18/04/2024 - Edição 540

Legislativo

PL de Eduardo Bolsonaro é caminho para criminalização de ativistas, ONGs e movimentos sociais

Publicado em 23/10/2018 12:00 -

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Nos dias 7 e 9 de outubro deste ano, Jair Bolsonaro (PSL) fez declarações alarmantes sobre o ativismo no Brasil. Suas falas se tornam ainda mais preocupantes se relacionadas ao Projeto de Lei apresentado em 2016 por seu filho, Eduardo Bolsonaro, que propõe criminalizar a “apologia ao comunismo” e o “fomento ao embate de classes sociais”. Eduardo Bolsonaro, eleito deputado federal no primeiro turno das eleições deste ano, está sendo cogitado para presidente da Câmara, o que lhe daria competência para pautar as votações da Câmara dos Deputados.

"Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil." Disse Bolsonaro em pronunciamento transmitido em sua página do Facebook no último dia 7, logo após a divulgação dos resultados do primeiro turno das eleições.

No dia 9, em entrevista à TV Bandeirantes, o candidato também declarou que:  "Não pode ter esse ativismo xiita ambiental no Brasil."

Na mesma ocasião o candidato se disse contra uma suposta “indústria de demarcação de terras indígenas”.

Embora Jair Bolsonaro não tenha explicado como colocará em prática suas declarações, seu filho, Eduardo Bolsonaro, já possui um Projeto de Lei em trâmite que poderá servir, caso aprovado, como base legal para criminalizar a atuação de ativistas, movimentos sociais e até mesmo ONGs e outras entidades do Terceiro Setor. 

Considerando que o partido dos Bolsonaros (PSL) possui a segunda maior bancada no congresso, as chances de Eduardo se tornar o presidente da Câmara dos Deputados é grande, o que lhe conferiria prerrogativas para avançar com seu PL. 

Mais de 3 mil entidades nacionais e internacionais assinaram nota de repúdio às declarações de Bolsonaro. Você pode conferir a nota, na íntegra ao final desta reportagem.

Eduardo Bolsonaro apresenta projeto que criminaliza “comunismo” e “fomento ao embate de classes sociais”

Em 23 de maio de 2016, o deputado Eduardo Bolsonaro, apresentou no Plenário da Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei que criminaliza o “comunismo”. O PL 5358/2016 altera a redação da Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989 (Lei do crime racial), que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor e da Lei nº 13.260 (Lei Antiterrorismo) de 16 de março de 2016, para “criminalizar a apologia ao comunismo”.

Nos artigos 1º e 20 da Lei 7.716, que determina a punição para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, o projeto prevê a inclusão de punição para “fomento ao embate de classes sociais”.

Em outro ponto da Lei, a alteração proposta equipara apologia ao comunismo à apologia ao nazismo: “§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, a foice e o martelo ou quaisquer outros meios para fins de divulgação favorável ao nazismo ou ao comunismo.”  

Terrorismo

Na Lei 13.260, a alteração visa incluir o “fomento ao embate de classes sociais” na tipificação de terrorismo. Ela pede a supressão do parágrafo que determina que o disposto na Lei Antiterrorismo: “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”. 

O projeto também acrescenta a essa lei o seguinte parágrafo: “Fazer apologia a pessoas que praticaram atos terroristas a qualquer pretexto bem como a regimes comunistas”.

Ditadura Militar

Na justificativa do projeto, o deputado faz referência à repressão aos comunistas durante a Ditadura Militar (1964-1985). No texto, o deputado classifica de “canalhas”, os comunistas que lutaram contra o regime autoritário. “A mentira é o oxigênio desses canalhas travestidos de idealistas do bem comum”, diz.

Tortura

Ao falar sobre a prática de tortura pelo regime militar no combate aos dissidentes, o deputado afirma que “O Estado brasileiro teve de usar seus recursos para fazer frente a grupos que não admitiam a ordem vigente”. Em outro trecho afirma que “eventuais excessos” cometidos pelos militares foram “apurados e punidos como de praxe se faz na caserna”, diferente do que foi apontado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. 

O texto ainda trata do guerrilheiro comunista Carlos Marighela, assassinado pelos militares, como um “fascínora sanguinário” e defende o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, elogiado pelo seu pai, o também deputado Jair Bolsonaro (PSC/RJ), durante a votação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. 

