Poder
Publicado em 26/10/2018 12:00 -
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Em cerca de 70 dias desde o início da campanha eleitoral, as iniciativas de checagem de fatos tiveram de desmentir mais de 100 boatos contra o candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) e seu partido. Levantamento do Congresso em Foco mostra que, ao todo, foram 123 checagens de boatos diretamente ligados a Haddad e ao candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) desmentidos desde 16 de agosto.
As agências de checagem Lupa e Aos Fatos e o projeto Fato ou Fake, do Grupo Globo, tiveram de desmentir pelo menos 104 “fake news” contra Haddad e o PT e outras 19 prejudiciais a Bolsonaro e seus aliados.
A reportagem procurou ambas as campanhas. A assessoria de Haddad afirmou que não se manifestaria e a de Bolsonaro não respondeu aos contatos até a publicação. O espaço está aberto para ambas as partes.
O total de 123 checagens de notícias falsas é equivalente a quase dois boatos desmentidos por dia até quinta-feira (25). Algumas das mentiras mais espalhadas tiveram de ser esclarecidas pelas três iniciativas de checagem.
É o caso do boato que atribui a Haddad uma declaração que nunca existiu. A mentira espalhada afirmava que o petista tinha dito que crianças passam a ser “propriedade do Estado” ao completarem cinco anos. O candidato, que nunca disse isso, conseguiu uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no dia 25 de setembro, que determinava a retirada imediata do post com a mentira. Contudo, dois dias depois, a Lupa verificou que a imagem continuava em posts no Facebook.
Contra Bolsonaro, as principais notícias falsas estavam ligadas à facada da qual foi vítima no dia 6 de setembro. Entre as mentiras espalhadas estavam a de que o candidato teria chegado andando ao hospital em Juiz de Fora (MG) após ter sofrido o atentado. A imagem, em que ele aparecia com a mesma roupa que usava ao ser esfaqueado, foi tirada mais cedo naquele dia.
Uma teoria da conspiração também afirmou que a facada foi uma armação para esconder um câncer do candidato – doença que os médicos que trataram o candidato desmentiram.
Vices
Os candidatos a vice nas chapas de ambos os candidatos à Presidência também foram alvos de notícias falsas. A mais recente foi reproduzida pelo próprio Haddad, que mais tarde reconheceu o erro. Durante sabatina a veículos do grupo Globo, o petista disse que Mourão foi um dos torturadores do cantor Geraldo Azevedo.
No dia 19 de outubro, durante show em Jacobina (BA), Geraldo Azevedo disse que foi preso duas vezes na ditadura e que foi torturado. O músico acusou Mourão de ser um de seus torturadores em 1969. Mas, naquela época, o hoje general tinha 16 anos e não estava nas Forças Armadas. Após constatar que havia se equivocado, Geraldo pediu desculpas pelo “transtorno causado”. Mourão afirmou que processará ambos.
A vice de Haddad, Manuela D’Ávila (PCdoB), foi alvo de manipulações de imagens e declarações falsas atribuídas a ela.
Uma das mentiras usou a frase do cantor John Lennon, ex-vocalista dos Beatles, sobre ser mais popular que Jesus. A agência Aos Fatos e o Fato ou Fake desmentiram que a deputada gaúcha tenha dito “somos mais populares que Jesus”. Na realidade, Lennon disse a frase há 52 anos, em 1966, para um perfil publicado no jornal inglês London Evening Standard.
Entre as manipulações de imagens, uma camiseta usada por Manuela, em que se lia “rebele-se!” foi digitalmente alterada para “Jesus é travesti”.
Mais compartilhado
Entre os boatos mais compartilhados nas redes está a foto que supostamente seria de um “ato pela saúde de Bolsonaro”, após o candidato ser esfaqueado durante ato de campanha. Segundo levantamento da Agência Lupa, essa foi a “notícia” falsa mais compartilhada no Facebook durante o período do primeiro turno, com 238,3 mil compartilhamentos.
A própria Lupa, Aos Fatos e Fato ou Fake mostraram que a foto registrando milhares de pessoas em uma avenida era, na verdade, de torcedores assistindo a um jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo em Campinas (SP), e não na porta do hospital onde Bolsonaro estava internado, como diz a legenda.
Veja todas as mentiras esclarecidas por Aos Fatos, Lupa e Fato ou Fake:
Convicção na mentira
Checagens e correções não abalam a crença das pessoas em notícias falsas no período eleitoral. Essa é a conclusão de um estudo sobre o potencial de influência das fake news nas eleições.
