24/04/2024 - Edição 540

Judiciário

Que tipo de jurista vota em Bolsonaro?

Publicado em 31/10/2018 12:00 -

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Sigo tentando entrar na cabeça do jurista que votou em Jair Bolsonaro, imaginando a explicação que viria após a frase “porque votei em Bolsonaro”.

Também aproveito e repito: não votei e jamais votarei no dito cujo. Não desrespeitaria os mestres e exemplos que tive ao longo da vida, e nem mesmo os autores que li. Não fecharia os olhos para os milhares de miseráveis que defendi em minha carreira, vítimas de um país marcado pela exclusão, pela violência, pelo racismo, e pela discriminação.

No texto anteriormente publicado, listei algumas falas e ideias do presidenciável que deveriam, no mínimo, causar incômodo nos seus eleitores juristas, posto que absolutamente incompatíveis com tudo o que há no Direito e que foi por eles estudado por, pelo menos, cinco anos.

Mas a realidade sempre nos supera e aquele texto do mês de agosto já ficou desatualizado. Outras aberrações foram trazidas por Bolsonaro e cia nestes dois meses o que, imagino, deve ter aumentado o conflito interno dos juristas-bolsonaristas.

Afinal, e como eu já disse antes, é compreensível que pessoas de fora do Direito o apoiem, pois dificilmente tiveram algum contato com disciplinas como Direitos Humanos ou Direito Constitucional em suas vidas. Já os juristas, bem, estes no mínimo estudaram tais disciplinas por dois ou três anos de suas graduações, fora outras cujo conhecimento já evidenciaria o caráter antidemocrático e irrealizável da maioria do que é falado ou proposto por Bolsonaro – isso, claro, imaginando as Instituições com ensino jurídico de alguma qualidade, e que ainda resistem no Brasil.

Instado sobre a violência perpetrada por seus seguidores em dezenas de incidentes, que inclusive mataram pessoas em nome de Bolsonaro, este lavou as mãos: disse que lamentava aquelas ocorrências, mas que não teria como controlar seus seguidores. E ao invés de ser firme no repúdio a tais atos, optou por se vitimizar, dizendo que a violência estaria do outro lado, já que teria sido ele o esfaqueado – a despeito da natureza aparentemente isolada da conduta do autor da facada, que ainda teria problemas psiquiátricos. O mesmo Bolsonaro, dias antes de sofrer o criminoso ataque, em comício no Acre, simulando portar uma arma, disse que iria metralhar toda a “petralhada” daquele Estado. Num país conflagrado, dividido pelo ódio, trata-se, no mínimo, de incitação ao crime, infração penal tipificada no art. 286 do Código Penal. Juristas, como concordar com algo assim? Como aceitar que um possível Presidente da República – e de todos os brasileiros – aja de forma tão irresponsável, instigando a violência contra seus semelhantes?

Bolsonaro e seus seguidores difundiram e difundem um sem número das chamadas “Fake News”, atingindo de forma injusta a honra e a imagem de seu adversário, e de modo absolutamente impune. Tal prática torna-se potencialmente danosa quando se trata de um país como o Brasil, em que mesmo pessoas com elevado grau de instrução têm dificuldade – ou mesmo preguiça – para checar a veracidade daquilo que recebem em seus telefones celulares. O resultado de uma prática tão suja é claro: prejudica o alvo das mentiras, fazendo com que os votos migrem para o outro candidato. Como os juristas, profissionais comprometidos, por juramento, com a democracia e a ordem constitucional, conseguiriam apoiar quem a manipula com a descontrolada difusão de notícias falsas?

Bolsonaro também disse que buscará ampliar a composição do STF, de 11 para 21 ministros, com o objetivo de obter uma maioria a ele favorável na Corte. Perigoso, não? Afinal, todos os juristas, estudiosos e conhecedores da História brasileira que são, sabem que foi justamente isso que a ditadura civil-militar fez, por meio do Ato Institucional nº 02, de 1965, aumentando o número de ministros do STF de 11 para 16, com o objetivo de formar uma corte simpática ao regime. Como nossos juristas poderiam apoiar um cidadão que pretende uma reforma ainda mais drástica, ampliando o STF para 21 ministros, e anulando qualquer possibilidade de controle judicial de seus atos?

Ah, e ainda o STF: nos últimos dias veio à tona vídeo de Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável Jair, e deputado federal mais votado da história de São Paulo, em que ele diz que caso o STF de algum modo casse a candidatura de seu pai, a Corte poderia ser subjugada por “um soldado e um cabo”.  Com todas as letras, disse que o STF teria que “pagar para ver” e que aí seriam “eles contra nós”. Uma ameaça explícita a um dos Poderes da República, inclusive insinuando que ministros seriam presos. Como um jurista, que jurou defender a Constituição e o Estado Democrático, pode se sentir confortável com isso? Como ignorar coisas tão óbvias como a separação de Poderes e a autoridade do Judiciário, especialmente a do STF, guardião máximo da ordem constitucional?

Bolsonaro também vem, desde muito tempo, questionando a lisura das urnas eletrônicas – que há anos são auditadas, fiscalizadas por Judiciário, MP, sem nenhum indicativo de irregularidade. Não à toa, são milhões as mensagens que correm pelas redes sociais conclamando seus eleitores a saírem às ruas caso ele perca o pleito, afirmando que somente uma fraude tiraria a vitória de Bolsonaro. Como juristas poderiam votar em quem não aceitará outro resultado que não a vitória, ameaçando a estabilidade de um país ao não concordar com as regras do jogo, e difundindo teorias de conspiração absolutamente equivocadas?

Por fim, a última: em discurso transmitido no último dia 21, para milhões de seguidores em todo o país, Bolsonaro, de forma absolutamente clara, ameaçou seus opositores, dizendo que irá “varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil”, e que “essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”. Ou seja: depois do “Brasil acima de tudo”, idêntico ao “Alemanha acima de tudo” de Adolf Hitler, surge, repaginado, o “Brasil, ame-o ou deixe-o” dos tempos da ditadura civil-militar. Como nós, juristas, estudiosos do Direito e das lutas pela liberdade e pelo avanço dos direitos humanos, poderíamos apoiar quem promete a perseguição de parcela da população? Como apoiar quem não tolera a diversidade de pensamento, promovendo a hostilidade e a violência contra milhões de brasileiros?

E falando em juristas, como instituições como o STF e o TSE reagem a tudo isso? Com frases de efeito frágeis e vazias, sobre a independência do Judiciário e sobre a “normalidade” do funcionamento das instituições, repetindo o mantra que vem regendo as “anormalidades” do país já há alguns anos.

Também imagino que os colegas juristas se incomodem com o apoio que Bolsonaro recebe de neonazistas e até mesmo da Ku Klux Klan (“ele soa como nós”, disse um ex-líder da seita), e que por isso também não queiram se ver do mesmo lado que tais grupos, representativos da essência de tudo aquilo que se repudia dentro de um Estado Democrático de Direito.

Certamente os juristas deste Brasil não se esquecerão de seu dever maior, que é a defesa da Constituição e das Instituições democráticas.  Do contrário, honestamente, qual a razão de se estudar Direito?

Bruno Bortolucci Baghim – Defensor Público do Estado em São Paulo


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