“Os mesmos que defendem e exaltam Fidel Castro, Che Guevara, Carlos Lamarca, Carlos Marighella, dentre outros facínoras sanguinários, são os que se escandalizam com referências ao Coronel Carlos Alberto brilhante Ustra”, diz. 

Ainda em sua parte de justificativa, o texto equipara o comunismo ao nazismo e prega que ambos devem ser combatidos da mesma forma. “O Comunismo é tão nefasto quanto o Nazismo e, se já reconhecemos em nosso ordenamento jurídico a objeção ao segundo, devemos também fazê-lo em relação ao primeiro”.

Nota de repúdio às declarações de Bolsonaro sobre ativismo no Brasil

Organizações da sociedade civil e movimentos sociais têm um histórico significativo de ativismo em defesa dos mais diversos direitos no Brasil. Segundo estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), em 2017 existiam no país mais de 820 mil ONGs, atuando por melhores condições na educação, na saúde, por liberdades individuais e igualdade no acesso a direitos, pelo acesso à informação e a liberdade de expressão, pela dignidade no trabalho, pelo direito das crianças e adolescentes, pelo respeito ao meio ambiente, entre tantas outras pautas.

O Brasil também é reconhecido internacionalmente por sua forte rede de voluntariado, que articula milhões de cidadãos e cidadãs que dedicam parte de seu tempo para construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, na qual a população mais carente tenha acesso a direitos
básicos fundamentais, muitas vezes não garantidos pelo Estado. Este trabalho também é reconhecido como ativismo.

A ação desses ativistas tem sido fundamental para a melhoria das condições de vida no país e para o avanço na conquista de direitos. Organizações e movimentos são atores estratégicos na contribuição para a formulação de políticas públicas, na elaboração de leis importantes para o país, na fiscalização do poder público do ponto de vista orçamentário, na cobrança pela execução de políticas e programas de governo. Uma sociedade civil vibrante, atuante e livre para denunciar abusos, celebrar conquistas e avançar em direitos é um dos pilares de sociedades democráticas em todo mundo.

Foi por meio do trabalho ativista de tantas entidades que o Brasil conquistou, por exemplo, leis como a do combate ao racismo e de enfrentamento à violência contra as mulheres; políticas públicas como o seguro desemprego e o financiamento estudantil; programas de combate ao desmatamento e de proteção dos animais; a Lei antifumo e a Lei da Ficha Limpa, que nasceu da iniciativa da sociedade civil para combater a corrupção nas mais diferentes esferas no país. Neste contexto, a declaração do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) de que irá “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil” é de extrema gravidade. Ela é mais uma ameaça propagada por esta candidatura à nossa democracia.

Bolsonaro afirmou seu desejo de acabar com a atuação das organizações da sociedade civil em seu pronunciamento oficial no dia 7 de outubro, veiculado pela Internet logo após a confirmação, pelo Tribunal Superior Eleitoral, de que o candidato disputará o segundo turno no próximo dia 28.
Além de uma afronta à Constituição Federal, que garante os direitos de associação e assembleia no Brasil, a declaração reforça uma postura de excluir a sociedade civil organizada dos debates públicos. Trata-se de uma ameaça inaceitável à nossa liberdade de atuação. Não será apenas a vida de milhões de cidadãos e cidadãs ativistas e o trabalho de 820 mil organizações que serão afetados. Será a própria democracia brasileira. E não há democracia sem defesa de direitos.

Mais do que nunca, o Brasil precisa de um governo aberto ao diálogo, que se proponha a conduzir a nação junto dos mais diferentes setores, respeitando a diversidade de opiniões e ideias sobre as propostas e rumos para o país.

Em breve, a população voltará às urnas para eleger quem será o Presidente da República nos próximos quatro anos. Que o desprezo pelos movimentos sociais e entidades da sociedade civil manifestado nessa declaração seja considerado por todos e todas na hora de decidir seu voto.
Calar a sociedade civil, como anuncia Jair Bolsonaro, é prática recorrente em regimes autoritários. Não podemos aceitar que passe a ser no Brasil.

Veja quais organizações assinaram a nota: http://bit.ly/NotaAtivismo


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