26/04/2024 - Edição 540

Poder

Polícia só deve entrar em universidade se for para estudar, diz Barroso

Publicado em 26/10/2018 12:00 -

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Ao chegar para dar uma palestra na Universidade Externado, em Bogotá, na Colômbia, sobre os trinta anos da Constituição, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso falou: "Não me pronuncio sobre casos concretos. Mas o modo como penso a vida, a polícia, como regra, só deve entrar em uma universidade se for para estudar".

Barroso se referia aos recentes episódios em que instituições de ensino universitário têm sido alvo de ações policiais. As medidas, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias. Algumas também envolvem fiscais de tribunais eleitorais. Críticos das operações apontam censura.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça Eleitoral ordenou que a Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) retirasse da fachada uma bandeira em que aparece a mensagem "Direito UFF Antifascista". O item chegou a ser removido na terça-feira (23) sem que houvesse mandado judicial, mas logo depois foi recolocada por alunos.

A decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria "conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro [PSL]". No lugar da antiga bandeira, apareceu uma nova com a palavra "censurado" no prédio. Os estudantes, que negam ter feito propaganda político-partidária, organizam uma manifestação para esta sexta (26).

Na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), também houve ação de policiais militares para a retirada de faixas: uma em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março, e outra em que estava escrito "Direito Uerj Antifascismo". Segundo a universidade, não havia mandado judicial para a remoção, e as bandeiras continuam na entrada do campus Maracanã.

Também houve relatos de ações na Unirio.

No Rio Grande do Sul, a Justiça Eleitoral barrou a realização de um evento denominado "Contra o Fascismo, Pela Democracia", sob a alegação de que seria ato eleitoral dentro de uma instituição federal.

Na Paraíba, houve ações em três universidades. Na manhã de quinta (25), policiais federais estiveram na sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande. Cumpriam mandado de busca e apreensão de panfleto denominado "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como outros supostos materiais a favor de Fernando Haddad (PT).

A associação nega qualquer ação em favor de algum dos candidatos à Presidência e diz que se tratava de um manifesto em defesa da democracia.

'Universidade é campo do saber e o saber pressupõe liberdade', afirma Marco Aurélio

O ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta sexta-feira (26) que a interferência externa nas universidades é "de início, incabível". Ele ressaltou que seu posicionamento não se refere especificamente sobre a série de ações em universidades públicas por todo o país que despertaram reação da comunidade acadêmica e de entidades da sociedade civil.

"Universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária", disse o magistrado por meio de nota.

"Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada", acrescentou.

"Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento", destacou.

As medidas nas universidades, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias. Críticos das operações apontam censura.

Mais cedo, o ministro Gilmar Mendes disse que certa “ebulição” em ambientes universitários é inerente “ao processo democrático” e que é preciso “ter cautela” diante da sequência de ações em universidades públicas por todo o país que apontam propaganda eleitoral irregular nos campi.

Em conversas reservadas, ministros dos tribunais superiores dizem que é preciso analisar as decisões judiciais que autorizaram as medidas, antes de comentar o assunto.

No entanto, afirmam que as instituições públicas podem promover discussão política, mas que os órgãos governamentais "não podem ser utilizados para campanha eleitoral".

Um ministro do TSE destaca que, à primeira vista, o avanço sobre as universidades remete à censura, mas ressalta que não analisou as decisões que autorizaram as operações.

Ações em universidades são incompatíveis com regime democrático, diz Procuradoria

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) divulgou nota nesta sexta-feira (26) em que afirma ver como incompatíveis com a democracia as ações realizadas, a mando da Justiça Eleitoral, em universidades públicas pelo país.

O texto é assinado por Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Marlon Weichert, Domingos Sávio da Silveira e Eugênia Gonzaga, procuradores federais dos Direitos do Cidadão adjuntos. A PFDC é ligada à Procuradoria-Geral da República.

“Conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável […] Uma interpretação em favor da proibição de manifestações dessa natureza é uma ladeira escorregadia e, em breve, se poderia alegar que qualquer símbolo ou manifestação solidária ou trivial está associado a candidaturas”, continua a nota.