A primeira parte da pesquisa, feita em maio, com notícias falsas sobre o PT mostrou que, entre aqueles que acreditam nas informações inverídicas, a correção, mesmo vinda de veículo profissional de imprensa, teve pouco impacto.
O mesmo experimento, repetido em outubro, mostrou que desmentir foi inócuo.
A pesquisa é uma parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Pernambuco, e as universidades Emory e da Carolina do Norte (EUA).
“Durante a eleição, qualquer informação dificilmente é desconstruída”, diz Felipe Nunes, um dos pesquisadores da UFMG. “Por isso as campanhas estão interessadas em gastar milhões distribuindo fake news.”
O estudo mostrou a eleitores mineiros quatro fake news positivas e quatro negativas sobre o PT. Entre as positivas, estava uma fala do papa Francisco afirmando que o maior crime de Lula (PT) foi ter lutado contra a fome. Nas negativas, a informação de que a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) queria autorizar wi-fi em presídios.
Em maio, um terço dos entrevistados foi submetido apenas a fake news; um terço teve acesso à correção feita pelo partido ou alvo; e outro terço, à checagem do portal UOL.
No primeiro grupo, 44,9% das pessoas acreditaram nas notícias falsas positivas e 35,2%, nas negativas.
Quase não houve diferença para o segundo grupo, que teve as notícias desmentidas: 44,7% e 35,7% acreditaram, respectivamente.
Quando a checagem é profissional, há impacto entre as notícias falsas positivas. A parcela que acredita cai para 37,1%. Porém, entre as negativas, o índice muda pouco: 33,1%
“Quando está falando mal, a pessoa acredita mesmo que se desminta. Mas quando tem uma notícia boa e o UOL corrige, a pessoa confia porque já pensa que política não pode ter notícia boa.”
Em outubro, o experimento foi só com dois grupos: o que não teve as notícias desmentidas e o que teve a correção. A crença na informação falsa se mantém intacta.
Acreditaram nas notícias falsas positivas 35,4% no primeiro grupo e 36,3% no segundo. Para as negativas, o resultado foi 32,3% e 34,2%.
Para Nunes, o resultado no período eleitoral foi surpreendente. “As pessoas têm tanta certeza e convicção que dizer a elas que é mentira não faz a menor diferença.”
O resultado traz um alerta do potencial das notícias falsas e de que o esforço de combatê-las com a verdade é inútil entre convertidos. Segundo o pesquisador, a solução está nas mãos das campanhas.
“Vamos ter que caminhar para um pacto para não usarem o mecanismo. Ou as campanhas começam a combater esse mal ou dificilmente teremos eleições não determinadas por notícias falsas.”
Para avaliar se a correção das fake news ao menos abalava o nível de crença nelas, ainda que não mudasse a opinião do entrevistado, a pesquisa mediu o grau de ceticismo das pessoas. Assim, a força da crença foi graduada de -3 (muita certeza de que é a notícia falsa) e +3 (muita certeza de que é verdadeira).
“Na média, houve uma tendência a achar que as notícias eram falsas”, afirma Nunes.
Em maio, nos grupos que tiveram a correção via partido ou via UOL, o índice de ceticismo foi mais expressivo —os entrevistados acreditaram nas fake news com menos força. A crença só não foi afetada entre as notícias positivas desmentidas pelo próprio alvo.
Em outubro, no entanto, a força da crença quase não se alterou com a checagem.
“Apesar de as correções não alterarem de forma expressiva a crença, elas deixam as pessoas mais céticas com relação à veracidade”, conclui Nunes.
O que mostrou o experimento
MAIO
Grupo que não foi exposto a checagem:
44,9% – acreditaram em notícias falsas positivas
35,2% – acreditaram em notícias falsas negativas
Grupo exposto a uma checagem profissional que desmente as notícias:
37,1% – acreditaram nas positivas
33,1% – acreditaram nas negativas
OUTUBRO
Grupo que não foi exposto a checagem:
35,4% – acreditaram em notícias falsas positivas
32,3% – acreditaram em notícias falsas negativas
Grupo exposto a uma checagem profissional que desmente as notícias:
36,3% – acreditaram nas positivas
34,2% – acreditaram nas negativas
Fonte: Consultoria Quaest, UFMG, UFPE, University of North Carolina e Emory University; Foram entrevistadas 4.505 pessoas (maio) e 2.221 (outubro) em Minas Gerais
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