de petróleo ou exploração de minérios?”, disse na quarta-feira.

No contexto brasileiro, os dois ministérios têm funções quase opostas. O do Meio Ambiente, além de combater o desmatamento e atuar na conservação dos diferentes biomas brasileiros, cuida de questões ligadas ao saneamento, controle da poluição, licenciamento de obras de infraestrutura, como hidreléticas. 

O da Agricultura, por sua vez, é responsável pelo estímulo à agropecuária, ao agronegócio. "Temos mais a perder que ganhar", opina Cornacchioni sobre a fusão. "Essa não é a opinião de todos, mas é a da maioria", comenta sobre o setor. 

Com crescente relevância no PIB brasileiro nos últimos anos, para exportar, o agronegócio precisa atender a mercados que exigem respeito a leis ambientais. União Europeia (UE) e Japão são apontados como os mais exigentes. 

Na quinta-feira, a modelo Gisele Bündchen usou o Twitter para pedir ao presidente eleito que não junte os Ministérios do Meio Ambiente com o da Agricultura. “Como defensora do meio ambiente e cidadã brasileira, preciso manifestar a preocupação com a proposta de união entre os dois ministérios. Dois órgãos de imensa relevância nacional e que têm agendas próprias e, por vezes, incompatíveis”, diz ela na nota endereçada a Bolsonaro.

Parlamentares

A Frente Parlamentar Ambientalista, grupo que atualmente reúne 228 deputados e 16 senadores, disse, em nota, que o futuro governo atua em favor do agronegócio em detrimento da biodiversidade.

"Sob pretexto de racionalizar a estrutura administrativa do Estado, o novo governo pretende subordinar a política ambiental aos interesses do agronegócio, enfraquecendo e reduzindo a autonomia de órgãos fundamentais como o Ibama e o ICM-BIO", diz trecho da nota assinada pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Encabeçado por Molon e pelo coordenador da Frente, Sarney Filho (PV-MA), o grupo de 244 parlamentares foi representado em coletiva de imprensa concedida há pouco no Salão Verde da Câmara, ao lado do plenário. Veja no vídeo abaixo.

Ibama

A presidente do Ibama, Suely Araújo, disse que a fusão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o Ministério da Agricultura "não faz sentido" e deverá agravar conflitos na máquina pública, em especial quando fazendeiros reagirem contra operações de fiscalização sobre crimes ambientais.

Ela disse ainda temer o aumento da demora na conclusão de processos de licenciamento ambiental e a repercussão negativa, no exterior, sobre produtos agropecuários produzidos no Brasil.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é autarquia vinculada ao MMA com o poder de polícia ambiental, entre outras atribuições.

​"O Ibama não vai deixar de fazer essas operações, qualquer que seja o dirigente do Ibama. A autarquia não vai deixar de fazer seu papel de polícia ambiental. E quando se faz isso diretamente dentro de um ministério que tem ações de fiscalização, uma série de empreendedores vai acionar diretamente lá a Agricultura: ‘Olha, não me fiscalizem’. E outra parte do ministério vai dizer: ‘Eu tenho que fiscalizar, é minha função natural’. Então não faz sentido. Eu acho que na verdade essa união vai levar a um acirramento dos conflitos, e não atenuação. É minha leitura pessoal", disse Suely.

Perda de credibilidade 

Visto como líder no âmbito de negociações internacionais de meio ambiente por abrigar a maior floresta tropical do mundo, o Brasil desenvolve vários projetos no âmbito do Ministério de Meio Ambiente com financiamento internacional.

Segundo um levantamento feito pela pasta, nos últimos dois anos, 1,6 bilhão de reais vieram de países como Estados Unidos e Alemanha e de fundos internacionais, como o Global Environment Fund (GEF).

O Fundo Amazônia, criado para combater o desmatamento, contou com 605 milhões de reais no mesmo período, valor doado principalmente por Noruega e Alemanha. Em caso de extinção do ministério, ainda não se sabe se os repasses teriam continuidade.

Caso a junção dos ministérios seja efetivada, a cooperação internacional correria riscos, avalia Duarte. "A sobrecarga do ministro com tantas e tão variadas agendas ameaçaria o protagonismo da representação brasileira nos fóruns decisórios globais", diz nota assinada pelo ministro de Meio Ambiente.

Falso paradoxo

Para André Guimarães, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, eliminar o Ministério do Meio Ambiente para favorecer o setor do agronegócio não é inteligente.

"A visão mais moderna da produção, e que grande parte do agronegócio entende, é produzir mais e preservar mais", analisou em entrevista à DW Brasil. "A floresta é nossa fábrica de chuvas. E a agricultura depende da chuva", argumenta sobre a importância da conservação. 

Esse papel atribuído às florestas, evidenciado por diversos estudos científicos, é reconhecido por representantes do agronegócio. "Nós entendemos que a variável ambiental faz parte da equação. Se tirar a questão da sustentabilidade, a conta do agro não fecha", diz Cornacchioni, da Abag.

A responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, na visão de Duarte, extrapola os limites territoriais do país. "Fragilizar a autoridade que ele representa, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário. O mundo, mais do que nunca, espera que o Brasil mantenha sua liderança ambiental", finaliza.


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