29/03/2024 - Edição 540

Brasil

USP investiga quem são fãs de Bolsonaro armados em foto na faculdade

Publicado em 01/11/2018 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Sobre a mesa leem-se ameaças escritas em duas placas: “Está com medo, petista safada?”. “A nova era está chegando”. Atrás delas, estão quatro rapazes.

Um com o bóton da bandeira da Coreia do Norte fixada ao terno segura um revólver, outro está trajado com uma camiseta escrita Trump acompanhada da frase icônica do presidente americano: “Faremos a América grande de novo”, em inglês.

No centro, há um terceiro jovem vestido com roupa militar acompanhado de mais um revólver. E, ao fundo, um quarto rapaz aparece com o rosto descaracterizado segurando bandeira nacionalista americana. Na lousa branca é possível ler a expressão “Nova era” e o símbolo B17, uma referência ao número da chapa de candidatura do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

Toda essa produção ocorreu para uma foto clicada em uma sala da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) da Universidade de São Paulo. A incitação à violência chocou os alunos e forçou a direção da instituição a abrir uma sindicância para investigar as circunstâncias do ato.

As investigações internas, que ficarão sob a responsabilidade de três professores nomeados pela direção, vão buscar saber se os rapazes são estudantes da FEA, se as armas que aparecem na fotografia são de brinquedo ou não e quando a fotografia foi tirada.

De acordo com a assessoria da faculdade, a direção tomou conhecimento da fotografia com mensagens violentas no último dia 29, após uma aluna da instituição publicá-la nas redes sociais.

O fato foi classificado de “inaceitável” pelo diretor Fábio Frezatti. “Em algumas situações algo que pode ser pensado como 'brincadeira' pode ser o estopim para aumento da agressividade e mesmo ameaças. Isso é inaceitável pois queremos um ambiente em que a comunidade possa pensar, discutir, aprender e crescer. Truculência não faz parte desse cardápio seja qual for a sua forma de exteriorização”, disse por meio de nota.

O diretor disse ainda que o ambiente universitário existe “como um campo de debate de inúmeros temas, inclusive o político, e a nossa tradição é pacífica”. “E queremos que assim continue, para todos, num ambiente em que a pluralidade seja uma prática real, política, religiosa, de gênero ou outra perspectiva.”

“O período eleitoral foi tenso e as expectativas oscilaram com muita radicalização. Uma vez terminado o processo eleitoral, imagina-se que as acomodações ocorram e os ânimos sejam acalmados. Afinal a vida segue”, disse o diretor em seu comunicado.

Segundo Júlia Köpf, presidente da Gestão Delta, que comanda o Centro Acadêmico Visconde de Cairu, da FEA, a fotografia foi compartilhada em um grupo de WhatsApp dos estudantes de administração noturno da turma de 2016, neste domingo (28), após o término das eleições. “Uma menina que está nesse grupo postou e as coisas começaram a crescer a partir daí”, disse.

Por meio de nota, o centro acadêmico afirmou que apesar de a foto ter um cunho eleitoral, não se trata de uma simples manifestação política. "É um retrato misógino e violento, de caráter fascista, que ameaça os direitos democráticos da coletividade dos estudantes."

“A foto faz parte de uma onda de extremismo e práticas violentas por todo país. Só em nossa Universidade, observamos também suásticas sendo pintadas na porta de residências estudantis e apologia à violência dentro dos campi. Diante deste cenário, é preciso que nós tenhamos posicionamento em nome da democracia e pela paz."

Köpf informou que o centro acadêmico vai acompanhar a apuração do caso realizada pela FEA e, como repúdio à fotografia, vai realizar nesta quinta-feira (1º de novembro) um fórum entre estudantes, funcionários e professores para discutir temas como intolerância e insegurança na faculdade.

Professores da UnB cancelam aulas após ameaças de bolsonaristas

Professores de diversos departamentos da Universidade de Brasília (UnB) decidiram cancelar aulas, no dia 29, depois que apoiadores de PSL convocaram atos em redes sociais para dar início ao que chamam de "caça aos comunistas" – em uma das postagens, diz-se que "universidade não é lugar de comunista". O cancelamento tem caráter individual e a reitoria já avisou que, por ora, monitora postagens de bolsonaristas nas redes, para detectar ameaças.

A convocação mobilizou muitos eleitores de Bolsonaro nas redes, mas não surtiu o efeito imaginado fora delas. Ao todo, cerca de dez se enrolaram em bandeiras do Brasil e camisas da seleção brasileira de futebol e foram ao campus manifestar apoio ao deputado do PSL.