“Até mesmo a simples presença de crucifixos em ambientes públicos poderia ser considerada um posicionamento contra, por exemplo, candidatos judeus ou ateus.”

O órgão destacou que a lisura do processo eleitoral exige que espaços públicos não sejam utilizados para proselitismo ou propaganda político-partidária, como manda a lei. Porém, afirmou que tal vedação não pode ser confundida com a proibição do debate de ideias.

“A efervescência estudantil é elemento motriz de uma sociedade vibrante e plural e, ao invés de ser reprimida, deve ser festejada. Jovens estudantes têm papel de destaque na história nacional e estrangeira, pois provocam novas reflexões sobre temas científicos e humanos que, muitas vezes, pareciam consolidados”, afirma o texto.

“Nesse contexto, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão entende que são potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país —tais como as que ocorreram nos últimos dias 23 a 25 de outubro, em mais de uma dezena de universidades brasileiras.”

Entenda as ações da Justiça Eleitoral em universidades públicas do país

Abaixo, veja perguntas e respostas sobre as ações e em que casos especialistas consideram que as operações podem ferir o direito à liberdade de expressão.

Que tipo de ações foram tomadas pela Justiça Eleitoral em universidades públicas do país?

Houve diferentes operações em universidades por todo o país. Nos últimos dias, a Justiça eleitoral mandou suspender aulas públicas e eventos com temas como fascismo, democracia e ditadura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na da Grande Dourados (MS). Também ordenou a retirada de uma faixa que dizia “Direito UFF Antifascista" na escola de direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). Em Campina Grande, na Paraíba, houve inspeção do TRE em aulas da Universidade Federal de Campina Grande e apreensão de material na associação de professores da Universidade Estadual da Paraíba, na mesma cidade. 

Quantas universidades foram afetadas?

Há relatos de ações do tipo em ao menos 30 instituições, dos quais 13 foram confirmados pela reportagem até o momento.

Com que argumentos a Justiça ordenou a suspensão de atividades e retirada de faixas em universidades públicas?

As ações se fundamentam na ideia de que estaria sendo feita propaganda eleitoral em prédios públicos, o que é vedado pela lei 9.504/1997.

O que diz a lei?

A lei 9.504/1997 afirma que “é vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público”, entre outras instituições que recebem verbas públicas.

O que pode ser considerado propaganda eleitoral?

De acordo com Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), a propaganda eleitoral se configura pelo pedido explícito de voto a um determinado candidato ou ao número da chapa pela qual ele é representado. Isso não pode ser confundido com debates e falas sobre o cenário eleitoral em si. “Tem que ser específica e expressa no sentido de voto. Não tem nada de errado em defender ideias e propostas políticas, faz parte do processo”, afirma Henrique Neves, presidente do Ibrade (Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral) e ex-ministro do TSE. Em recomendação a reitores, a Defensoria Pública da União afirmou que “debates sobre o quadro eleitoral vigente” não podem ser considerados propaganda eleitoral.

Atos sobre a ditadura ou contra o fascismo podem ser considerado propaganda eleitoral?

Não, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha. Para os juristas ouvidos, há exagero nas ações da Justiça, que ferem o princípio da liberdade de expressão e a democracia. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes pediu cautela nas ações em universidades e reconheceu que pode haver exageros.

O que disseram os órgãos públicos sobre as ações?

Ainda não houve pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral a respeito das operações. A Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro recomendou a reitores que defendam a livre expressão de alunos, professores e funcionários sobre o processo eleitoral. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) afirmou ver como incompatíveis com a democracia as ações realizadas, a mando da Justiça Eleitoral, em universidades públicas pelo país.

E os candidatos?

O candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) publicou em rede social uma manifestação de repúdio às operações da Justiça Eleitoral em universidades públicas que ocorreram nesta semana em diferentes estados. O candidato Jair Bolsonaro (PSL) ainda não se pronunciou. 

 


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