Em imagens veiculadas em grupos de WhatsApp e outras redes sociais (veja fotos e vídeos abaixo), vê-se que os bolsonaristas esbarraram na reação dos próprios estudantes, que gritaram palavras de ordem contra a tentativa de cerceamento e conseguiram expulsá-los do local. Os alunos verbalizaram o mote "ele não", que ganhou as ruas do Brasil e de outros cantos mundo em 6 de outubro. Policiais acompanharam o incidente.

Diante do quadro, a UnB já solicitou providências à Polícia Federal e à Advocacia-Geral da União (AGU) com o objetivo de assegurar a plena normalidade no ambiente acadêmico. A universidade escreveu, em sua conta no Twitter, está monitorando publicações na internet "sobre potenciais transtornos à rotina da UnB, em razão dos resultados da eleição, e tomando as medidas cabíveis para garantir segurança e acolhimento à comunidade universitária".

Por meio de nota (leia mais abaixo), a UnB relata caso de vandalismo. "No fim de semana, foram registradas pichações e adesivagens de cunho político-eleitoral no prédio do ICC [Instituto Central de Ciências]. Os atos incluíram a destruição de cartazes de uma exposição dos estudantes do curso de graduação em Museologia, intitulada 'Se essa rua fosse mina'", diz trecho do comunicado, em que a UnB diz analisar imagens do circuito interno de câmeras para identificar os responsáveis.

Foram canceladas aulas, nesta segunda, em departamentos como o Instituto de Artes e os núcleos de Antropologia e Ciências da Saúde. Diante das ameaças, estudantes de Administração enviaram e-mails à secretaria pedindo suspensão das atividades.

Ecos

O combate a uma suposta ideologia de esquerda no ambiente de ensino é uma das principais bandeiras do PSL, partido do presidente eleito. A deputada estadual Ana Carolina Campagnolo (PSL-SC) divulgou em redes sociais um banner em que pede a denúncia de docentes que venham a fazer "queixas político partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro".

A professora de ensino médio, cujos slogans são "Por uma escola sem partido" e "Educação de qualidade de verdade", pede que as aulas sejam gravadas e enviadas para um número de WhatsApp. O banner solicita nome do professor, da escola e cidade em que o material foi registrado, e garante o anonimato de todos os "denunciantes".

Os episódios de cerceamento à atividade em ambiente acadêmico estão em curso em outros estados, e já têm reação de políticos e pesquisadores. Deputado federal do PT paulista, Paulo Teixeira protestou no Twitter contra a situação e publicou um vídeo (veja abaixo) em que Bolsonaro faz a mesma orientação sobre gravação de professores em sala de aula.

"Eleito propõe caça às bruxas nas Universidades. No dia de hoje o MBL dedica-se à perseguição aos professores na USP [Universidade de São Paulo], na UnB, em Santa Catarina e outros lugares. É o fim da liberdade de cátedra", reclamou o petista, que veiculou na postagem o vídeo de Bolsonaro.

Leia a nota da UnB:

A Administração Superior da Universidade de Brasília vem acompanhando, com atenção, posts nas redes sociais e publicações na imprensa sobre potenciais transtornos à rotina da Universidade em razão dos resultados da eleição do último domingo, 28. A UnB comunicou o Ministério da Educação e pediu o apoio da Secretaria de Segurança Pública do DF e da Polícia Federal, que podem ser acionadas em caso de necessidade. Solicitou também à Advocacia-Geral da União (AGU) que proponha, junto ao Poder Judiciário, medida cautelar preventiva com vistas a garantir a segurança da comunidade da UnB.

No fim de semana, foram registradas pichações e adesivagens de cunho político-eleitoral no prédio do ICC. Os atos incluíram a destruição de cartazes de uma exposição dos estudantes do curso de graduação em Museologia, intitulada “Se essa rua fosse mina”. A equipe da Prefeitura do Campus recolheu os adesivos e limpou as pichações. Está fazendo um levantamento das imagens das câmeras de segurança para proceder aos encaminhamentos necessários.

A UnB repudia atos de vandalismo e reitera seu compromisso com a paz e com os valores do Estado democrático de direito, que incluem a liberdade de cátedra e de opinião, com respeito ao próximo e aos direitos humanos. A Universidade continuará com suas atividades acadêmicas e administrativas, em atenção ao cumprimento de sua missão institucional: o ensino, a pesquisa e a extensão.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *